Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Negócios Estrangeiros,
Srs. Secretários de Estado, Srs. Deputados,
A proposta de lei que hoje discutimos visa regular a aplicação e a execução em Portugal de medidas restritivas que sejam aprovadas pela Organização das Nações Unidas ou pela União Europeia e o regime sancionatório aplicável à sua violação.
Sejamos, então, claros quanto à terminologia. «Medidas restritivas» não é mais nem menos do que um termo técnico adotado para designar as sanções políticas, diplomáticas ou económicas que sejam determinadas pelas Nações Unidas ou pela União Europeia relativamente a Estados, a empresas ou a personalidades.
Podemos estar a falar de medidas que podem passar por proibições de entrada ou de passagem por Portugal de determinadas personalidades, podemos estar a falar de embargos de importações ou de trocas comerciais, ou podemos estar a falar de proibição de atividades empresariais em Portugal.
Em qualquer caso, podemos estar a falar de medidas lesivas de direitos de cidadãos ou de empresas estabelecidas em Portugal, não sendo de excluir que a aplicação dessas medidas tenha consequências lesivas de direitos e interesses legítimos de cidadãos ou de empresas portuguesas.
Basta pensar nas consequências das sanções impostas pela União Europeia à Rússia para um número significativo de empresas exportadoras portuguesas, para ter uma ideia das consequências lesivas que medidas desta natureza podem ter para cidadãos ou empresas nacionais.
A apresentação desta proposta de lei baseia-se na ideia de que não existe na ordem jurídica portuguesa um regime aplicável para impor na ordem interna a efetividade das sanções e para sancionar o seu incumprimento. A presente iniciativa legislativa visa cumprir esse objetivo, mas falta-lhe, porém, equacionar, em termos adequados, uma questão a que atribuímos grande importância, que é a de permitir aferir da conformidade da aplicação dessas medidas com a ordem constitucional portuguesa.
O princípio que parte da proposta de lei é o de que sanções decididas pela ONU ou pela União Europeia são para aplicar em Portugal de uma forma automática, sem aferir da adequação desse cumprimento à garantia de direitos fundamentais, constitucionalmente garantidos em Portugal e sem aferir da adequação dessa aplicação automática ao regime constitucionalmente admissível da restrição de direitos fundamentais.
O mais que se extrai da proposta de lei é que os atos de entidades públicas nacionais que aplicam e executam medidas restritivas são passíveis de impugnação judicial nos termos gerais. Convenhamos que «termos gerais» é uma formulação excessivamente vaga para a tutela de direitos fundamentais.
A aplicação de sanções em Portugal não pode prescindir de uma aferição sobre a sua conformidade constitucional ou sobre a sua adequação a valores que sejam considerados essenciais, do ponto de vista do interesse nacional.
É essa ponderação que falta na presente proposta de lei e que, por isso, nos suscita sérias reservas.