Intervenção de Álvaro Cunhal, Secretário-Geral, Comício

Discurso no comício do PCP na Praça do Campo Pequeno

Camaradas:

Quando tempos atrás foi desencadeada contra o nosso Partido a grande ofensiva das forças reaccionárias, conservadoras e oportunistas de direita e de esquerda conjugadas (campanha anticomunista, atentados, assaltos, agressões), os nossos inimigos cá dentro e no estrangeiro gritaram que o Partido não poderia resistir. E eis que o nosso Partido na acção política e na luta de massas continua mostrando toda a sua força e influência numa destacada posição da vida política nacional.

As forças reaccionárias e conservadoras, apoiadas por certos agrupamentos pseudo-revolucionários, desenvolveram uma planeada e concertada actividade, para conduzir o nosso Partido ao isolamento político. E eis que o Partido continua tendo largas alianças e sendo uma força-chave no quadro político português.

É com o PCP, e não contra o PCP, que se podem resolver os graves problemas do novo Portugal democrático. É com o PCP, e não contra o PCP, que se pode sair da crise que defrontamos.

A crise

Não é agora ocasião de fazer a história da crise que atravessamos. A crise profunda do processo revolucionário adquiriu uma extrema gravidade quando as contradições e divergências no MFA atingiram e paralisaram os seus organismos dirigentes e se formaram blocos opostos que entraram num conflito frontal, de posições e concepções, susceptível de gerar um confronto violento.

Com o Governo sem suficiente apoio político e militar, a situação deteriorou-se rapidamente.

O maior perigo surgiu quando os acontecimentos conduziram a uma aliança de facto entre um dos principais sectores do MFA e a direita reaccionária nas Forças Armadas, ao mesmo tempo que se verificou também a aliança objectivamente considerada do PS e do PPD com as forças de extrema-direita. Chamada a apoiar um sector do MFA, a direita reaccionária das Forças Armadas avançou, ganhou posições e, utilizando processos democratistas, passou a substituir, em larga medida, a competência de decisões até então reservada ao movimento revolucionário das Forças Armadas.

A agudização das divergências fez surgir o perigo duma fractura e de um confronto no seio do pró­prio MFA, que, na conjuntura existente, poderia significar um avanço imediato da contra-revolução fascista e a instauração duma nova ditadura.

No entender do PCP, essa fractura nesse momento poderia ser fatal para a Revolução. Era necessário um sério esforço para impedi-la, e esse esforço significava negociação e reaproximação entre as forças e sectores que desde o 25 de Abril tinham estado com o processo revolucionário, com vistas a voltá-las em conjunto contra o inimigo principal: a ameaça da contra-revolução fascista.

O desenvolvimento da crise levou a um recuo das forças da esquerda, ao fim do V Governo Provisório e ao afastamento das suas responsabilidades dessa grande e inesquecível figura de revolucionário que é o general Vasco Gonçalves.

A recomposição dos órgãos superiores do poder político (governo e MFA) entrou numa nova fase que se continua presentemente.

O MFA é insubstituível na Revolução Portuguesa. O desaparecimento do MFA, como vanguarda revolucionária e anteparo armado da Revolução, faria correr imediato risco a todo o processo revolucioná­rio. A consumar-se, uma tal situação exigiria a reconsideração de todo o problema da força militar da Revolução, em termos completamente diferentes daqueles que têm caracterizado a Revolução Portuguesa.

O MFA, embora sofrendo ao nível dos seus órgãos superiores baixas de valiosos revolucionários, embora perdendo posições na pesada massa das Forças Armadas, aguentou o golpe, recompôs-se das feridas, reestruturou os seus organismos superiores e continua sendo, através dos seus militantes revolucionários, mesmo os mais modestos e apagados, uma força viva, actuante, dinâmica e dinamizadora da Revolução Portuguesa.

O MFA vive uma fase difícil, mas confiamos que sairá dela reforçado.

É no mesmo quadro de recomposição e reestruturação do poder político que surge a designação do almirante Pinheiro de Azevedo para formar o VI Governo Provisório.

Apoio a Pinheiro de Azevedo

Impossibilitado de prosseguir o V Governo, o PCP acolheu favoravelmente a designação do almirante Pinheiro de Azevedo para formar o novo governo.

Na nossa opinião, a solução deveria procurar-se num Governo que compreendesse as principais correntes existentes no MFA, partidos da esquerda e o PS. Não deveria corresponder a qualquer outro agrupamento mais à direita.

Diferentemente, a ideia do indigitado primeiro-ministro era a formação de um governo com membros do PS, do PCP e do PPD.

Recusámos sugestões para promovermos um encontro bilateral com o PS, mas aceitámos ser recebidos pelo Presidente da República e com o indigitado primeiro-ministro simultaneamente com a delegação do PS.

O PS pôs como condição absoluta da sua participação a participação do PPD, com cujo programa se identifica em muitos pontos.

Pela nossa parte, manifestámos desde início completa discordância com a entrada no Governo de membros do PPD e recusamo-nos categoricamente a ter qualquer encontro com este partido.

Neste preciso momento em que se adensa a conspiração e a ameaça contra-revolucionária terrorista de Spínola, que apoio e cooperação se pode esperar à acção do PPD no Governo para cortar o passo à contra-revolução?

Poderemos nós esquecer que o seu secretário-geral, Sá Carneiro, esteve metido em cheio na preparação e execução do golpe Palma Carlos, em Julho de 1974, de que resultaria, já então, a liquidação das liberdades e a instauração de uma nova ditadura por Spínola?

Poderemos nós esquecer que quando, discursando em 10 de Setembro de 1974, Spínola define a plataforma da contra-revolução e lança a operação da «maioria silenciosa», logo o PPD vem apoiá-lo?

Como podem membros do PPD estar no Governo se ainda recentemente no seu comício os oradores exigiram a dissolução do MFA e do Conselho da Revolução, e o que chamam a libertação das Forças Armadas do neocolonialismo do MFA?

Como podem estar num Governo que declara defender as conquistas da Revolução homens do PPD, quando o PPD, pela boca de Sá Carneiro, contesta as liberdades em que vivemos, a descolonização, as nacionalizações e a reforma agrária?

Que vai fazer no Governo gente dum partido que ameaça armar milícias com 50 000 homens, declarando assim os seus propósitos de subversão e guerra civil?

Como podem estar num governo cuja definição política se baseia no Pacto Constitucional e no qual está representado o MFA homens do PPD quando o PPD, pela boca de Sá Carneiro, recusa o Pacto Constitucional que entretanto o PPD assinou, os documentos fundamentais e as estruturas do MFA?

Temos pois boas razões para a posição que assumimos.

Quanto ao PS, são conhecidas as suas posições e atitudes, mas a massa dos seus militantes e a sua base de apoio são diversas. Na situação actual, tornava-se difícil não considerar a sua presença na formação de um novo governo.

A questão que se nos colocou foi a de se participar ou não, directa ou indirectamente, na formação do VI Governo Provisório.

Examinámos atentamente a questão e decidimos apoiar os esforços do almirante Pinheiro de Azevedo para a formação do VI Governo Provisório. Decidimos fazê-lo porque a alternativa para um tal governo não era um governo revolucionário, nem um governo com uma posição semelhante à do V Governo Provisório. A alternativa seria a formação a curto prazo dum governo mais à direita apoiado em forças conservadoras e reaccionárias. E a formação de um governo de direita poderia levar à instauração a curto prazo duma nova ditadura.

Consideramos que a nossa posição foi justa, pois não é com palavras mais ou menos exaltadas que se faz avançar o processo revolucionário, mas com uma política concreta que numa situação concreta reforce as forças e as posições revolucionárias.

Há que sublinhar que desde logo rejeitámos um governo de coligação, isto é, um governo com representantes de partidos que cooperam como tal na acção governativa. Admitimos porém que, se a plataforma para o VI Governo fosse aceitável, poderíamos autorizar que membros do Partido, embora sem o representarem oficialmente, pudessem fazer parte do governo, como ministros ou como secretários de Estado.

Se se concretizar esta hipótese, o que ainda não é certo porque surgiram novas dificuldades, os membros do Partido no governo combaterão firmemente eventuais posições e propostas de direita, defenderão firmemente medidas favoráveis aos trabalhadores e ao processo revolucionário, travarão ao nível dos órgãos do poder precisamente a mesma batalha política e revolucionária que outros militantes travam nas fábricas, nos campos, em todas os locais de trabalho, nas ruas, nos sindicatos e organizações de massas. Onde quer que se encontrem, os comunistas lutam sempre com a mesma orientação e os mesmos objectivos.

A eventual participação de comunistas no governo em nada diminui nem limita a acção política revolucionária do Partido. Como muitas vezes temos afirmado, a política do PCP é a mesma no governo e na rua. Sempre foi assim desde o 25 de Abril, em condições não menos complexas que as actuais, e cremos que muitos dos avanços da Revolução não são estranhos à orientação e à actividade do Partido Comunista Português.

Se um governo se formar na base desse programa, a questão é exigir que este seja aplicado, e em muitos casos aplicá-lo directamente pela acção criadora das massas populares.

Pode perguntar-se por que razão, sendo aceitável o programa, ele foi subscrito pelo PS e até pelo PPD. Por um lado, estes partidos propuseram ao indigitado primeiro-ministro numerosas alterações e emendas do projecto, muitas das quais não foram aceites.

Por outro lado, para alguns, como a experiência mostra, aprovar ou assinar um papel não é cumprir o que nele se diz.

O programa político do VI Governo Provisório

Como base política para a formação do VI Governo Provisório, o almirante Pinheiro de Azevedo apresentou um projecto de programa que foi discutido, deu lugar a discussões, sofreu emendas e teve finalmente a forma tornada pública pelo indigitado primeiro-ministro. A plataforma não é evidentemente o programa de um partido. Mas é aceitável no essencial.

O combate às actividades contra-revolucionárias, a defesa da ordem democrática, medidas para assegurar no imediato o exercício das liberdades em todo o território, a consolidação das conquistas da Revolução, designadamente das nacionalizações e da reforma agrária, são pontos básicos da plataforma, que devem obrigatoriamente orientar a acção do VI Governo Provisório.

A questão não é porém tanto a plataforma como a vontade ou falta de vontade de executá-la.

Dificilmente se pode acreditar que por exemplo vão para o Governo defender as nacionalizações e a reforma agrária aqueles que cá fora as combatem.

Comunistas no Governo

Desde o 25 de Abril, os comunistas participaram em todos os sucessivos governos provisórios.

Ao lado dos elementos mais progressistas, designadamente militares, os ministros comunistas defenderam firmemente em todos os governos provisórios os interesses dos trabalhadores e os objectivos da Revolução.

O povo português pode estar absolutamente seguro de que, se houver comunistas membros do Governo, estarão aí para defender a Revolução.

É porque o sabem, é porque sabem tão bem como o nosso povo, que a participação de comunistas no Governo é uma posição avançada da classe trabalhadora e das forças progressistas, é uma importante garantia da defesa de uma política que sirva os interesses da Revolução, que os reaccionários e conservadores (apoiados pelo imperialismo estrangeiro) fazem todos os possíveis para reduzir a participação comunista, ou para provocar o seu afastamento.

Agora, por exemplo, nas negociações para a formação do VI Governo Provisório, parece haver quem, à última da hora, procure impedir a formação de um governo em que participem comunistas. Que pretendem com isso? Procuram conduzir a um impasse? Provocar o fracasso da tentativa do almirante Pinheiro de Azevedo e criar condições para a formação de um governo abertamente da direita, sem os comunistas, talvez com o PS, talvez com o PPD e assente nos sectores conservadores e reaccionários das Forças Armadas?

Não haja qualquer dúvida de que, se tal tentativa fosse coroada de sucesso, seriam postas em causa conquistas fundamentais da Revolução e o governo se lançaria numa escalada de medidas repressivas contra as forças revolucionárias e as massas populares. A formação de um tal governo constituiria um golpe sério na Revolução e um perigo real da instauração de uma ditadura a curto prazo.

Por isso nós fazemos e faremos tudo quanto é possível para evitar tal impasse e tal desfecho.

Mas se a situação criada por sectores reaccionários ou se forem feitas exigências inaceitáveis, se o almirante não puder levar a cabo a sua missão, se, como resultado, for formado um governo de direita, não se devem iludir as forças reaccionárias e conservadoras.

Fariam pairar o perigo duma nova ditadura. Poderiam criar horas amargas para o povo. Mas estamos plenamente certos de que encontrariam pela frente a resistência tenaz e heróica da classe operária e das massas populares ao lado da sua vanguarda revolucionária, encontrariam a acção das forças revolucionárias (populares e militares) firmemente decididas a defender as liberdades e as conquistas históricas alcançadas desde o 25 de Abril.

Neste momento, o insucesso de Pinheiro de Azevedo e a formação de um governo abertamente da direita serão perigosos para a Revolução. Por isso fazemos tudo para evitá-lo. Mas, se não conseguirmos evitá-lo, iremos ao combate e estamos confiantes de que a vitória será também do nosso povo, das forças da democracia, da independência nacional e do socialismo.

Grandes objectivos do momento

O perigo da contra-revolução, agravado pelo prolongamento da crise profunda que se tem atravessado e ainda não foi ultrapassada, coloca, ao nível do Governo, do MFA e do movimento popular, tarefas inadiáveis.

É necessário em primeiro lugar suster, desorganizar, desarticular e reprimir as actividades contra-revolucionárias, onde quer que se manifestem.

Os actos de violência e vandalismo, os incêndios, os assaltos a centros de trabalho dos organismos progressistas, as agressões, os atentados, devem ser imediatamente castigados.

As actividades do ELP e do MDLP devem ser descobertas e punidas sem contemplações.

É estranho que, no momento em que se intensifica a preparação contra-revolucionária, em que papéis clandestinos do ELP e do MDLP fazem apelo ao assassinato e ensinam como assassinar e quem assassinar, em que a reacção fascista levanta cabeça por toda a parte, é estranho que alguns partidos venham pedir não a prisão dos responsáveis pelos actos de banditismo político, dos salteadores dos bandos fascistas armados, mas a libertação de conspiradores e sabotadores reaccionários presos após o 25 de Abril. Com tais medidas não se defenderão as liberdades e a revolução, mas a contra-revolução fascista.

Tem de impedir-se tal liberalismo e exigir o efectivo castigo dos contra-revolucionários.

As forças encarregadas da segurança e da ordem pública têm-se mostrado mal adaptadas para as suas funções. É tempo que acordem as instâncias superiores do Estado. Sem segurança e sem defesa da ordem pública não há revolução que possa resistir aos golpes do inimigo.

O MFA e as FA têm um papel decisivo a desempenhar a este respeito. Mas as massas trabalhadoras não podem assistir passivamente ao crescimento da onda reaccionária. A par das medidas oficiais, as próprias massas podem e devem contribuir directamente para defender a ordem democrática e assegurar o exercício das liberdades e direitos dos cidadãos.

É necessário, em segundo lugar, assegurar rapidamente o exercício das liberdades e direitos dos cidadãos em todo o território nacional.

Este objectivo é da maior importância porque temos de reconhecer com amargura que ano e meio passado sobre o 25 de Abril há vastas zonas do país onde não existem de facto liberdades democráticas.

É estranho que no momento em que grassa a violência fascista e são de facto liquidadas as liberdades em vastas zonas do país; no momento em que nos Açores e Madeira são proibidas as actividades do PCP, e deportados para o continente alguns dos seus membros; no momento em que bandos fascistas assolam numerosas localidades, pilhando e incendiando, e se instala um poder reaccionário local que engana, desinforma, intoxica, manipula e coage as populações — é estranho que num tal momento o PPD e também de certa forma o PS insistam em eleições para as autarquias e comecem já a querer marcar data para as eleições gerais.

O PCP desde já adverte que não reconhecerá pseudo-eleições que se realizem em tais condições, que tornariam as eleições uma fantochada digna da ditadura fascista derrubada no 25 de Abril, mas indigna do Portugal democrático de hoje.

Já as eleições para a Assembleia Constituinte se realizaram em vastas regiões sem que existissem as liberdades necessárias: o PCP advertiu da situação, que desmascarou a seu tempo. Volta agora a advertir, com redobrada razão, que está decididamente contra a realização de eleições desde que não estejam asseguradas as liberdades democráticas.

Os eleitoralistas, se querem eleições, devem antes contribuir para criar condições para elas e não atiçarem a perseguição política e soprarem incêndios a centros de trabalho de partidos, talvez com a esperança de virem a colher mais uns votos na terra por eles queimada.

Antes de falar em eleições é necessário falar na instauração de facto das liberdades, que constituem uma das vitórias históricas do 25 de Abril, mas que ainda são desconhecidas da grande parte da população portuguesa.

É necessário, em terceiro lugar, a par do reforço dos órgãos do poder político, designadamente o Governo e o MFA, reforçar todo o aparelho do Estado democrático.

Animados pelo prolongamento da crise político-militar, os reaccionários que foram liberalmente deixados em lugares de responsabilidade no aparelho do Estado começaram a mostrar os dentes e passaram em alguns casos a conspirar quase à luz do dia.

Enquanto não se limpar a máquina do Estado (designadamente as forças militares) dos elementos reaccionários que conspiram intensamente, sabotam, preparam um golpe — as liberdades e a revolução não estão convenientemente defendidas.

Já basta de saneamentos à esquerda, em que só a contra-revolução pode estar interessada! A vontade revolucionária deve impor decididamente saneamentos à direita, pondo fim a ninhos de conspiradores reaccionários que se multiplicam na máquina do Estado, designadamente nas Forças Armadas.

É necessário, em quarto lugar, a par da luta contra a reacção em defesa das liberdades, lutar firmemente em defesa das conquistas fundamentais da Revolução.

Os trabalhadores, as forças progressistas, não consentirão que, a pretexto da necessidade de concentrar esforços na defesa das liberdades contra a ameaça fascista (sem aliás se ver claramente essa concentração de esforços), se ponham em causa as grandes transformações económicas e sociais de carácter revolucionário já realizadas e em curso.

Dizem que num dos últimos dias o Jorge de Melo teria telefonado para Portugal anunciando que nomearia novos administradores para uma empresa do grupo CUF, cujo decreto de nacionalização fora aprovado mas não ainda promulgado.

Pode ser que alguns partidos queiram restituir ao grande capital empresas nacionalizadas e aos grandes agrários latifúndios expropriados. Pode ser que os Champalimaud, Melos, Espírito Santo e C.a tenham já projectos e advogados para o efeito.

Se tais ideias existem, há desde já que dizer claramente que tais projectos não passarão.

As empresas nacionalizadas, nacionalizadas estão. As terras expropriadas, expropriadas estão. Os trabalhadores não consentirão que umas e outras voltem para as mãos das classes parasitárias.

Não é só no domínio económico que as conquistas da revolução serão defendidas. Sê-lo-ão nos mais diversos domínios. Sê-lo-ão, por exemplo, no domínio dos órgãos de informação. Não pensem certos partidos que agitando o espantalho do «controlo dos órgãos de informação pelo PCP» os trabalhadores se assustam e se submetem ao controlo dirigista e hegemónico que esses partidos pretendem, ou que neste ou naquele jornal se vergam à intimidação de manifestações e assaltos de curiosas frentes que, passando pelo PS, vão do CDS ao MRPP.

A revolução portuguesa é já suficientemente profunda para que possa ser reabsorvida no estreito quadro da social-democracia.

Perspectiva do socialismo

Ante a ofensiva das forças reaccionárias há quem diga que a defesa da democracia contra a ameaça fascista exige que se desista da perspectiva revolucionária e socialista e que nos contentemos com a perspectiva duma democracia burguesa, em que a classe operária teria as liberdades mais ou menos condicionadas como existem na Europa ocidental, e em que os grupos monopolistas e os latifundiários, recuperadas as posições que perderam desde o 25 de Abril, voltariam a ser os senhores da economia portuguesa e continuariam a explorar o povo como dantes.

Nós estamos firmemente dispostos a fazer frente à ameaça da contra-revolução e a unirmos os nossos esforços a todos os que queiram lutar ao lado dos comunistas contra o perigo fascista e em defesa das liberdades.

Mas, nas condições da nossa revolução, lutar contra a ameaça fascista não significa abandonar a perspectiva do socialismo, mas pelo contrário lutar firmemente com essa perspectiva.

O projecto da social-democracia, seguindo o modelo europeu, não tem qualquer viabilidade em Portugal.

Como muitas vezes temos repetido, em Portugal não é possível conciliar a existência das liberdades com o domínio económico dos monopólios e latifundiários. Dado o baixo nível industrial e o atraso agrí­cola, o desenvolvimento económico de Portugal, a acumulação capitalista, a capacidade de competição no mercado internacional, exigiriam um tal grau de exploração dos trabalhadores que só um aparelho repressivo poderia impô-lo.

Se voltasse o poder dos monopólios, se voltasse o domínio dos latifundiários, com eles viria a liquidação das liberdades, a repressão, a instauração duma nova ditadura.

Dito de outra forma: Para que voltasse o poder económico dos monopólios, para que as grandes empresas nacionalizadas voltassem aos grandes senhores da banca e da indústria, para que os agrários reconquistassem as terras expropriadas pela reforma agrária, e que os camponeses regam com o seu suor e com o seu sangue, seria necessário que antes instaurassem uma nova ditadura, porque os trabalhadores portugueses estão firmemente decididos a lutar em defesa das conquistas da Revolução e não cederão facilmente essas conquistas, para que os sociais-democratas portugueses consigam ganhar a confiança do grande capital português, das multinacionais e dos sociais-democratas estrangeiros.

Em Portugal, defender as liberdades e a democracia significa liquidar definitivamente os monopólios e os latifúndios, significa prosseguir as grandes transformações económicas e sociais rumo ao socialismo.

Pode haver pausas, pode haver ajustamentos. Pode mesmo haver recuos. Mas na linha essencial da Revolução Portuguesa rumo ao socialismo está a classe operária, estão as massas trabalhadoras, está o PCP, decididamente dispostos a defendê-la.

Se é certo que se luta pelo socialismo lutando em defesa das liberdades, não é menos certo que se defendem as liberdades insistindo corajosamente na luta pelo socialismo.

As forças revolucionárias portuguesas (populares e militares) são poderosas. Todos os dias elas se revelam na luta contra a reacção, na luta em defesa dos interesses vitais das classes trabalhadoras, na luta em defesa da Revolução.

As forças revolucionárias portuguesas têm condições essenciais para defender as liberdades e para prosseguir o caminho encetado, que conduz a uma sociedade democrática e socialista.

Não abdicamos nem abdicaremos deste objectivo e não pouparemos esforços e estamos prontos a dar a vida se necessário for para alcançá-lo.

As forças da Revolução

No seu desenvolvimento irregular, contraditório, com avanços e recuos, vencendo dificuldades e perigos como tem sucedido desde o 25 de Abril, a Revolução Portuguesa prossegue na direcção fundamental que lhe foi imprimida pelo próprio processo revolucionário

Que ninguém julgue que se pode domesticar o caudal de força revolucionária através de leis e de decretos.

A Revolução decide-se, é certo, também ao ní­vel dos órgãos do poder. Decide-se na acção governativa. Mas decide-se fundamentalmente pela correlação nas forças (tanto populares como militares). Decide-se pela acção e pela luta da classe operária e das massas populares, em união fraterna, que não deixaremos quebrar, com os soldados, marinheiros, sargentos e oficiais revolucionários, com o MFA, movimento progressista e vanguarda das Forças Armadas.

A vida e a acção do MFA não é questão que apenas respeite aos militares. A sorte da Revolução Portuguesa está de tal forma ligada à do MFA que o povo português tem o direito não só de esperar como de exigir que o MFA supere completamente as actuais dificuldades e ressurja unificado com a capacidade e a determinação que estão na base de muitos dos grandes êxitos da Revolução Portuguesa.

O movimento popular revolucionário tem cada vez mais elevado papel a desempenhar. A unidade de acção de todos aqueles que querem impedir o regresso do fascismo e defender as liberdades e as outras grandes conquistas da Revolução é um factor essencial da vitória.

Ao nível das empresas, das herdades, de todos os locais de trabalho, dos sindicatos e de outras organizações de massas, um grande esforço deve ser feito para vencer o sectarismo, a estreiteza de grupo, a dificuldade de ouvir, de confrontar ideias, de encontrar soluções comuns aceitáveis por todos.

Estamos empenhados em apoiar e reforçar as organizações de classe dos trabalhadores, em contribuir para a força grandiosa do movimento sindical, das ligas dos pequenos e médios agricultores e de outras organizações de massas.

Estamos sinceramente interessados em reforçar os laços e as formas de unidade de acção com partidos e reagrupamentos de esquerda voltados para a acção revolucionária.

Desejamos manter com eles uma cooperação leal e fraterna que exclui pretensões a que o PCP se submeta a qualquer disciplina imposta por tal ou tal grupo, e deve excluir também o uso e abuso de insultuosas acusações quando o PCP toma, como tem pleno direito, uma iniciativa com que outros não concordam.

Estamos sinceramente interessados em promover, fortalecer e apoiar os organismos unitários de base, como comissões de trabalhadores, comissões de moradores, comissões de vigilância e assembleias populares — formas riquíssimas de organização de massas, cujo papel no processo revolucionário aumenta dia a dia, como expressão da unidade da classe trabalhadora e das massas populares, como forma de intervenção revolucionária das massas nas transformações políticas, económicas, sociais e culturais que se estão dando na sociedade portuguesa.

O nosso glorioso Partido está passando com êxito mais uma tempestade de ódio, de chamas, de atentados, de agressões, de crimes desencadeados pela contra-revolução.

Dezenas de Centros de Trabalho do Partido, fruto do sacrifício e do amor dos militantes, foram saqueados e incendiados pela fúria de bandoleiros contra-revolucionários. Os comunistas, educados na firmeza e combatividade pelo seu Partido, deram grandes exemplos, resistindo aos assaltos, correndo em socorro dos seus camaradas, prosseguindo actividades revolucionárias nas mais difíceis condições, chamando as massas à luta, organizando a resposta política em grandiosos comícios e manifestações.

Sofremos ataques e perdas no Norte, nos Açores, na Madeira. Curaremos as feridas, reconstruiremos os Centros de Trabalho, sairemos da prova mais temperados e mais fortes e estamos certos de que os trabalhadores dessas regiões saberão finalmente reconhecer nos comunistas os seus mais dedicados defensores, porque, como nenhuns outros, são capazes de sofrer e de morrer pela libertação das classes trabalhadoras.

Aqui está hoje de novo o PCP a afirmar a sua vitalidade revolucionária, o seu ardor militante, a sua capacidade de responder às mais complexas situações.

Aqui, com o seu Partido, estão as nossas valentes organizações das juventudes comunistas — UJC e UEC — e as mulheres comunistas, que daqui saúdo em nome do Partido.

Os acontecimentos continuam a mostrar que a defesa da liberdade e a construção do novo Portugal democrático não são possíveis sem a intervenção do PCP a todos os níveis de responsabilidade, incluindo no próprio Governo.

A democracia e o socialismo constroem-se com os comunistas, e não contra eles.

Viva a unidade do povo trabalhador!

Viva a unidade das forças revolucionárias!

Viva a aliança do movimento popular com o Movimento das Forças Armadas!

Viva Portugal democrático, a caminho do socialismo!

Viva o Partido Comunista Português!

  • 25 de Novembro de 1975
  • Central
  • 25 de Novembro
  • Álvaro Cunhal