Exposição de Motivos
I
A política educativa dos sucessivos governos do PS, PSD, PSD-CDS/PP tem sido marcada por um profundo desinvestimento público nas condições materiais, humanas e pedagógicas da escola pública, nos últimos dois anos agravado pela aplicação do Pacto da Troika.
Apesar da legislação existente reconhecer os Serviços de Psicologia e Orientação (SPO) como “unidades especializadas de apoio educativo integrados na rede escolar que “desenvolvem a sua ação nas áreas “do apoio psicopedagógico, orientação escolar e profissional e apoio ao desenvolvimento do sistema de relações da comunidade escolar”; e da criação da carreira de psicólogo dos SPO (DL300/97), o último concurso para a admissão na carreira data de 1997.
Nos últimos anos os psicólogos têm sido contratados pelo Ministério da Educação para desenvolvimento de projetos de combate ao insucesso escolar, por contratação de escola inserida nos termos do Estatuto da Carreira Docente, Outros Projectos, com Habilitação Própria. Este enquadramento não garante estabilidade laboral, nem reconhece a profissionalização para a docência pelo que o seu índice remuneratório é invariavelmente o 126, cujos valores rondam os 900€. Isto, porque o vínculo laboral é na modalidade de contrato a termo resolutivo certo para “execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro”, tendo como limite o termo do ano escolar. Este carácter temporário é exemplo do recurso ilegal à precariedade para dar resposta a necessidades permanentes do sistema educativo.
No ano letivo 2009/2010, de acordo com dados do Ministério da Educação, existiam 408 psicólogos efetivos nas escolas.
No ano letivo 2010/2011, o Governo PS reduziu para metade as vagas atirando mais de 200 profissionais para o desemprego.
Em 2011/2012, as contratações iniciaram-se apenas em novembro com grave prejuízo para os alunos e os profissionais.
Em 2012/2013, terão sido contratados 176 psicólogos através de contratos mensais apenas em outubro e novembro.
No atual ano letivo, 2013/2014, o Governo terá autorizado apenas mais 5 vagas num total de 181. Para além disto, muitas escolas terão sido informadas de que apenas terão o psicólogo a meio tempo, sendo obrigado a dividir-se por dois mega-agrupamentos e respetivas escolas.
Num contexto de profunda crise económica e social o papel dos psicólogos escolares assume importância redobrada por todas as suas missões, nomeadamente os projetos de combate ao abandono e insucesso escolar e o acompanhamento às crianças com necessidades educativas especiais. Vários indicadores nacionais e internacionais apontam para a adequação do rácio de 1 psicólogo para entre 500 a 1000 alunos, mas este Governo obriga cada psicólogo a acompanhar, em muitas escolas, mais de 4.000 alunos.
II
A Constituição da República Portuguesa é muito clara na responsabilidade do Estado sobre a Educação. No artigo 73.º podemos ler que é papel fundamental do Estado promover a democratização da educação; contribuir para a igualdade de oportunidades; a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais; “o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva”.
A Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE) assume que “o sistema educativo responde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho”.
Na União Europeia existe hoje um consenso generalizado quanto ao impacto positivo dos psicólogos no contexto escolar (“Education, Training, Professional Profile and Service of Psychologists in the European Educational System; 2010”), nomeadamente nas áreas de ação e intervenção: saúde mental global da comunidade educativa; efetiva educação para a saúde; melhoria das aprendizagens; prevenção do abandono, da insegurança e da indisciplina; gestão de conflitos entre pares, entre alunos e professores e entre diversos agentes educativos; promoção de competências transversais; processo de tomada de decisão vocacional; inclusão de alunos com necessidades educativas especiais e melhoria das suas aprendizagens; integração de minorias étnicas e melhoria das suas aprendizagens; promoção da igualdade entre homens e mulheres; aproximação dos encarregados de educação à escola; melhoria da saúde mental dos professores; formação do pessoal docente e não docente. Importa salientar que na larga maioria dos países da União Europeia existem, no sistema educativo, equipas de apoio ao trabalho da psicologia em contexto escolar que integram assistentes sociais, profissionais das ciências da educação, animadores sócio-culturais.
Este impacto positivo tem tido expressão no combate ao abandono e insucesso escolar; maior qualidade na aquisição de conhecimentos e no processo de aprendizagem; maior sinergia de recursos humanos; maior decisão vocacional; mais e melhor saúde sexual e reprodutiva; menor consumo de substâncias psicotrópicas; maior participação dos diversos agentes educativos. Ao reconhecimento e valorização do trabalho dos psicólogos em meio escolar é fundamental que correspondam condições efetivas de estabilidade laboral, pessoal e pedagógica, bem como a possibilidade de ingresso e progressão na carreira.
III
A política de desfiguração da Escola Pública conforme consagrada na Constituição e na LBSE, levada a cabo pelo atual Governo PSD/CDS, está a colocar em causa o direito à educação para todos em condições de igualdade. A carência extrema, a precarização e a degradação das condições de trabalho dos psicólogos em contexto escolar é um fator que comprova os objetivos do Governo e da Troika.
Em alternativa, o PCP entende a psicologia em contexto escolar como um instrumento fundamental de reforço da escola pública de qualidade. Por isso apresentámos na atual e anteriores legislaturas , iniciativas legislativas tais como o Gabinete Pedagógico para a Integração Escolar, bem como o Projeto-Lei do Regime Jurídico da Educação Especial .
A iniciativa legislativa agora apresentada tem 3 objetivos fundamentais:
1. Realizar um concurso extraordinário ainda no presente ano letivo com vista a suprir as necessidades permanentes das escolas;
2. Criar um regime de ingresso e colocação, ao abrigo da sua carreira específica de psicólogos com formação na área da psicologia educacional;
3. Assegurar condições de estabilidade e continuidade pedagógica efetiva no acompanhamento aos alunos dos estabelecimentos públicos de ensino.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objecto
A presente lei define o regime jurídico da psicologia em contexto escolar, bem como o regime de contratação e colocação de psicólogos com formação na área da psicologia educacional e profissionais das ciências da educação nos estabelecimentos públicos de ensino.
Artigo 2.º
Âmbito
A presente lei aplica-se a todos os estabelecimentos públicos do ensino básico e secundário.
Artigo 3.º
Conteúdo funcional
O Governo fixa o conteúdo funcional do trabalho dos psicólogos com formação na área da psicologia educacional em contexto escolar e os termos da sua concretização, através de legislação própria, assegurando:
a) A capacidade de intervenção do psicólogo com formação na área da psicologia educacional junto da comunidade escolar;
b) A capacidade de prestar um acompanhamento psicológico à comunidade escolar no plano da orientação vocacional; aconselhamento psicológico; mediação de conflitos; organização e execução de projectos que visem a melhoria e o aprofundamento dos projetos escolares; do aproveitamento dos estudantes e da convivência em meio escolar; educação para a saúde; inclusão de alunos com necessidades educativas especiais e melhoria das suas aprendizagens; integração de minorias étnicas e melhoria das suas aprendizagens; promoção da igualdade entre homens e mulheres; aproximação dos encarregados de educação à escola; melhoria da saúde mental dos professores; formação do pessoal docente e não docente;
c) A possibilidade de colaboração ou participação em equipas multidisciplinares constituídas nas escolas e de apoio à comunidade docente, para efeitos pedagógicos;
d) Outros serviços de psicologia, que possam ser definidos no âmbito da autonomia escolar.
Artigo 4.º
Psicologia em meio escolar
1- Os estabelecimentos públicos de ensino, básico ou secundário, são dotados de um quadro de pessoal para apoio à comunidade escolar, durante todos os tempos letivos diurnos, que assegura o funcionamento do serviço de psicologia e acompanhamento vocacional, nos seguintes termos:
a) Em escolas agrupadas: um psicólogo por cada 800 estudantes inscritos;
b) Em escolas do segundo ciclo do ensino básico não agrupadas: um psicólogo;
c) Em escolas do terceiro ciclo do ensino básico não agrupadas: um psicólogo;
d) Em escolas secundárias não agrupadas: um psicólogo por cada 800 estudantes;
e) Em escolas básicas integradas, ou secundárias com ensino básico não agrupadas: um psicólogo por cada 800 estudantes;
f) Em escolas básicas integradas, escolas do segundo e terceiro ciclo do ensino básico e em escolas secundárias com número inferior a 800 estudantes inscritos ou os agrupamentos de escolas com número inferior a 800 estudantes inscritos: um psicólogo por cada estabelecimento de ensino.
2- No caso de frequência de alunos com necessidades educativas especiais é assegurada às escolas a possibilidade de reforço do número de psicólogos com formação na área da psicologia educacional e da psicologia da saúde, de profissionais das Ciências da Educação, nos termos de regulamentação específica.
3- Aos estabelecimentos públicos com ensino secundário e aos agrupamentos de escolas é assegurada a possibilidade e garantidos os meios para contratação, se for essa a sua opção no âmbito da autonomia escolar, de um profissional de Ciências da Educação, para apoio a toda a comunidade escolar.
Artigo 5.º
Recrutamento e colocação de Psicólogos com formação na área da psicologia educacional e Profissionais das Ciências da Educação nos estabelecimentos públicos de ensino
1- O recrutamento e colocação de psicólogos com formação na área da psicologia educacional e profissionais das ciências da educação nas escolas, de acordo com o artigo anterior, são concretizados através de concurso nacional de colocação por lista graduada, a realizar anualmente, nos termos da legislação aplicável à contratação em funções públicas e garantindo a satisfação de necessidades permanentes com profissionais contratados por tempo indeterminado.
2- O Governo, através do Ministério da Educação, fixa anualmente os termos do concurso de colocação de psicólogos com formação na área da psicologia educacional, de acordo com as necessidades identificadas no sistema educativo e com o disposto no presente artigo.
3- O Governo, através do Ministério da Educação, fixa anualmente os termos do concurso de colocação de profissionais das ciências da educação, de acordo com as necessidades identificadas por cada estabelecimento de ensino ou agrupamento escolar, nos termos presente artigo.
Artigo 6.º
Mobilidade
Aos psicólogos com formação na área da psicologia educacional e profissionais de ciências da educação é assegurado um regime concursal de mobilidade, nos termos de legislação específica.
Artigo 7.º
Multidisciplinariedade
1- Os psicólogos com formação na área da psicologia educacional e profissionais das ciências da educação em meio escolar e colocados nos termos do artigo anterior, podem desenvolver a sua actividade em conjunto com equipas multidisciplinares, Serviços de Psicologia e Orientação nas escolas.
2- Sem prejuízo do conteúdo funcional específico do papel definido na presente lei, os psicólogos com formação na área da psicologia educacional colabora na definição e execução de projectos da comunidade escolar e da escola ou agrupamento.
Artigo 8.º
Concurso extraordinário
1 – Excecionalmente, e até à realização do concurso para o ano letivo de 2014/2015, o Governo, através do Ministério da Educação e Ciência, adotará as medidas necessárias à contratação e colocação de psicólogos com formação na área da psicologia educacional e de profissionais das ciências da educação com vista ao suprimento das necessidades identificadas nos estabelecimentos públicos de ensino durante o presente ano letivo.
2- Os termos para a realização do concurso extraordinário são fixados por Portaria, devendo a colocação referida no número anterior estar concluída no prazo de 60 dias após a publicação da presente lei.
Artigo 9.º
Norma Transitória
Sem prejuízo do disposto no artigo 8.º, o Governo regulamentará a presente lei no prazo de 60 dias após a sua publicação.
Artigo 10.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor com a Lei do Orçamento do Estado subsequente à sua aprovação.
Assembleia da República, em 18 de outubro de 2013