Projecto de Resolução N.º 475/XII/2.ª

Determina a divulgação imediata das condições de acesso e a abertura dos concursos de apoio às Artes

Determina a divulgação imediata das condições de acesso e a abertura dos concursos de apoio às Artes

Desde que tomou posse, o Governo PSD/CDS deixou bem claro que aplicaria uma política de secundarização das artes e da Cultura, sem no entanto, denunciar abertamente a sua intenção de liquidação do sector, da capacidade de produção que reside num tecido de estruturas de criação de natureza vária e que asseguram, no essencial, a liberdade de criação e fruição previstas no texto da Constituição da República.

De acordo com a Constituição e com a legislação em vigor, incumbe ao Estado o apoio a essas estruturas como forma de assegurar as liberdades previstas. A política de direita ao longo dos últimos anos e com particular intensidade a praticada pelos últimos Governo PS, PSD/CDS, tem vindo a relegar a Cultura para um plano meramente mercantil, retirando-lhe a dimensão de direito conquistado, sujeitando todo o povo português a uma política de elitização da cultura e massificação da mediocridade. Ao longo dos últimos anos, as estruturas de criação artística de todo o país foram, não só confrontadas com a diminuição brutal dos valores dos apoios resultantes das candidaturas e projetos aprovados pela DGArtes como com a diminuição desses valores durante a vigência de contratos assinados e de programas em curso. O Governo PS demonstrou total falta de respeito quando decidiu impor, à margem dos compromissos assumidos, cortes de 23% do total de cada programa e o Governo PSD/CDS foi ainda mais longe quando agravou esse corte para cima de 43%. Maior desprezo pelo trabalho, empenho e importância do trabalho dessas estruturas, demonstrou o Governo quando comunicou às estruturas a nulidade prática de todos os contratos assinados entre o Estado e as estruturas de criação ao destinar-lhes um correio eletrónico onde se anunciava que a qualquer momento poderiam ser revistos os valores das tranches a transferir, estando esse dependente da disponibilidade financeira da DGArtes, por sua vez decidida politicamente por um Governo que entende que é legítimo entregar quase oito mil milhões de euros a um banco para amparar crimes cometidos pela sua administração mas que é demasiado gastar 80 milhões de euros em todo o sector cultural do país.

O Orçamento do Estado de 2012 previu para a Cultura (Património, Artes, Cinema, Arquivos e Bibliotecas) uma verba abaixo dos 200 milhões de euros e a execução dessa verba não chega a metade desse valor. Isso significa que, na prática, o orçamento real para a Cultura não atingiu os 100 milhões de euros e que o orçamento para o apoio às artes se viu reduzido a 10 milhões de euros, representando uma quebra para metade do executado antes da aplicação das políticas de “austeridade” contidas nos sucessivos PEC e agora no Memorando da troica, verdadeiro Pacto de Agressão assinado por PS, PSD e CDS e FMI, UE e BCE. A troica doméstica aplica diligentemente e com afinco a ordem de destruição e sufoco emitida pela troica estrangeira e encontra na Cultura um obstáculo em duas dimensões fundamentais:
- por um lado, a Cultura, como elemento de elevação da cultura dos cidadãos, contribui de forma decisiva para o aprofundamento da democracia, para a consciencialização política e social da sociedade, para a emancipação coletiva e individual do povo português;
- por outro lado, a livre produção e fruição representa uma despesa e uma alternativa à ditadura do mercado que este Governo defende e estimula, também na área da Cultura e das Artes.

Conjugando essas duas dimensões, entende-se a obsessão do Governo em torno da destruição do tecido cultural, do esmagamento da cultura e arte livre, independente, popular e alternativa. Para este Governo, para o PSD e o CDS só existem duas culturas: a da elite que pode pagar e da mediocridade e monocultura para quem não integra as elites. “A cultura dominante é a da classe dominante” e o Governo demonstra bem o seu compromisso de classe ao esmagar a cultura popular e livre e ao promover a cultura do entretenimento e do entorpecimento social.

Todavia, tais intenções não foram anunciadas abertamente pelo Governo e têm mesmo sido dissimuladas e camufladas pelas sucessivas mentiras, desculpas e falsos pretextos inventados pelo Governo, pelo PSD e CDS, tantas vezes comunicadas pela intervenção do Secretário de Estado da Cultura. O Secretário de Estado da Cultura, em sede de Comissão de Educação, Ciência e Cultura e questionado pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português afirmava, em Junho, que os critérios, montantes e regulamentos dos concursos da DGArtes seriam conhecidos brevemente.

Nessa mesma audição parlamentar, o Sr. Secretário de Estado da Cultura afirmava também um solene compromisso de abrir até Setembro esses concursos. A acusação e denúncia do PCP, de que essas afirmações se inseriam numa estratégia de dilatação de prazos e de desmobilização do sector veio a comprovar-se integralmente. O mês de Setembro terminou e até hoje a única medida tomada pelo Governo foi o anúncio colocado, a 28 de Setembro, no sítio de internet da DGArtes onde se lê o seguinte:

“A Direção-Geral das Artes está a aguardar a conclusão dos procedimentos administrativos que decorrem das novas regras ditadas pelo Ministério das Finanças.
Os Concursos Públicos de Apoio às Artes serão abertos assim que forem aprovadas as respetivas portarias de extensão de encargos.”

Com este anúncio, não só o Governo assume que não concluiu os “procedimentos administrativos” no prazo que o próprio definiu, como remete a resolução do problema e a realização de concursos para a aprovação de “portarias de extensão de encargos” que são da responsabilidade do próprio Governo. Ou seja, o Governo assume involuntariamente a sua irresponsabilidade e o incumprimento dos seus compromissos.

Porém, enquanto todos estes prazos se dilatam, enquanto a legislação vigente é alvo de um veto ilegal, de uma suspensão marginal e sem precedentes, as companhias, grupos de teatro, associações e outras estruturas de criação artística são obrigadas a diminuir a sua programação, as contratações, e a sacrificar quase completamente as atividades de investigação sendo que a bilheteira e a receita passam a constituir o centro das suas preocupações por motivos de sobrevivência.

É urgente, aliás fundamental, que a Constituição da República Portuguesa deixe de ser para os Governos apenas um papel e passe a ser cumprida e respeitada por todos quantos, mentindo, a juram defender. Esse passo, essa rutura criaria as condições para uma nova política cultural e para a valorização orçamental do sector, como é exigido por forças diversas na sociedade portuguesa, das que se destacam os movimentos em defesa da cultura, os sindicatos e o movimento associativo popular. Só a rejeição do Pacto de Agressão e a construção de uma alternativa política com os portugueses, com os jovens, os homens e as mulheres que vivem do seu trabalho e que querem contribuir para a produção cultural livre, porque dessa produção usufruem, com essa produção aprendem, se expressam criativa e criticamente.

Nesse sentido, além dos objetivos programáticos que se exigem e que se afirmam com cada vez mais clamor por parte dos portugueses que reclamam a mudança de políticas, é absolutamente fundamental que seja assegurado o financiamento do apoio às artes em tempo de impedir o colapso e encerramento de estruturas, a contenção do desemprego entre os profissionais do sector e a total supressão da relação das estruturas com o Estado.

Assim, nos termos e ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP, apresentam o seguinte Projeto de Resolução:

A Assembleia da República resolve, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República Portuguesa, recomendar ao Governo:

a) a divulgação imediata dos montantes, critérios e regulamentos dos concursos de apoio às Artes;

b) a abertura dos concursos de apoio às artes até ao final do mês de Outubro;

c) a reposição, através do Orçamento do Estado para 2013, dos valores retirados ilegitimamente às estruturas de criação artística que resultaram de alterações unilaterais e impostas pela DGArtes às estruturas.

Assembleia da República, em 10 de Outubro de 2012

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