(Altera o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro)
Exposição de motivos
1. Enquanto a eclosão da designada crise financeira mundial provocava a recessão económica generalizada, o encerramento de milhares de pequenas empresas e o disparara do desemprego, os resultados dos cinco principais grupos financeiros nacionais apresentaram, em 2009, um volume global de lucros de 1724,5 milhões de euros, menos 0.3% que no ano anterior, durante o qual se tinham já feito também sentir os efeitos da situação financeira internacional (Quadro I).
Em 2008 e 2009, os cinco principais grupos bancários com actividade em Portugal, (a Caixa Geral de Depósitos, o Banco Comercial Português, o Banco Espírito Santo, o Banco Português de Investimento e o Banco Santander/Totta), apresentaram, portanto, lucros superiores a 4,5 milhões de euros por dia, incluindo sábados, domingos e feriados! Para dois anos de “profunda crise”, pode dizer-se: “bendita a crise” para o sector bancário e financeiro, que tão volumoso nível de lucros continuou a permitir…
Entretanto, e segundo números que a própria Associação Portuguesa de Bancos divulga no seu sítio, a totalidade das instituições de crédito em Portugal pagaram no ano de 2009, a título de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), uma taxa efectiva sobre os lucros tributáveis inferior a 5%!
Como o PCP tem repetidamente afirmado, a crise não é para todos!... Mas a verdade é que, não só o sector bancário e financeiro, mas também a generalidade dos grandes grupos económicos com actividade no nosso País, continuam a realizar, mesmo em tempos de uma crise considerada como a maior desde 1929, lucros absolutamente fabulosos e dificilmente explicáveis quando comparados com as enormes dificuldades com que as micro, pequenas empresas se confrontam.
Quadro I
Lucros dos principais grupos económicos entre 2004 e 2009 (em milhões de euros)
2004 2005 2006 2007 2008 2009
Banca 1.652,6 2.249,8 2.675,8 2.891,8 1.730,5 1.724,5
CGD 412,8 538,0 734,0 856,3 459,0 278,9
BCP 606,5 841,0 787,1 563,0 201,2 225,2
BES 151,6 280,0 420,7 607,1 402,3 522,1
Santander/Totta 289,0 340,0 425,2 510,3 517,7 523,3
BPI 192,7 250,8 308,8 355,1 150,3 175,0
Energia e telecomunicações 1.267,9 2.254,1 3.059,2 2.620,3 2.321,3 2.098,9
EDP 271,6 1.071,1 940,8 907,3 1.091,9 1.024,0
REN 31,0 104,0 496,6 145,2 127,4 134,0
Galp Energia 333,1 425,0 755,0 777,0 478,0 213,0
PT 632,2 654,0 866,8 741,9 576,1 683,9
ZON - - - 48,9 47,9 44,0
Comércio e serviços 365,4 375,7 407,1 488,0 202,2 274,3
Sonae 269,9 265,4 290,9 356,7 39,0 74,0
Jerónimo Martins 95,5 110,3 116,2 131,3 163,2 200,3
Cimentos, papel e pasta de papel 445,5 610,7 397,0 442,8 339,6 324,5
Cimpor 256,1 276,5 305,6 320,8 233,3 245,7
Semapa 189,4 334,2 91,4 122,0 106,3 78,8
Portucel 46,8 71,2 124,7 154,0 131,1 105,1
Concessão de Auto-Estradas 191,1 297,8 167,0 259,4 151,8 161,0
Brisa 191,1 297,8 167,0 259,4 151,8 161,0
Construção Civil e Obras Públicas 27,7 38,1 44,3 120,1 38,8 83,2
Mota Engil 28,0 37,5 37,6 107,7 30,6 71,7
Soares da Costa -0,3 0,6 6,7 12,4 8,2 11,5
Fonte: Relatórios e Contas dos Grupos Económicos
Tendo como base a informação disponibilizada pelos respectivos relatórios e contas, percebe-se muito bem quanto a crise não afecta afinal a generalidade dos grandes grupos económicos, (independentemente do sector onde desenvolvam a respectiva actividade), já que, como fica patente pela consulta do Quadro I, continuam a usufruir de muitas dezenas ou centenas de milhões de euros de lucro anual.
2. Sendo certo que a taxa nominal de IRC aplicável a matéria colectável superior a 12500 euros é de 25%, a simples consulta da informação estatística disponibilizada no sítio da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos (DGCI) mostra bem como há uma profunda discrepância entre o esforço fiscal desempenhado pelos grandes grupos económicos, por um lado, e a generalidade do esforço das micro e pequenas empresas, por outro lado. Segundo a DGCI, a taxa efectiva média de IRC aplicada, por exemplo, às empresas com rendimento colectável entre 2,5 a 5,0 milhões de euros, foi de 20% em 2005, em 2006 e em 2007; entretanto, a taxa efectiva média de IRC aplicada a empresas com lucros situados entre 75 e 250 milhões de euros, para a mesma sucessão de anos foi, respectivamente, de 16%, de 13% e de 13%; e se verificarmos o que se passa com empresas e grupos financeiros com lucros ainda maiores, (superiores a 250 milhões de euros), constatamos que em 2005 a taxa média efectiva de IRC que pagaram foi de 14%, em 2006 foi de 12% e em 2007 voltou a ser de 12%!
Idêntica análise pode retirar-se da análise da informação estatística do IRC, relativa ao ano de 2008.Tal informação mostra que os benefícios fiscais em IRC aumentaram cerca de 600 milhões de euros entre 2007 e 2008, tendo consequentemente diminuído o número das grandes empresas e grupos económicos que pagaram IRC. Com a informação estatística fornecida pela DGCI, relativa ao ano de 2008, confirma-se totalmente o que o PCP tem afirmado: a teia imensa de benefícios fiscais, o reporte quase irrestrito de prejuízos fiscais permitem aos grandes grupos económicos e financeiros continuarem a pagar valores de IRC bem inferiores aos que deveriam resultar dos níveis elevadíssimos de lucros que continuam a obter, mesmo em tempos de crise.
Toda esta informação mostra também muito bem quem é que, mesmo “antes da crise”, já mais contribuía (ou não) para o conjunto de receitas fiscais do Estado. A regra continua a mesma: quanto maior é o lucro empresarial menor é a taxa efectiva de IRC cobrada aos grandes grupos económicos (incluindo a banca), por comparação com o que sucede com as empresas de pequena dimensão e volume de lucros bem inferiores, correspondente ao grupo das designadas micro, pequenas e médias empresas.
3. Esta situação assume aspectos especialmente inaceitáveis no sector bancário e financeiro. Para a banca não há crise, a banca enriquece com a crise e com as dificuldades dos portugueses. Para além das formas clássicas de extracção de mais-valia, (taxas de juro e spreads elevados, comissões exorbitantes, especulação que de novo surge em força, por exemplo, com o disparar dos juros exigidos às dívidas soberanas), que este sector utiliza para obter elevados lucros, a banca lança mão de vastas operações de planeamento fiscal consentidas por uma legislação permissiva em matéria de utilização de benefícios fiscais e de deduções ao rendimento, que lhe permite pagar valores reais de imposto escandalosamente baixos.
Em 2005, de acordo com dados divulgados pela Associação Portuguesa de Bancos (APB), a taxa média paga pela banca foi apenas de 11,7%. Em 2006, também como consequência de uma forte denúncia feita pelo PCP na Assembleia da República, em Novembro de 2005, aquando do debate do Orçamento do Estado de 2006, a taxa efectiva subiu para 19,4%. Mas foi «sol de curta duração», pois apesar das declarações solenes, tanto de José Sócrates como do Ministro das Finanças, de que a situação iria mudar, a taxa efectiva de IRC paga pela banca baixou para 14,5% em 2007 e, em 2008, tornou a descer para apenas 12,8%.
No ano de 2009, e em linha com o que os seus números intermédios já indiciavam, a APB confirmou que a taxa efectiva média de IRC que foi paga pela banca em Portugal ficou abaixo dos 5%!
Esta informação da APB constitui, por si só, o melhor e mais claro desmentido da insistente versão oficial do Governo, que aponta para taxas efectivas de IRC na banca em torno de 20% (que a ser verdade, e de acordo com a própria informação estatística da DGCI, colocaria o sector no topo do das empresas que mais pagam de IRC em Portugal, à frente da média nacional e muito à frente do grupo empresarial a que pertence, com lucros superiores a 250 milhões de euros, cuja taxa efectiva média oficial é de cerca de 12/13%).
Os resultados obtidos em 2010 pelos 4 principais bancos privados nacionais, BCP, BES, Santander/Totta e BPI, patentes nos relatórios recentemente divulgados, confirmam uma insustentável e inaceitável situação de privilégio. Estes 4 bancos privados nacionais obtiveram em 2010, 1 431 milhões de euros de lucros líquidos, valor praticamente idêntico ao obtido em 2009 (menos 14,6 milhões de euros), facto que permite concluir que, apesar da dita “crise”, as coisas continuaram a correr bastante bem à banca em 2010.
Mas o mais surpreendente diz respeito aos impostos pagos por estes mesmos bancos. De facto, se é verdade que os lucros continuam bem elevados, 3,9 milhões de euros por dia, surpreendentemente os impostos pagos passaram de 306,8 milhões de euros em 2009, para 138,4 milhões de euros em 2010, ou seja, apesar de manterem o mesmo nível de lucros que em 2009, a banca pagou em 2010 menos 167,9 milhões de euros de IRC, menos 54,9% do que em 2009.
Para tentar ocultar este escândalo, o Governo insiste em falar de taxas de imposto pagas pela banca superiores às que resultam dos dados divulgados pela Associação Portuguesa de Bancos, nunca explicando, porém, como chega a esses valores. A habilidade, para não dizer a manipulação, está na redução dos lucros através da dedução de benefícios fiscais e da sobrevalorização dos prejuízos que a banca não tem mas que vai buscar às empresas que controla, para assim reduzir os lucros sujeitos a imposto. Assim, reduz os lucros, ou seja, a base de cálculo de imposto, aumentando ficticiamente a taxa efectiva. No entanto, para a própria banca e para a sua Associação Portuguesa de Bancos, (a prova são os dados que esta divulga), esses lucros que o Governo não considera, ficam nas próprias empresas financeiras e são distribuídos aos accionistas.
4. Com a alteração introduzida no Orçamento do Estado para 2010, ao artigo 92.º do Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Colectivas, o Governo limitou de forma muito mitigada os efeitos do vasto conjunto de benefícios fiscais e de deduções ao rendimento, hoje existentes e que, no fundamental, permitem às instituições de crédito atingir de forma sistemática taxas efectivas de IRC da ordem de grandeza das atrás referidos.
Com esta alteração, o Governo limitou quantitativamente o benefício resultante da aplicação de apenas dois dos muitos esquemas legais passíveis de serem usados, (os que decorrem dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º do Código do IRC), uma pequeníssima parte da panóplia de benefícios passíveis de serem utilizados. Com esta alteração limitada, e a definição de um valor mínimo do imposto a liquidar não inferior a 75% do que deveria ser liquidado caso aqueles benefícios não fossem usados, o Governo insiste em que vai impor em 2010 uma taxa efectiva à banca de 18% (como se aqueles dois fossem os únicos benefícios a poderem ser utilizados para tal fim).
Mas mesmo que com esta alteração a taxa efectiva de IRC da banca passasse a ser de 18%, ela seria ainda assim muito inferior à taxa nominal. Só que a verdade é que os resultados referentes a 2010, atrás referidos e referentes aos quatro principais bancos privados com actividade em Portugal, mostram bem que o valor real dos impostos pagos ficará seguramente bem aquém desse valor mítico de referência governamental.
A situação confirma plenamente que a carga fiscal sobre a banca e a generalidade dos grupos económicos e financeiros continua a ser profundamente injusta e discriminatória face ao conjunto de imposições draconianas que o Governo pretende impor ao País, aos trabalhadores e ao Povo, com as sucessivas versões do PEC.
5. O PCP considera que é chegado o momento do sistema bancário e financeiro - os verdadeiros causadores da crise com que Portugal e a generalidade dos países e dos povos se confronta -, que durante os últimos dois anos de crise beneficiaram de milhares de milhões de euros de ajudas públicas, directas e indirectas, (ajudas essas que estiveram na base do desequilíbrio das contas orçamentais do País e da maioria dos Estados), sejam finalmente chamados a pagar de forma clara os custos da crise e a sustentar a aplicação dos programas de consolidação orçamental, em vez de se fazer recair sobre os desempregados, sobre os mais fracos e mais frágeis, sobre os reformados, os trabalhadores e o Povo, a parte de leão da factura imposta pelas sucessivas versões do PEC.
Por isso, o PCP propõe uma alteração ao artigo 92.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas que, para as instituições do sector financeiro, elimina a possibilidade de utilização de todos os benefícios fiscais em sede de IRC, aproximando a taxa efectiva de IRC deste sector do valor nominal de 25%. Esta proposta, destina-se a vigorar no período entre 2010 e 2013, coincidindo com o período de aplicação do Programa de Estabilidade e Crescimento, findo o qual, se deverá fazer uma avaliação da situação para determinar, ou não, a respectiva prorrogação.
Simultaneamente, o PCP entende que a aplicação desta alteração ao artigo 92.º do Código do CIRC deve também ser aplicável, com o mesmo âmbito, aos grandes grupos económicos cujos lucros sejam superiores a 50 milhões de euros, situação para a qual as taxas médias efectivas de IRC, conforme ficou atrás explicitado pela transcrição de informação estatística oficial da DGCI, se situam também numa ordem de valores entre os 12% e os 16%.
Neste contexto, e ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais aplicáveis, os Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresentam o seguinte Projecto de Lei:
Artigo 1.º
Alteração ao Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas
O artigo 92.º do Código do Imposto sobre as Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 92.º
Resultado da liquidação
1 — Para as entidades, com excepção das empresas financeiras, que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não abrangidas pelo regime simplificado, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, o imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º, líquido das deduções previstas nas alíneas a) e b) do n.º 2 do mesmo artigo, não pode ser inferior a 75% do montante que seria apurado se o sujeito passivo não usufruísse de benefícios fiscais, dos regimes previstos no n.º 13 do artigo 43.º e no artigo 75.º.
2 - [novo] O imposto liquidado nos termos do n.º 1 do artigo 90.º pelas entidades que exerçam a título principal, uma actividade de natureza financeira, não pode ser inferior ao montante que seria apurado caso o sujeito passivo não usufruísse dos benefícios e deduções fiscais constantes do n.º 4 deste artigo.
3 – [novo] Sem prejuízo dos contratos de investimento já estabelecidos com o Estado, o disposto no número anterior aplica-se igualmente às entidades que exerçam a título principal uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola não abrangidas pelo regime simplificado, bem como as não residentes com estabelecimento estável em território português, que apresentem lucros tributáveis superiores a € 50 milhões de euros.
4. Para efeitos do n.º 2 do n.º3 do presente artigo, consideram-se benefícios fiscais, os previstos:
a) nos artigos 19.º, 43.º, 60.º e 67.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais;
b) nos artigos 33.º a 36.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais;
c) na Lei n.º 26/2004, de 8 de Julho, e nos artigos 62.º e 65.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais;
d) em benefícios na modalidade de dedução à colecta, com excepção dos previstos na Lei n.º 40/2005, de 3 de Agosto, e dos que tem natureza contratual;
e)em acréscimos de depreciações e amortizações resultantes de reavaliação efectuada ao abrigo de legislação de carácter fiscal.
5 – [novo] O disposto no n.º 2 aplica-se igualmente às instituições de crédito e sociedades financeiras, às entidades que prossigam a actividade de gestão de fundos de investimento, que prossigam a actividade de seguro ou resseguro, nos ramos “não vida”, às sociedades gestoras de fundos de pensões e de seguro ou resseguro no “ramo vida”, e às sociedades gestoras de participações sociais, que a qualquer título operem nas Zonas Francas da Madeira e Ilha de Santa Maria.»
Artigo 2.º
Regime transitório
O disposto nos números 2 e 3 do artigo anterior aplica-se apenas durante o período correspondente à aplicação do Programa de Estabilidade e Crescimento 2010-2013, até 31 de Dezembro de 2013.
Artigo 3.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor no dia 1 de Janeiro de 2011.
Assembleia da República, em 29 de Março de 2011