Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Destruição de livros que saíram de circulação

Petição solicitando que os livros que saíram de circulação não sejam destruídos (petição n.º 4/XI-1.ª)

Sr. Presidente:
A questão que é suscitada por esta petição é extremamente pertinente. Aliás, recentemente foi-nos enviada por um cidadão que foi editor uma relação de autores cujos livros foram destruídos por uma editora que concentra hoje grande parte do mercado livreiro, que nos alerta, de facto, para um verdadeiro crime de lesa-cultura que pode ser a destruição de livros fora do mercado.
Assim, sendo esta questão muito pertinente, importa, desde logo, colocar algumas questões relativamente ao que pode ser feito para evitar esta realidade e qual o universo de livros que poderiam e deveriam ser abrangidos por programas de intercâmbio cultural e de promoção do livro que levasse à doação de livros por forma a evitar a sua iminente destruição.
Em primeiro lugar, importa referir que não estamos a falar de livros que se encontrem manifestamente desactualizados — se pensarmos, por exemplo, em determinadas edições jurídicas, há livros que, pela passagem do tempo e por sucessivas alterações legislativas, ficam imprestáveis e, portanto, é evidente que não prestigia ninguém doar livros que não têm qualquer tipo de utilidade —, bem como de livros cujas condições de conservação já não sejam compatíveis com a sua doação. Não é desse tipo de livros que estamos a falar.
Estamos a falar de livros já sem valor comercial, isto é, livros que estejam, de facto, na iminência de serem destruídos pelos respectivos editores e, portanto, cuja distribuição gratuita não seja susceptível de afectar os interesses dos editores e dos próprios autores.
Portanto, excluímos este tipo de realidades e falamos daqueles livros que poderão ter ainda interesse para bibliotecas, para países de expressão portuguesa, para várias instituições
sem fins lucrativos e que estejam, evidentemente, na iminência de serem destruídos.
Há dois aspectos que importa salvaguardar e ambos são salvaguardáveis, desde que haja vontade para isso. Por um lado, os direitos autorais relativamente a esses livros. Creio, no entanto, que não haverá nenhum autor ao cimo da terra que, entre a destruição de um livro da sua autoria que não tenha já interesse comercial e a sua doação a instituições, preferirá a destruição. Portanto, é perfeitamente possível a obtenção de um acordo com os autores, através das instituições que os representam. Por outro lado, a questão do IVA. É óbvio que o Estado tem o mais elementar dever de prescindir do imposto sobre o valor acrescentado relativamente a livros que estejam nestas condições e que sejam doados.
Por último, também o Ministério da Cultura deve assumir responsabilidades que têm que ver com os encargos da distribuição dos livros que sejam doados, designadamente para países de língua oficial portuguesa, porque não é justo fazer recair sobre os editores os custos inerentes a essa doação.
Impõe-se, portanto, que o Ministério da Cultura não assista passivamente à destruição de livros, mas tenha uma atitude activa, por forma a que esses livros possam ser utilizados em prol da difusão da cultura e da língua portuguesas.

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