Exposição de motivos
Passou pouco mais de um ano desde que, em julho de 2023, foram aprovadas na Assembleia da República as conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP. O funcionamento da CPI deixou evidências esmagadoras de quão falsas são todas as teses das inevitabilidades da privatização da TAP. Ao contrário da tese que continua a ser repetida, de que a TAP supostamente só sobrevive se for privatizada, ficou claro que a TAP nos últimos 30 anos esteve à beira de desaparecer sempre que foi privatizada, e se ainda sobrevive é graças à intervenção pública.
O Relatório da Auditoria da Inspeção-Geral de Finanças às contas da TAP, conhecido este mês, expressamente menciona que o processo de auditoria em causa resultou da Recomendação do Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito à tutela política da gestão da TAP. Ora, essa Recomendação foi aprovada por proposta do PCP, e deu origem a um trabalho aprofundado que veio confirmar em toda a linha as conclusões e os factos apurados na CPI.
Em julho deste ano, o PCP suscitou publicamente a necessidade de esclarecer o país sobre a elaboração (ou não) desse relatório, e ele foi homologado algumas semanas depois.
A IGF conclui que a TAP foi comprada com o dinheiro da própria TAP, com as implicações, inclusivamente de natureza criminal, que daí se colocam. Uma importante conclusão, já apurada pela CPI. Importa não esquecer que já em 2015 houve quem tivesse alertado para um processo de privatização inaceitável na forma e no conteúdo. Quase dez anos sobre a data do cometimento desses crimes, o seu reconhecimento tornou-se inevitável, mas as consequências – políticas e outras – não existem até agora.
A IGF conclui também que o ruinoso negócio da Manutenção Brasil, com que anos a fio o PCP confrontou sucessivos ministros, de governos Sócrates, Passos e Costa, custou à TAP e ao País 960 milhões de euros entre 2005 e 2022. Este é um prejuízo (agravado durante a gestão privada da TAP) que por si só, permite explicar o grosso dos prejuízos do grupo TAP no período, já que a TAP SA foi lucrativa nessa fase, como continua a ser hoje.
Não é possível que não se retirem consequências de tudo o que foi apurado há um ano. A privatização da TAP foi um processo demasiado grave, e saiu demasiado caro ao país, para que prossiga inalterado o rumo da insistência na privatização.
Como o PCP oportunamente denunciou, a reestruturação imposta à TAP pela Comissão Europeia, e aceite pelo Governo PS, foi uma medida de cariz neocolonial que devia ter sido combatida. A TAP devia ter tido acesso a apoios públicos como tiveram todas as companhias estrangeiras concorrentes, incluindo algumas que agora querem ficar com a TAP. A privatização foi um problema, como sucessivamente alertámos, e com a chegada da crise, o gestor privado de imediato abandonou a companhia, quando percebeu que não ia receber milhares de milhões de euros públicos para se manter à frente da empresa.
A direita, com destaque para o PSD, foi defendendo que a TAP precisa de ser reestruturada e vendida (e sugerindo sempre, tal como a IL, que a TAP deveria ter sido deixada à falência e transferidos para o Estado os custos do seu encerramento). Todo esse seu discurso assenta na ideia, completamente falsa, de que a TAP tem sido um fardo permanente sobre a economia nacional, quando a vida demonstra exatamente o contrário.
Agora, o atual Governo PSD/CDS está a levar por diante o quinto processo de privatização da TAP. Ou seja, continuam a desestabilizar uma companhia que apenas terá futuro e cumprirá o seu papel estratégico para o país se for uma empresa efetivamente nacional – e só será nacional se continuar em mãos públicas.
Ainda ecoa a confirmação (pela CPI, pela IGF, etc.) deste autêntico crime contra os interesses nacionais e já de novo um governo PSD/CDS está a negociar, nas costas do povo português e da Assembleia da República, uma nova privatização. Isso mesmo é confirmado pela presença em Portugal, neste mês, dos representantes da Lufthansa para negociar com o Governo português a privatização da TAP.
São do conhecimento público, entretanto, contornos deste processo que tornam ainda mais escandalosa a perspetiva que está colocada em relação à privatização.
Por um lado, o recente regime de reporte de prejuízos fiscais, que vem beneficiar um conjunto de grandes empresas, entre as quais as TAP. Esse regime, decorrente da norma constante na lei do Orçamento do Estado para 2023, por proposta do Governo PS e aprovada pelo voto favorável de PS, PSD e IL, vem abrir a porta a uma verdadeira “borla fiscal” que já foi estimada em 447 milhões de euros, aproveitando as vantagens fiscais de prejuízos passados em lucros presentes. Tal enquadramento num processo de entrega da TAP a um grupo económico estrangeiro assume contornos de escândalo nacional. Na verdade, tal como em momentos anteriores, o Governo nem sequer pretende vender, mas entregar a TAP ao capital estrangeiro.
Por outro lado, a negociação com a Lufthansa, tal como tem sido noticiada, evidenciou uma verdadeira “venda em saldo” de ações da TAP, quando o esforço financeiro do Estado resultou já numa empresa capitalizada, saneada financeiramente, em condições de enfrentar as exigências do futuro. O PCP sublinha aliás o seguinte: é inadmissível alienar uma empresa estratégica para o país como é a TAP – mas as circunstâncias da privatização de 2015, tal como as perspetivas que estão colocadas na operação que o Governo pretende impor, são a demonstração de autênticas traições ao interesse público e nacional.
A TAP faz falta ao país. Continua a ser um dos maiores exportadores nacionais, seguramente o maior exportador no setor dos serviços, e pode desenvolver-se para uma capacidade maior em áreas de enorme valor acrescentado como a manutenção e engenharia. A TAP é respeitada à escala global pela qualidade e segurança da sua operação, e é concorrência no caminho de grupos económicos estrangeiros como a Lufthansa, a Air France/KLM ou a IAG (British Airways, Iberia, etc.).
A TAP é um fator de soberania nacional. Uma garantia de que, sejam quais forem as circunstâncias, o país não depende do estrangeiro para garantir o transporte aéreo da sua população nem aquele que é necessário à sua atividade económica. A TAP é apetecível para o grande capital estrangeiro, não porque seja um fardo, ou um “sorvedor” de recursos, não porque vale pouco, mas porque vale muito e, se for bem gerida pode valer ainda mais.
É indispensável travar e abandonar esse ruinoso projeto de privatização da TAP, que o Governo PS não teve tempo de conseguir fazer e que o atual Governo pretende concretizar. É tempo de parar de prejudicar a TAP, de deixar de ter como único projeto para a empresa que esta possa um dia ser capaz de gerar dividendos para algum acionista.
É tempo de dotar a TAP dos meios necessários para que possa cumprir o seu papel estratégico, onde se incluem claras orientações públicas e os apoios consequentes, para que esta responda ao desenvolvimento da economia e da produção nacional, ao transporte de passageiros e mercadorias, à coesão territorial, à ligação à diáspora, à diversificação das relações económicas e de cooperação com outros povos, designadamente nos continentes africano e americano.
Fundamentalmente, é preciso garantir à TAP a estabilidade e a paz para o seu desenvolvimento: parando com fragilização que decorre das sucessivas privatizações; eliminando as barreiras a uma gestão profissional da TAP como sejam os limites à contratação de trabalhadores e as limitações ao crescimento da frota.
Há que abandonar a imposição de venda pela TAP de ativos estratégicos para a sua operação, como a SPdH/Groundforce e a Cateringpor. Há que salvaguardar a defesa dos direitos dos trabalhadores na definição desses processos, bem como no futuro da Portugália Airlines, integrada na operação da TAP. E há que acelerar a concretização do Novo Aeroporto Internacional de Lisboa, onde a TAP poderá crescer, reduzir custos e constrangimentos operacionais, valorizar a sua Manutenção e Engenharia, valorizar e agilizar a sua base e o seu Hub, oferecer cada vez mais qualidade e melhores condições aos passageiros, utilizadores e trabalhadores.
É tempo de deixar a TAP construir o seu próprio caminho enquanto grande empresa nacional e por isso necessariamente pública. Necessariamente pública e necessariamente com uma gestão mais transparente, mais democrática, verdadeiramente orientada para a satisfação das necessidades nacionais, criando emprego de qualidade, criando riqueza e trabalho qualificado, recorrendo e promovendo a produção nacional, contribuindo para a mobilidade dos portugueses e para dinamizar a economia nacional, promovendo a coesão nacional.
Assim, tendo em consideração o acima exposto, e ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de
Resolução
A Assembleia da República recomenda ao Governo, nos termos do n.º 5 do Artigo 166.º da Constituição, que tome as seguintes medidas:
- Cancelar e dar por encerrado o processo de privatização da TAP, que só tem contribuído para desestabilizar a empresa, o setor e o país;
- Acabar com as restrições à gestão da TAP, nomeadamente: eliminar as atuais restrições à contratação de trabalhadores necessários à operação; eliminar as atuais restrições ao crescimento da frota quando tal se revelar necessário para a operação;
- Dotar a TAP de um conjunto de orientações estratégicas claras (contrariamente à única orientação que no essencial se coloca atualmente, de «preparar a privatização»), que incluam a satisfação das necessidades estratégicas nacionais e os correspondentes apoios públicos para a satisfação dessas necessidades;
- Abandonar a imposição de venda pela TAP de ativos estratégicos para a sua operação, como sejam a SPDH e a Cateringpor;
- Acelerar a construção faseada do Novo Aeroporto Internacional de Lisboa, onde a TAP poderá crescer, reduzir significativamente custos e constrangimentos operacionais, valorizar a sua Manutenção e Engenharia, valorizar e agilizar a sua base e o seu Hub.