Intervenção de Paulo Sá na Assembleia de República

Derivados do mercado de balcão

Autoriza o Governo a aprovar o regime que assegura a execução, na ordem jurídica interna, das obrigações decorrentes do Regulamento (UE) 648/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho, relativo aos derivados do mercado de balcão, às contrapartes centrais e aos repositórios de transações, a estabelecer o respetivo regime sancionatório, bem como a alterar o Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro
(proposta de lei n.º 174/XII/3.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
O processo de globalização financeira das últimas décadas assentou na desregulamentação dos mercados financeiros e no desmantelamento de estruturas e mecanismos de regulação e de controlo. Este mercado livre do capital, contrariamente ao que os defensores do sistema apregoam, não melhorou a eficácia do setor financeiro nem se traduziu numa redução dos custos de financiamento dos Estados, das empresas e das famílias; criou, isso sim, condições para o crescimento exponencial da atividade predatória dos operadores financeiros que apostam na especulação.
Sob a capa de inovação financeira, os mercados foram inundados de produtos derivados, como aqueles que discutimos hoje. Não tendo qualquer relação com as atividades produtivas criadoras de riqueza, desligados da economia real, estes produtos virtuais revelaram-se verdadeiras «armas de destruição maciça», potenciadores de riscos sistémicos.
Seria de esperar que, na sequência de uma das mais devastadoras crises sistémicas do capitalismo — a que teve início em 2008 —, se extraíssem as necessárias lições. Contudo, apesar de algumas boas intenções proclamadas na altura, cedo se percebeu que apenas se iria mudar alguma coisa para que tudo ficasse na mesma.
Mantêm-se intocáveis a «financeirização» da economia, os conglomerados financeiros, os paraísos fiscais, a liberalização dos movimentos do capital, e, também, os derivados e outros produtos estruturados. Enfim, para as instituições da União Europeia e para os governos, que colocam os interesses do capital financeiro e dos especuladores acima dos interesses dos povos, a plena liberdade de ação do capital é o valor supremo a acautelar.
O regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo aos derivados do mercado de balcão, que entrou em vigor há um ano e meio, não toca nas questões de fundo. A sua principal preocupação é a lubrificação dos mercados financeiros, assegurando a estabilidade dos operadores financeiros e a continuação de todo o circuito de drenagem de mais-valias criadas nos setores produtivos para o capital financeiro.
A proposta do Governo, introduzindo alguns elementos de regulação e supervisão numa atividade que tem escapado, até agora, no essencial, aos radares das entidades regulatórias, poderá trazer alguns benefícios para a gestão do risco sistémico. O sistema de registo de operações poderá também ser útil, no futuro, para a aplicação de um imposto sobre as transações financeiras, do género da taxa Tobin, se e quando este vier a ser concretizado e se abranger os derivados de mercado de balcão.
Mas não tenhamos ilusões! Não são medidas como esta que travarão a especulação ou impedirão que os conglomerados financeiros se continuem a apropriar, de forma parasitária, da riqueza criada na economia real. Só uma rutura com as opções políticas do atual Governo e a adoção de uma política patriótica e de esquerda, que promova a construção de um forte sector financeiro público ao serviço da economia e do povo, é que permitirá, de forma efetiva, combater a ação parasitária dos conglomerados e especuladores financeiros.

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