I
Com a aplicação do Pacto de Agressão da Troika, subscrito por PS, PSD e CDS pelo atual Governo, foi intensificado e aprofundado um caminho de empobrecimento de muitas camadas da população e agudização da pobreza e exclusão social.
Os dados relativos à pobreza infantil são chocantes:
• Em Março, 2013 54,5% das crianças vivia em famílias com rendimentos mensais de referência inferiores a 628€ mensais;
• Em Junho de 2013, 22% das crianças a frequentar a escolaridade obrigatória vivia em famílias com rendimentos mensais de referência até 209€; e 17% das crianças em famílias com rendimentos mensais de referência até 419€;
• Dados do INE de 2013 confirmam um risco de pobreza de 30% a 40% para agregados com maior número de filhos dependentes.
Nunca desde o 25 de Abril as famílias portuguesas sentiram tantas dificuldades em suportar as despesas básicas de sobrevivência, designadamente com a educação. Um mês depois do início das aulas, muitos alunos não têm ainda manuais escolares e para muitas famílias será mesmo impossível suportar estes custos.
Esta situação é ainda mais dramática se tivermos em conta os mais de 1 milhão e 300.000 desempregados, salários em atraso, baixos salários e manutenção do salário mínimo nacional abaixo do limiar da pobreza agravado por uma profunda limitação no acesso à ação social escolar.
Importa assinalar que a ação social escolar prevê apoio para aquisição de manuais escolares aos alunos com escalão A (famílias que vivem com cerca de 209€ mensais) e apoio aos alunos com escalão B (famílias que vivem com cerca de 419€ mensais), contudo, mesmo os alunos com escalão A não têm acesso à totalidade dos manuais.
A limitação no acesso à ação social escolar é inaceitável. No caso de uma família com dois adultos e uma criança, cujo rendimento seja o valor de 2 salários mínimos nacionais, o filho já ficará de fora do apoio da ação social escolar para aquisição manuais escolares.
Para além disto, o preço de todos os manuais escolares referentes ao ano letivo 2013/2014 aumentou 2,6%, cumprindo a convenção de preços celebrada entre os ministérios da Economia e da Educação e a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) em 2012.
Alguns exemplos concretos:
• Manuais de 4º ano da Escola Básica de 1º Ciclo da Quinta das Flores - Coimbra, incluindo blocos pedagógicos: 62,96€;
• Manuais de 6º ano da Escola Básica de 2º e 3º de Pevidém – Guimarães, incluindo blocos pedagógicos: 198€;
• Manuais de 9º ano da Escola Secundária com 3º Ciclo Alexandre Herculano - Porto, incluindo blocos pedagógicos: 252,48€;
• Manuais de 12º ano da Escola Secundária com 3º Ciclo João Gonçalves Zarco – Matosinhos, incluindo blocos pedagógicos: 296,92€.
O Grupo Leya e a Porto Editora representam os dois monopólios da indústria dos manuais. Só o Grupo Leya publica "aproximadamente 250" títulos das mais variadas disciplinas, através das suas editoras.
Importa ainda referir que um número considerável de Municípios distribui gratuitamente os manuais escolares aos alunos do 1º ciclo. Tal prática cria uma situação objetiva de desigualdade no tratamento de alunos, apenas sarada através da disponibilização pelo Ministério da Educação dos manuais escolares a todos os alunos no ensino obrigatório. A universalidade na distribuição dos manuais escolares não pode depender da oferta ao arbítrio dos municípios. Esta é uma responsabilidade constitucional que o Governo, através do Ministério da Educação e Ciência, deve assumir.
Importa também referir que Portugal é dos poucos países da EU onde não é assegurado o acesso gratuito aos manuais escolares aos estudantes da escolaridade obrigatória, e que os custos com despesas de educação foram ainda agravados com a decisão do Governo PSD/CDS extinguir o passes4_18 e sub_23 e o fim do apoio de 50% na aquisição do passe por todos os estudantes.
Ainda a este propósito Vital Moreira e Gomes Canotilho afirmam que a incumbência do Estado em assegurar o ensino básico, universal, obrigatório e gratuito, implica “a obrigação de criação de uma rede escolar de estabelecimentos públicos de ensino que cubra as necessidades de todas as crianças quanto à formação escolar de base (…) e a criação de condições para que a obrigatoriedade possa e deva ser exigida a todos (gratuitidade integral, incluindo material escolar, refeições, transportes).
Na verdade, vários estudos apontam as condições socioeconómicas das famílias e as dificuldades dos pais acompanharem os filhos em idade escolar, como uma das principais causas para que se mantenham elevadas taxas de abandono e insucesso escolar. Neste contexto, a gratuitidade dos manuais escolares será um importante contributo não apenas para diminuir os níveis de insucesso e abandono escolares, mas também para a melhoria da qualidade do sucesso.
II
A Lei n.º 47/2006, em vigor, que “define o regime de avaliação, certificação e adoção dos manuais escolares do ensino básico e secundário, bem como os princípios e objetivos a que deve obedecer o apoio sócio-educativo relativamente à aquisição e ao empréstimo de manuais escolares”, e a experiência da sua aplicação não têm em conta o artigo 74.º da Constituição da República Portuguesa que assegura que «todos têm direito ao ensino como garantia do direito à igualdade de oportunidades e êxito escolar» e acrescenta que incumbe ao Estado «assegurar o ensino básico universal, obrigatório e gratuito».
Com efeito, a gratuitidade da escolaridade obrigatória significa que os manuais e outro material didático devem ser gratuitos para todos, mas esta Lei continua a limitar este apoio à ação social escolar, o que contempla apenas famílias que vivem próximas ou mesmo abaixo do limiar da pobreza.
O Projeto de Lei que agora retomamos mantém os seus dois objetivos principais:
1. Propor um conjunto de procedimentos de avaliação, seleção, certificação e adoção dos manuais escolares como instrumentos didático-pedagógico relevante para o processo de ensino-aprendizagem das crianças e dos jovens que frequentam os ensinos básico e secundário;
2. Garantir, de facto, o que o texto constitucional já consagra como um direito.
Relativamente ao primeiro objetivo, o PCP reconhece a relevância do manual escolar, considerando, no entanto, que este instrumento é cada vez menos exclusivo. Mas o facto de o manual escolar constituir ainda para muitas crianças e jovens e mesmo até para algumas escolas o mais importante meio capaz de responder aos objetivos e finalidades programáticas de cada disciplina ou área curricular, exige que se garantam as condições necessárias e suficientes à sua qualidade.
Por isso, propomos que os estabelecimentos de ensino básico e secundário só possam adotar manuais escolares previamente certificados. A certificação será realizada por uma Comissão Nacional de Avaliação e Certificação, nomeada pelo Ministério da Educação e presidida por uma personalidade de reconhecido mérito científico e pedagógico, designada de entre os seus membros. Esta Comissão integrará representantes da comunidade educativa e científica e das organizações profissionais e científicas dos docentes. Dada a diversidade das matérias em causa e a exigência de requisitos de qualidade científica e pedagógica, propõe-se o funcionamento de subcomissões especializadas por áreas disciplinares. Este procedimento final de certificação conta com a apreciação prévia das escolas, formulada pelos docentes em documento específico que, posteriormente é enviado à Comissão Nacional de Avaliação e Certificação.
O projeto do PCP garante, como é óbvio, que da decisão de não certificação cabe recurso para o Ministro da Educação. Admite-se também que perante a ausência de iniciativa editorial, caberá ao Estado assegurar a elaboração, produção e distribuição de manuais escolares ou de outros recursos didático-pedagógicos.
Considerando ainda que o desenvolvimento do conhecimento científico e pedagógico não pode ser questionado por uma estabilidade obrigatória da adoção de manuais escolares, propomos que a Comissão Nacional de Avaliação e Certificação possa reduzir o período de validade da certificação sempre que existirem razões para tal.
Outras duas áreas merecem também referência e tratamento particular neste projeto, no que à adoção de manuais diz respeito: a iniciação à escrita e à leitura e as necessidades educativas especiais.
Esta iniciativa do PCP garante que todos os alunos que frequentam a escolaridade obrigatória, nos estabelecimentos de ensino público têm acesso gratuito aos manuais escolares. Para assegurar a gratuitidade dos manuais escolares a todos os alunos da escolaridade obrigatória, bastaria um acréscimo residual na despesa do orçamento do Ministério da Educação. Este acréscimo seria um verdadeiro investimento para o futuro, dado o impacto que teria na redução do abandono escolar prematuro e, consequentemente, no aumento do nível de escolaridade da nossa população, com reflexos positivos no desenvolvimento económico e social do país.
Nestes termos, ao abrigo das disposições constitucionais e regimentais aplicáveis, os Deputados abaixo assinados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto e âmbito
A presente lei define o regime de certificação e adoção dos manuais escolares dos ensinos básico e secundário e garante ainda a gratuitidade da sua distribuição na escolaridade obrigatória do sistema público.
Artigo 2.º
Definição de manual escolar
Para os efeitos da presente lei considera-se manual escolar o recurso didático-pedagógico relevante, ainda que não exclusivo, do processo de ensino aprendizagem, concebido por ano ou ciclo, podendo incluir o manual do aluno e o guia do professor, que visa contribuir para o desenvolvimento de competências gerais e específicas definidas pelos documentos curriculares em vigor para o ensino básico e secundário, contendo a informação básica e as experiências de aprendizagem e de avaliação necessárias à promoção das finalidades programáticas de cada disciplina ou área curricular disciplinar.
Artigo 3.º
Certificação dos manuais escolares
Nos estabelecimentos de ensino básico e secundário só podem ser adotados os manuais escolares previamente certificados.
Artigo 4.º
Entidade certificadora dos manuais escolares
1 - A certificação dos manuais escolares é da responsabilidade de uma Comissão Nacional de Avaliação e Certificação, adiante designada por CNAC, nomeada pelo Ministério da Educação, composta por representantes das comunidades educativa e científica e das organizações profissionais e científicas dos docentes, sendo presidida por personalidade de reconhecido mérito científico e pedagógico, designada de entre os seus membros.
2 – A composição, regime de funcionamento e estatuto dos membros da CNAC são definidos por decreto-lei.
3 - O mandato dos membros da CNAC tem a duração de quatro anos, renovável por um mandato.
4 - A CNAC funcionará com subcomissões especializadas por áreas disciplinares.
5 – Para além de proceder à certificação dos manuais escolares nos termos dos artigos seguintes, a CNAC deve garantir o cumprimento dos requisitos de certificação durante o período de validade da mesma.
Artigo 5.º
Requisitos da certificação
1 - São requisitos de certificação dos manuais escolares:
a) a qualidade pedagógico-didáctica e o rigor científico;
b) a adequação aos objectivos e conteúdos programáticos definidos;
c) a integração da diversidade social e cultural e as representações não estereotipadas;
d) a qualidade material, nomeadamente a robustez, o peso e o preço.
2 - Os manuais que prevejam a realização de exercícios são acompanhados de suplemento destacável para o efeito.
3 – Os requisitos referidos no nº 1 do presente artigo são aplicáveis a todos os manuais escolares, independentemente do tipo de suporte que apresentam.
Artigo 6.º
Validade da certificação
1 – A certificação dos manuais é válida por um período de quatro anos letivos.
2 – A CNAC pode determinar, aquando da certificação do manual ou em momento posterior, uma redução do período de validade estabelecido no número anterior sempre que:
a) desenvolvimentos relevantes no conhecimento científico ou tecnológico se verifiquem ou possam vir a verificar-se;
b) os conteúdos dos programas sejam substancialmente alterados;
c) ou ainda outros considerados relevantes pela CNAC.
Artigo 7.º
Apreciação inicial
1 - Até ao início do último ano letivo de validade da certificação dos manuais, as editoras colocam à disposição de todas as escolas os manuais que propõem para certificação, disponibilizando os exemplares necessários à sua apreciação.
2 - As escolas organizam o processo de apreciação de cada manual escolar proposto por disciplina e ano de escolaridade, com a participação dos respetivos docentes e registam o seu resultado fundamentado em documento específico, a elaborar pela CNAC.
3 – O resultado da apreciação deve ser enviado pelas escolas à CNAC até 31 de dezembro.
Artigo 8.º
Procedimento de certificação
1 - A CNAC procederá à análise, selecção e certificação dos manuais, por disciplina e ano de escolaridade, que cumpram os requisitos previstos no artigo 5.º.
2 - A decisão de certificação da CNAC é comunicada às escolas e às editoras até 31 de março.
Artigo 9.º
Recurso
1 - Da decisão de não certificação de manuais pela CNAC cabe recurso para o Ministro da Educação.
2– As editoras dispõem de quinze dias para interpor recurso devidamente fundamentado, após conhecimento da decisão da não certificação do manual.
3 - O Ministro da Educação deverá decidir sobre o recurso no prazo de 30 dias.
Artigo 10.º
Incumprimento de requisitos em manuais certificados
1 - Sempre que no decurso da prática letiva, forem identificados, nos conteúdos de manuais certificados, elementos que contrariem os requisitos de certificação previstos no artigo 5º, a CNAC notifica a editora para proceder às necessárias correcções, em prazo determinado, mediante errata ou nova edição.
2 – Sempre que seja necessário proceder à correcção de um manual no ano letivo em curso, as editoras devem enviar às escolas uma errata em número de exemplares igual ao dos manuais distribuídos.
3 – O incumprimento do prazo fixado para a correcção do manual implica a caducidade da certificação.
Artigo 11.º
Ausência de iniciativa editorial
O Estado garante a elaboração, produção e distribuição de manuais escolares ou de outros recursos didático-pedagógicos, perante a ausência de iniciativa editorial.
Artigo 12.º
Adoção dos manuais escolares
1 - As direções de escola ou do agrupamento adotam os manuais escolares certificados por períodos de quatro anos letivos, garantindo no processo de avaliação e decisão, a participação dos docentes por disciplina e ano de escolaridade.
2 – No último ano letivo de cada período de adoção são adotados os manuais para o período seguinte.
3 – A adoção de manuais de iniciação à escrita e leitura para o 1.º ano do 1.º ciclo pode ser feita pelo período de um ano, mediante homologação pela direção de escola ou do agrupamento, desde que fundamentada em critérios metodológicos e pedagógicos dos respetivos docentes.
Artigo 13.º
Manuais para alunos com necessidades educativas especiais
1 - A adoção de manuais para alunos com necessidades educativas especiais é feita com a participação dos professores de educação especial.
2 - Até ao início do ano letivo em que se procede à adoção de novos manuais, as editoras devem distribuir uma edição de cada manual, adequado aos alunos em causa.
3 – Sem prejuízo do disposto no artigo 6º, a certificação dos manuais para alunos com necessidades educativas especiais pode ser reavaliada, sempre que a CNAC o considere.
Artigo 14.º
Gratuitidade dos manuais escolares
Os manuais escolares adotados são distribuídos gratuitamente a todos os alunos que frequentem a escolaridade obrigatória nos estabelecimentos de ensino público, sem prejuízo da aplicação de mecanismos de ação social escolar para outros fins aos alunos que dela necessitem.
Artigo 15.º
Distribuição de manuais escolares
1 - A distribuição dos manuais escolares é feita no início de cada ano letivo pelas escolas aos encarregados de educação, mediante documento comprovativo.
2 - Cada aluno terá direito a um único exemplar dos manuais adotados, por disciplina e por ano letivo.
Artigo 16.º
Financiamento e aquisição de manuais escolares
1 - O Ministério da Educação garante a aquisição dos manuais escolares através de dotações financeiras a cada escola ou agrupamento, antes do início de cada ano letivo, em função dos manuais adotados e da população escolar respetiva, incluindo os docentes.
2 - As escolas ou agrupamentos adquirem os manuais adotados para o ano seguinte, no final de cada ano letivo, tendo em conta as necessidades previstas.
Artigo 17.º
Regulamentação
O Governo procede à regulamentação da presente Lei no prazo de 60 dias.
Artigo 18.º
Norma revogatória
São revogados os seguintes diplomas:
a) Lei n.º 47/2006, de 28 de Agosto;
b) Decreto-Lei n.º 261/2007, de 17 de Julho;
c) Portaria n.º 792/2007, de 23 de Julho.
Artigo 19.º
Entrada em vigor
1 - A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
2 - As disposições relativas ao financiamento e distribuição dos manuais escolares entrarão em vigor com a publicação da Lei do Orçamento do Estado subsequente à sua aprovação.
Assembleia da República, em 18 de outubro de 2013