Intervenção de Rita Rato na Assembleia de República

Define o regime de certificação e adoção dos manuais escolares, garantindo a sua gratuitidade

(projeto de lei 290/XII/2.ª)
Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Passadas três semanas do início das aulas, muitos jovens e muitas crianças ainda não têm manuais escolares. Demasiados alunos, repito, ainda não têm manuais escolares. E não é porque não foram comprar, é porque não têm dinheiro para comprar livros que custam 20, 30 e 40 € cada e que, por isso, se veem obrigados a ir para a escola todos os dias sem ter um elemento central na pedagogia, que é o seu manual escolar.
Por isso, recentemente tem sido aprofundado este caminho de profunda limitação da ação social escolar. Só têm acesso à ação social escolar famílias que vivem abaixo do limiar da pobreza: um casal em que os dois aufiram o salário mínimo nacional e tenham um filho não tem qualquer apoio para a aquisição de manuais escolares. Ainda assim, são confrontados com uma fatura de 300 € e 400 €, entre manuais obrigatórios e sem ter em conta livros de exercícios.
Aos partidos que se diziam tão defensores das famílias, perguntamos como é que têm coragem e como é que não têm vergonha de desencadear uma política contra os direitos das crianças e contra os direitos de milhares e milhares de jovens, que se veem obrigados a ir para a escola sem os manuais escolares.
É pena que a Sr.ª Deputada Teresa Caeiro, que há pouco aqui falou da Constituição, já tenha saído da Sala, porque eu iria ler aqui…
Ah, está a presidir aos trabalhos! Então, ainda assim, tem uma análise privilegiada sobre a Constituição.
Diz a Constituição que «Todos têm o direito a um ensino com (…) igualdade de oportunidades». E, apesar de a Constituição o consagrar, o que acontece é que os sucessivos governos têm tornado a educação não num direito e no seu aprofundamento, mas num negócio para a indústria livreira. É por isso que este Governo anunciou o início do ano letivo com um aumento do custo dos manuais escolares em 2,6%, garantindo e trazendo mais dificuldades para as famílias.
A proposta do PCP é muito clara: entendemos que garantir a todos os alunos um manual escolar é um investimento para o País, é um papel e um passo determinante que se dá na garantia do direito à educação. A proposta que aqui trazemos é nesse sentido.
Não podemos, contudo, deixar de assinalar que este Governo ainda consegue fazer pior — aliás, pode mesmo dizer-se que não se lhe pode dar uma má ideia, porque este Governo ainda consegue fazer pior!
Este Governo teve o condão de prejudicar, ainda mais, os alunos beneficiários da ação social escolar, porque estes alunos tinham direito ao manual escolar e podiam estudar nas suas casas, utilizando, inclusivamente, os livros escolares do ciclo anterior. O que este Governo veio dizer, através de portaria, é que os alunos que beneficiam da ação social escolar têm direito ao livro, mas vão ter de entregá-lo. Portanto, ainda fazem um recuo maior em relação a um direito fundamental, que é o direito à educação.
Não podemos deixar de ler aqui a seguinte afirmação: «O dever de assegurar o ensino básico universal gratuito é a primeira e mais importante obrigação do Estado para garantir o direito ao ensino, a obrigação de criação de uma rede escolar de estabelecimentos públicos, mas, também, a criação de condições para que a obrigatoriedade e a gratuidade integral, incluindo material escolar, seja garantido». Quem diz não é o PCP, mas, sim, os constitucionalistas Vital Moreira e Gomes Canotilho.
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados: Importa aqui desconstruir esta ideia que, sucessivamente, PSD e CDS invocam — e, noutra altura, PS —, de falta de dinheiro.
Gostaria, em especial, da atenção dos Srs. Deputados do PSD e do CDS, porque, ao dizerem isto, esquecem, por exemplo, que os 4000 milhões de euros «enterrados» no BPN davam para garantir os manuais escolares durante 50 anos. Como é que podem vir dizer que não há dinheiro para garantir um direito que está consagrado na Constituição, quando, para salvar a banca, PS, PSD e CDS têm governado sempre, em detrimento dos interesses das crianças e dos jovens?!
Até posso dar-lhe aqui outro exemplo, Sr.ª Deputada Inês Teotónio Pereira: o que este Governo financia num grupo económico privado da educação, que é uma parceria público-privada da educação, um só grupo, dava para garantir a todos os estudantes da escolaridade obrigatória a gratuitidade dos manuais escolares.
O Grupo GPS recebeu, só em 2009, cerca de 100 milhões de euros!
Esses 100 milhões de euros davam para garantir, em mais de 20 milhões, a todos os estudantes, a gratuitidade dos manuais escolares!
Mas os sucessivos Governos têm feito a opção de benefício dos grupos económicos e de ataque às condições económicas das famílias e dos estudantes.
O caminho que tem sido feito é o de construir uma escola de 1.ª para aqueles que podem pagar e uma escola de 2.ª para aqueles que não podem pagar. E este Governo ainda faz um recuo inaceitável, que é o de retirar uma coisa que estava garantida aos estudantes, o acesso ao manual escolar. É que, agora, vêm dizer que os estudantes da ação social escolar têm de devolver esses manuais. Portanto, não rouba com uma, rouba com as duas mãos!
Isto é inaceitável, porque está na raiz do projeto que PSD e CDS querem para a escola pública: uma escola para os filhos dos trabalhadores, para aqueles que vão ser formados apenas como mão-de-obra precária e barata, e uma escola para as elites, para aqueles que vão poder pagar os 1000 € de propinas e os 2500 € de propinas do mestrado.
É aqui, também em medidas deste tipo, que isso fica muito claro!
Por isso, não venham dizer que não há dinheiro. Há dinheiro! Para a banca, para os grupos económicos, para o «buraco» do BPN há sempre dinheiro! Para as pessoas, para a dignidade das suas vidas, nunca há dinheiro!

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