Exposição de motivos
A situação atual que se vive em Portugal e no mundo em resultado do desenvolvimento do surto do novo coronavírus (COVID-19), que levou já a OMS a declarar o estado de pandemia associada à doença provocada pelo novo Sars-Cov-2, coloca desafios nunca sentidos no País.
A evolução da progressão da COVID-19, a nível nacional e a nível mundial, mostram que, para além das medidas necessárias para responder aos muitos infetados, para além da necessidade de intensificar as medidas para tentar conter a doença, quebrando os mecanismos da sua disseminação pela população, é necessário também reforçar os mecanismos que garantam a manutenção da produção nacional de bens básicos e a sua distribuição à população.
As medidas que têm vindo a ser implementadas, precisam de ser acompanhadas por outras que garantam a manutenção dos postos de trabalho, os rendimentos da população e a salvaguarda das pequenas e médias empresas, intensificando a produção nacional e a disponibilidade de bens.
O PCP desde sempre defende a necessidade premente de se promover a produção nacional, de se garantirem níveis de aprovisionamento de bens capazes de dar resposta adequada face a situações de vulnerabilidade, ou seja, de garantir a soberania alimentar do país e o acesso universal aos bens de primeira necessidade.
Nesta matéria o caminho a percorrer é extenso, tendo de ser iniciado o quanto antes no sentido de assegurar a produção, o abastecimento das populações, o rendimento dos trabalhadores.
A realidade atual evidencia a enorme fragilidade que o país enfrenta para se ultrapassar de forma estruturada, consistente e perene no tempo, as potenciais dificuldades que as restrições à mobilidade e à manutenção das atividades colocam, nomeadamente no plano alimentar.
Registe-se a grave dependência alimentar do nosso país, com uma balança agro-alimentar com um défice que tende para os 4 mil milhões de euros, que tem, nos cereais, no pescado e na carne de bovino alguns dos seus principais problemas.
Defender e incentivar a produção nacional nos mais diversos domínios, criar mecanismos que assegurem a distribuição equilibrada dos bens pela população, assegurar a universalidade do acesso aos bens fundamentais, são desafios que a pandemia COVID-19, vêm colocar na primeira linha.
Com o presente Projeto de Lei, o PCP procura dar responder às exigências imediatas que a atual situação coloca, e que ela pode vir ainda a exigir, com os olhos postos no futuro do nosso País, que se quer soberano, também no plano alimentar.
Assim, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:
Artigo 1.º
Objeto
A presente Lei define medidas de contingência para o abastecimento alimentar.
Artigo 2.º
Âmbito
- As medidas de contingência para o Abastecimento Alimentar visam dotar o país de capacidade de aprovisionamento e de acesso a bens alimentares.
- São implementadas medidas para o incremento da capacidade produtiva instalada, medidas para criar novos mecanismos de aprovisionamento de bens e medidas e procedimentos para assegurar a distribuição e acesso a bens alimentares à população.
Artigo 3.º
Promoção do exercício das atividades agrícolas e agro-pecuárias
- São criados mecanismos de apoio a pequenos e médios agricultores e produtores pecuários, nomeadamente no que respeita à simplificação dos processos de pedido de apoios no âmbito das ajudas da PAC, à antecipação das ajudas à produção, à redução das contribuições obrigatórias para a segurança social, ao adiamento de obrigações fiscais e acesso de agricultores, cooperativas agrícolas e pequenos comerciantes de bens agro-alimentares a linhas de crédito bonificadas e a longo prazo, de 15 anos, que incentivem o investimento na produção nacional.
- É suspensa a obrigatoriedade prevista no Regulamento da EU n.º 1307/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho das práticas de “greening” – Pagamento por Boas Práticas para o Clima e Ambiente, sem prejuízo para os beneficiários.
- É assegurada a manutenção em funcionamento das empresas que produzam, distribuam ou comercializem fatores de produção associados à atividade agrícola e pecuária, integrando sementes, adubos, fertilizantes, fitofármacos, rações, forragens e outros produtos, garantindo o acesso dos produtores a estes meios necessários, a preços controlados e regulados.
- É permitida a manutenção das atividades de venda e reparação de equipamentos agrícolas, de prestação de serviços veterinários e de ajuda técnica à atividade agrícola.
- Em todas as medidas e apoios públicos previstos na presente lei, os titulares do Estatuto da Agricultura Familiar, têm prioridade e direito a apoio técnico dedicado por parte das estruturas do Ministério da Agricultura.
- A redução de contribuições para a Segurança Social, prevista no nº 1, é reposta à Segurança Social por verbas do Orçamento do Estado.
Artigo 4º
Escoamento de produtos agrícolas
- É autorizado o funcionamento de mercados de produtos agrícolas em recintos permanentes ou temporários, sendo para o efeito implementado um regime de controlo de entradas respeitando a concentração de 0,04 pessoas por cada 1m2.
- O Ministério da Agricultura promove, se se revelar necessário e usando, para isso, as estruturas cooperativas e associativas existentes no terreno, o escoamento de produtos a preço garantido à produção, assegurando o seu armazenamento e a colocação no mercado assim que se venha a revelar possível.
Artigo 5.º
Promoção do exercício das atividades piscatórias
- São criados mecanismos de apoio à pequena pesca local e costeira através de apoios ao rendimento dos trabalhadores da pesca, instituindo, ainda que com carácter transitório, um regime de preços mínimos garantidos do pescado, nomeadamente no âmbito da 1.ª venda em lota.
- Como forma de melhorar o rendimento dos trabalhadores da pesca é implementado um regime específico que favoreça a comercialização de pescado em modelo de contratualização de aquisição de cabazes, permitindo maior valorização média do pescado de baixo valor em lota.
Artigo 6.º
Regulamentação
Compete ao Governo, no mais curto prazo possível, aprovar a regulamentação necessária à boa execução da presente lei.
Artigo 7.º
Entrada em vigor
A presente Lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.