Projecto de Lei N.º 237/XVI/1.ª

Define a atribuição de um complemento de alojamento e de deslocação a todos os docentes e técnicos especializados deslocados

Exposição de motivos

A falta de professores e educadores na Escola Pública tem vindo a ser sinalizada e vivida de uma forma particularmente preocupante em determinados grupos de recrutamento de docentes. Já são muitos os anos que o PCP tem alertado para este problema. Em maio do presente ano, de acordo com os números disponibilizados pelo atual Governo, eram 22 116 alunos sem aulas a uma disciplina e, destes, 939 estavam nessa situação desde setembro, terminando o ano letivo sem professor.

As medidas avulsas tomadas pelo anterior Governo, tal como a alteração do regime de mobilidade por doença, e a negação da mobilidade de estatutária de muitos professores que estavam destacados em vários organismos, ou seja, professores no IEFP, a “professores de educação física que presidem a federações nacionais, como são os casos do Atletismo ou da Patinagem, passando, por estabelecimentos de ensino, incluindo instituições de ensino superior que formam professores, o colégio militar ou hospitais pediátricos, ou centros Ciência Viva”, não só não resolveram o problema que hoje se conhece, como coloca em risco o normal funcionamento de alguns daquelas organizações ou entidades.

Apesar do número de vinculações ter crescido mais do que o número de aposentações, tal não se traduziu num aumento do número de docentes, porque os que vincularam já se encontravam na escola, embora em regime de contratação a termo. Além disso, pesam ainda duas questões: em primeiro lugar, mesmo havendo um aumento no número de docentes dos quadros, com o envelhecimento aumenta também o número dos que já estavam e continuam nos quadros, mas estarão em situação de doença, como se comprava com os números da mobilidade por doença; em segundo lugar, o número de aposentações tem vindo a crescer, com ritmo acelerado a partir de 2019. A previsão é que o número aumente de ano para ano e que, até final da década, saiam mais de metade dos atuais professores. Previsivelmente serão cerca de 458 os professores que se aposentarão só em setembro. Ao mesmo tempo, formam-se apenas 997 alunos por ano em educação básica.

A carência de professores e educadores é um problema para o qual contribuem múltiplos fatores, relacionados, designadamente, com formação inicial, acesso à profissão e valorização da carreira, num quadro de necessidade de criação de condições de atratividade para a profissão docente. Nos últimos 6 anos abandonaram a profissão cerca de 14 500 professores, e a realidade é que não se tomaram quaisquer medidas para que estes docentes voltassem à carreira.

A contratação de escola dificilmente será a solução para este problema se não existem professores ou se os poucos disponíveis não aceitarem horários a que correspondem salários inferiores às despesas de deslocação e fixação fora da área de residência familiar. A contratação de docentes sem habilitação própria também não é resposta a este problema, podendo pôr em causa todo o processo de ensino aprendizagem.

Neste momento estão por colocar cerca de 15 000 professores, contudo destes 71% correspondem a docentes com habilitação para 5 dos cerca de 30 grupos de recrutamento que existem (educação pré-escolar, 1.º ciclo do ensino básico, educação física do ensino básico e secundário e educação especial). Assim, 29% dos professores correspondem aos restantes grupos de recrutamento, o que significa que em muitos dos grupos o número de professores por colocar serão insuficientes face às necessidades das escolas.

O Governo atual apresentou um conjunto de medidas avulsas, que não resolvem nenhum dos problemas estruturais, e que podem aprofundar mais as desigualdades e injustiças. Desde logo, o aumento do número de horas extraordinárias levará à sobrecarga horária, e não tem em conta que a maioria dos docentes já tem um horário de cerca de 50 horas semanais. O apoio à deslocação, a forma como está a ser apresentado, além de insuficiente levará a arbitrariedades pois não será aplicado a todos os docentes deslocados, mas apenas àqueles que sejam colocados em escolas consideradas carenciadas.

O PCP reafirma que há questões de fundo que apenas serão superadas por via da valorização da profissão docente e da alteração do Regime de Seleção e Recrutamento do Pessoal Docente da Educação Pré-Escolar e Ensinos Básico e Secundário. Pela efetiva valorização salarial, vinculação de todos os docentes com 3 ou mais anos de tempo de serviço, pela eliminação das quotas de avaliação e das vagas para acesso ao 5.º e 7.º escalão, pelo respeito pelo horário trabalho de 35 horas que inclui componente letiva e não letiva.

No entanto, podem e devem ser tomadas medidas concretas, no imediato, tal como a criação de incentivos para a deslocação e fixação de docentes em áreas carenciadas.

Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, os Deputados da Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte Projeto de Lei:

Artigo 1.º

Objeto

A presente lei define a atribuição de um complemento de alojamento e de deslocação a todos os docentes e técnicos especializados deslocados cuja escola de provimento seja em estabelecimento público de educação e ensino.

Artigo 2.º

Complemento de alojamento

A todos os docentes contratados e técnicos especializados deslocados cuja escola de provimento esteja localizada a uma distância igual ou superior a 50 km da residência habitual é atribuído um complemento mensal de alojamento até ao limite de 700€, comprovado por recibo, comprovativo de transferência bancária ou declaração do senhorio do pagamento do encargo.

Artigo 3.º

Complemento de deslocação

A todos os docentes contratados e técnicos especializados deslocados cuja escola de provimento esteja localizada a uma distância igual ou superior a 50 km da residência habitual é atribuído um complemento de deslocação, efetuado com recurso ao reembolso, de acordo com o previsto na Portaria n.º 1553-D/2008, de 31 de dezembro, na redação atual:

  1. Do valor das passagens, no caso da utilização de transportes coletivos, ou
  2. Do valor do número de quilómetros percorridos, no caso da utilização de viatura própria.

Artigo 4.º

Entrada em vigor e produção de efeitos

A presente lei entra em vigor no dia seguinte à sua publicação e produz efeitos financeiros com o Orçamento do Estado subsequente.