Projecto de Resolução N.º 276/XII

A defesa da produção nacional e o consumo de produtos agroalimentares portugueses

A defesa da produção nacional e o consumo de produtos agroalimentares portugueses

1.CORTINAS DE FUMO – OS PJR DO CDS/PP E DO PSD

O PSD primeiro, PJR nº33/XII/1ª e o CDS-PP agora, PJR nº258/XII/1ª avançaram com projetos de resolução destinados a recomendar ao seu Governo o lançamento de medidas para incentivar o consumo pelos portugueses de produtos agroalimentares nacionais. As medidas sugeridas são estritamente três. Campanhas publicitárias para sensibilizar os portugueses para a importância de consumir português, e no respeito e salvaguarda da legislação comunitária e nacional, uma rotulagem que identifique a “incorporação nacional” e a “aquisição preferencial” pelo Estado.

Nada havendo a contestar às medidas propostas, apesar da sua manifesta insuficiência, incapacidade e impotência para responder aos objetivos anunciados, trata-se no fundamental do lançamento de cortinas de fumo. Operações de propaganda que ocultem, não só dezenas de anos de políticas de direita em cumplicidade com o PS, na destruição de sectores de produção agroalimentares (agricultura, pescas e indústria agroalimentar), como o seu prosseguimento pelo atual Governo PSD/CDS-PP, sob o comando da Troika e das políticas comunitárias (PAC, PCP e Política de Comércio Externo).

Operações inteiramente semelhantes às dos Grandes Grupos da Distribuição, nomeadamente a SONAE/Continente e a Jerónimo Martins/Pingo Doce, com as suas campanhas publicitárias em “defesa” dos produtos nacionais. Os clubes de produtores nacionais, a “quinta urbana” em Lisboa, e outras habilidades publicitárias, desenvolvem-se em simultâneo com a sua ação predatória relativamente à produção nacional, quer intensificando as imposições draconianas aos seus fornecedores quer pelo aumento da importação de mercadoria estrangeira a preços de saldo e mesmo com dumping e o crescimento acelerado das “marcas brancas” em geral, embalagem de produtos importados. Os problemas com a importação de leite no início do ano, posteriormente apreendido pela ASAE, são apenas um dos exemplos, de Grupos que hoje aparecem no ranking dos maiores importadores do País.

Repare-se e registe-se que acabou de ser aprovada uma nova Lei da Concorrência, nesta Assembleia da República, que apresentada como mais uma “reforma estrutural”, não eliminará práticas concorrenciais restritivas e discriminatórias e os abusos de dependência económica por esses Grupos.

PSD, CDS/PP e a Grande Distribuição, produzem e publicitam uma embalagem para esconder a continuidade de políticas e práticas comerciais destruidoras da produção nacional.

O consumo de produtos nacionais não é um problema de publicidade!

2.TRÊS POLÍTICAS CRUCIAIS PARA CONSUMIR NACIONAL

A primeira, é que para haver consumo nacional de produtos nacionais, tem que haver produção nacional! Isto é, teremos que ter políticas que incentivem, promovam e façam crescer a produção nacional, desde produções de massa até produtos regionais ocupando nichos de mercado. Políticas que promovam e desenvolvam a diferença qualitativa da produção nacional. Políticas façam crescer a cadeia de valor no País, com uma incorporação crescente de matéria-prima e trabalho portugueses. Políticas que garantam, no quadro do mercado comunitário, quotas e direitos de produção equitativos e não uma divisão assimétrica das produções, como decorrerá da lógica de mercados liberalizados! Políticas, que mesmo no apertado quadro das regras comunitárias, defendam o mercado nacional e as produções nacionais, com utilização dos “critérios” (técnicos, administrativos, etc) que os outros estados-membros também utilizam. A regulação imperativa das relações fornecedores/grande distribuição e uma vigilância rigorosa da produção importada (qualidade, condições higio-sanitárias, preços) assumirão um papel crucial.

A segunda é a necessidade de garantir preços competitivos, concorrenciais com a produção estrangeira para produtos similares e de idêntica qualidade. O que significa, assegurar aos produtores portugueses condições de produção idênticos aos dos seus congéneres europeus e de países terceiros. Trabalhando em condições edafo-climáticas em geral mais adversas, e com estruturas empresariais de menor escala (minifúndio, pesca artesanal, pequenas empresas), há que assegurar aos produtores portugueses, o acesso aos bens e serviços necessários á produção, a preços e qualidade semelhantes aos dos seus concorrentes da comunidade europeia. Não só ajudas ao rendimento (RPU e outras ajudas) de nível idêntico, como o crédito e seguros, a energia (combustíveis eletricidade), fertilizantes e fármacos, e outros fatores de produção. Apoio ao desenvolvimento tecnológico das explorações e empresas, a par da incorporação da inovação e qualidade nos produtos suportada por adequados serviços públicos, universidades, institutos e laboratórios de I&D.

A terceira, é a necessidade da generalidade dos portugueses disporem de rendimentos monetários, que assegurem um mercado interno dinâmico e uma procura interna sustentada. Ora tal desiderato, exige a rutura com todas as políticas económicas e sociais em curso, sob a imposição do Pacto de Agressão e levadas a cabo pelo Governo PSD/CDS-PP com a cumplicidade do PS.

O poder de compra dos portugueses, tem vindo a ser brutal e drasticamente golpeado pelas medidas do Governo dirigidas contra os salários, reformas e apoios sociais, agravamento da carga fiscal, subida de preços de bens essenciais como a energia e os transportes. Dados recentes do INE mostram que pela primeira vez desde 1996, o consumo das famílias em bens alimentares caiu no 2º semestre de 2011! A compressão dos rendimentos e a enorme pressão psicológica da crise sobre os consumidores, leva inevitavelmente ao consumo de bens essenciais, como os alimentares, de mais baixos preços, mesmo de qualidade duvidosa, o que conduz quase inevitavelmente a produção importada.

Não há publicidade, nem adesão emocional e/ou racional ao consumo da produtos portugueses, que resolvam a quadratura do círculo de um salário insuficiente!

3.OS PORTUGUESES E OS PRODUTOS NACIONAIS

Dispondo de rendimento disponível para o fazer, ao consumidor colocam-se ainda três elementos de importância significativa, para garantirem/permitirem/fortalecerem a sua vontade de consumir português.
A proximidade e facilidade de acesso à produção nacional. E esta é uma questão não resolvida. Uma política profundamente errada, foi liquidando e continua a liquidar inúmeros mercados e feiras de vizinhança e no interior dos principais centros urbanos. Portugal, deve ser dos únicos países europeus que não tem no interior de Lisboa e Porto, mercados semanais regulares de produtos agroalimentares abastecidos diretamente pelos produtores/agricultores! Políticas, que tiveram uma evidente expressão, na criação de grandes mercados abastecedores nas periferias das grandes cidades, em grande parte elefantes brancos. Por outro lado, a concorrência desigual e desequilibrada das diversas unidades da grande distribuição (dos híperes ao discount) “matou” e continua a “matar” as lojas de bairro do comércio tradicional e mesmo dos mercados que foram resistindo. Mas o problema fundamental localiza-se no papel e práticas da grande distribuição, que tanto são uma porta aberta como uma grande parede de betão a impedir a visão e o contacto com a produção nacional. São hoje uma fronteira, gerida por guardas zelosos, que diz se este ou aquele produto chega ao consumidor! Assim o determina a sua posição dominante no retalho agroalimentar: 90% do que se compra e vende passa por 9 entidades e duas controlam cerca de 60%! A que acresce, o seu papel destruidor de redes de comércio regional, por ação das suas centrais de compras. A sua força económica, o seu poder absoluto na determinação do que está ou não está nas prateleiras, acaba por decidir que produtos e que empresas têm direito a estar no mercado.

A identificação e visibilidade do produto nacional na unidade comercial. Um problema que atingindo a generalidade dos produtos, assume particular significado nos produtos transformados ou embalados, com o objetivo de garantir a sua durabilidade. Os rótulos transformaram-se em folhetos publicitários, onde questões fundamentais, como a origem nacional do produto ou das matérias-primas usadas no fabrico, particularmente quando a embalagem ou transformação industrial é realizada em país diferente, dificilmente são de leitura fácil. Tem razão, o CDS-PP, não é o prefixo 560 no código de barras que garante, estarmos perante produção nacional A rotulagem, que algumas alterações parcelares realizadas para alguns produtos pela União Europeia (caso da rotulagem dos vinhos de mesa com indicação de castas e ano de colheita!) ajudaram a confundir mais, é um instrumento que deve ajustado para com rigor informar da origem da matéria-prima, local de fabrico e dimensão da incorporação nacional, pondo-se fim a verdadeiras contrafações como o da “Mistura de Vinhos de Diversos Países da Comunidade”. Ou produtos com dupla nacionalidade.

Preços muito distanciados de produtos similares, cuja qualidade só muito dificilmente funciona como fator de escolha e/ou é dificilmente percetível.

Aqui os produtos com marca da distribuição, “marcas brancas” assumem um peso demolidor do consumo de marcas portuguesas e produtos portugueses. Quer pela opacidade da formação dos preços, o que distorce o mercado, quer por que essas “marcas brancas” são em geral a embalagem de produção importada ou o resultado de imposições desequilibradas a fornecedores nacionais. Não é uma novidade, ver aparecer lado a lado na mesma prateleira, duas embalagens que se distinguem pelo rótulo, do mesmo produto e do mesmo fabricante. Só que o da “marca branca” tem um preço significativamente inferior!
Em períodos de extrema carência económica e retração do poder de compra, a arma dos preços, como a que vem sendo travada pelas marcas da distribuição, marcas brancas, pode ser uma arma de destruição massiva contra a produção nacional.

E ainda a garantia, por adequada regulação, de uma publicidade – e a grande distribuição gasta rios de dinheiro em publicidade, colocando-se no topo dos grandes investidores em publicidade – que não subverta/anule a vontade e o impulso quase natural ao consumo de produtos nacionais ou transmita informações pouco rigorosas sobre a nacionalidade dos seus produtos.

Defender a produção nacional, garantir uma elevada incorporação nacional na cadeia de valor dos produtos agroalimentares, dinamizar o consumo de produtos portugueses, é o caminho seguro e certo para produzir riqueza e criar postos de trabalho em Portugal. Para reduzir de forma sustentada as importações e atenuar o défice da balança comercial.
Assim, o Grupo Parlamentar do PCP nos termos da alínea b) do Artigo 156º da Constituição da República Portuguesas, propõe que a Assembleia da República recomende ao Governo:

I) No âmbito geral da defesa da produção nacional:
1.A concepção, definição e concretização de um programa público de apoio à produção nacional de produtos importados;
2.A criação de um Gabinete Dinamizador da Produção Nacional para novos projetos e para fomentar a incorporação de matérias-primas nacionais na indústria transformadora agroalimentar;

3.A intervenção do Estado na correção das práticas de aprovisionamento da Grande Distribuição e das suas relações com os produtores/fornecedores nacionais através de regulação imperativa, visando a defesa da produção nacional, nomeadamente na disciplina das marcas do distribuidor e aconselhamento da presença de percentagens mínimas e adequadas de produtos nacionais;

II) No âmbito específico da produção agroalimentar:

1.O desenvolvimento e defesa da produção nacional agroalimentar promovendo a garantia de rendimentos adequados aos produtores na atividade agropecuária, nas pescas e na indústria alimentar, assegurando-lhes margens e participação financeiras adequadas na cadeia de valor dos produtos, nomeadamente com uma forte descriminação positiva de incentivos para as instalações de armazenagem, transformação e comercialização do sector cooperativo e organizações de produtores e a regulação das relações com a grande distribuição.

2.A promoção de programas visando reforçar a produção animal de raças autóctones, de produtos vegetais de grande tipicidade regional e de produtos artesanais de qualidade (enchidos e fumados, conservas, compotas, etc.), privilegiando o desenvolvimento de produtos DOP e DOC, apoiando a criação de redes de comercialização interna e externa que garantam uma boa comercialização; devem ser estabilizadas e asseguradas regulamentações adequadas (segundo normas, equipamentos, ferramentas, modos de fabrico, tradicionais) para as pequenas produções agroalimentares da gastronomia regional e de produtos artesanais.

3.O reforço da fiscalização da produção importada, quer na avaliação qualitativa quer no cumprimento das regras higieno-sanitárias que são impostas aos produtores nacionais; particular atenção deve ser dada a produtos, que utilizando denominações e identificações permitidas pela comunidade europeia, constituem verdadeiras contrafações, pela concorrência desleal feita a produtos nacionais, com exigentes regulamentações produtivas.

4.A dinamização, em colaboração com as autarquias e associações de produtores, de mercados e feiras locais e regionais, prioritariamente para a produção agroalimentar nacional e acesso privilegiado e direto aos produtores/agricultores, quer pela requalificação de instalações e equipamentos existentes quer através da criação de novos espaços, nomeadamente nos cascos urbanos das principais cidades;

5.Assegurar a competitividade da produção nacional, quer por uma ofensiva diplomática e negocial reclamando o reequilíbrio num período curto das ajudas comunitárias ao rendimento, quer por uma sistemática política de acompanhamento dos preços e custos dos diversos fatores de produção – crédito e seguros, energia, água, sementes e propágulos, fertilizantes e fármacos, etc – que se devem ajustar ao nível dos valores médios dos países da zona euro;

6.Proceder a uma revisão global da forma de identificar a produção nacional, garantindo a sua fácil visibilidade e acesso, fundamentalmente através de modificações na rotulagem que permitam a identificação clara do país de origem dos produtos para consumo tal e qual, e identificação, em caso de produtos com transformação e/ou embalagem de conservação, da localização dessas operações e da origem das principais matérias-primas incorporadas; deve ser criada regulamentação específica para os rótulos das marcas do distribuidor, que deve incorporar as diretivas atrás referidas.

7.Fazer uma avaliação do Sistema Nacional de Compras (SNC) e do funcionamento da Agência Nacional de Compras (ANC), no sentido de reforçar a componente nacional da produção agroalimentar adquirida, procurando em simultâneo desenvolver (e não liquidar) as redes comerciais produtores/grossistas/retalhistas de âmbito regional; privilegiar no abastecimento alimentar de estruturas da administração pública (cantinas, hospitais, etc) a produção nacional.

Assembleia da República, em 30 de Março de 2012

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