Intervenção de João Ramos na Assembleia de República

A defesa da produção nacional como forma incontornável de ultrapassar a crise

Debate sobre a produção nacional
Sr. Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Srs. Deputados:
A necessidade de incrementar a produção nacional, princípio que o PCP nunca abandonou, como elemento fundamental para criação de um país mais próspero e desenvolvido, anda agora na boca de muitos.
Infelizmente para o País e para os portugueses, não basta «deitar palavras ao vento» em defesa da produção nacional. É preciso agir, é preciso traçar estratégias, isto é, é preciso vontade política para avançar.
Muitos dos que hoje reclamam por mais produção nacional foram os carrascos dos sectores produtivos.
Muitos dos que defendem afincadamente a necessidade dessa produção nada fizeram nesse sentido quando tiveram responsabilidades governativas.
Aumentar a produção nacional implica definir como estratégicos determinados sectores e, posteriormente, apoiá-los em consonância. Nesta matéria, nem as políticas para a agricultura nem as políticas de pesca dão sinais de vontade na aposta nestes sectores, muito pelo contrário.
Temos um orçamento para a pesca que tem mais dinheiro para o abate de embarcações do que para o estímulo à actividade — e isto num País com uma das maiores áreas marítimas de interesse económico. Mantemos uma execução orçamental em que a actividade pesqueira desenvolvida por pequenos empresários é esquecida, mas não o é a desenvolvida por grandes empresas. Criou-se, agora, com o Código Contributivo, um problema adicional, quer aos pescadores quer à segurança social. Quando estes profissionais mais precisavam de ajuda para se levantarem, são empurrados para o abismo. Estas medidas são esclarecedoras da verdadeira estratégia para o sector e, logicamente, todos vêem que não é este o caminho para o aumento da produção nacional.
O Sr. Secretário de Estado disse agora que o sector das pescas está bem. Deve ser por isso que está lá fora uma série de pescadores, deve ser para agradecer ao Sr. Secretário de Estado as políticas de pesca que tem implementado no sector.
Mas também na agricultura não é, infelizmente, difícil encontrar destes exemplos. O que tem estado a acontecer no sector leiteiro, em que os produtores vêem o seu produto ser pago abaixo dos custos de produção e o Governo abdica de lutar pela manutenção das quotas leiteiras que permitiriam ao sector uma protecção face à concorrência de países com factores de produção mais baixos e maiores apoios à actividade, é bem exemplificativo não só do processo de afastamento de estímulo à produção nacional como daquilo que o Governo está disposto a abdicar, logicamente em favor da produção de outros países que não o nosso.
Ainda em matéria de agricultura, a falta de estratégia ou a deriva ao sabor de estratégias alheias está bem patente no maior projecto hidroagrícola de sempre, em Portugal. No empreendimento de Alqueva, cerca de metade dos 110 000 ha já estão operacionais. O olival plantado já permite, segundo o Ministério da Agricultura, a auto-suficiência do País. O que fazer agora à terra restante? Qual a estratégia? Que culturas? Que fileiras? O Alqueva pode, ou não, dar um contributo para a redução do défice de cereais, nomeadamente através da produção de milho, ou um contributo para contornar o défice de produção de açúcar? Não existe, nem nunca existiu, estratégia para o Alqueva e até a aposta no olival foi fruto do interesse dos empresários espanhóis que iniciaram aí a massificação dessa cultura e não fruto de uma opção política deliberada.
Sr. Secretário de Estado, torna-se fundamental perguntar, neste contexto em que todos são unânimes na defesa da produção nacional como forma incontornável de ultrapassar a crise, que estratégias estão estruturadas para ultrapassar o défice de produção nacional.

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