A Escola Pública em Portugal, como diz o povo, tem as costas largas, sendo muitas e elevadas as suas responsabilidades, mas por boas razões.
Se tivermos em conta os 40 de Democracia, podemos atribuir responsabilidades à Escola Pública:
- na quase erradicação do analfabetismo;
- na oferta generalizada de Educação Pré-Escolar;
- na criação de contextos de inclusão educativa, com respostas positivas e adequadas para muitas crianças e jovens com necessidades educativas especiais;
- na redução significativa das taxas de insucesso e abandono escolares, ainda que continue muito por fazer;
- na resposta positiva que sempre deu a sucessivos alargamentos da escolaridade obrigatória;
- no acesso de muitos milhares de jovens ao ensino superior…
De uma forma geral, a Escola Pública tem contribuído decisivamente para o progresso e o desenvolvimento do país e sido fator de melhoria e elevação cultural, cívica, social e económica dos portugueses. E ainda que não tenha deixado de ser reprodutora de uma sociedade que carece de profundas mudanças, ela conseguiu, em largos períodos, tornar semelhantes as oportunidades no acesso e de sucesso escolar e educativo.
Estas respostas positivas da Escola Pública democrática e de qualidade, uma conquista de Abril, têm sido conseguidas em contextos políticos adversos, mas aos quais os profissionais da Educação, os pais, os estudantes, autarcas, entre outros agentes educativos, têm sabido responder da melhor forma.
Por isso, a Escola Pública sempre cumpriu com dignidade a sua missão, e esse parece ser o problema. A direita no seu ajuste de contas com Abril, colocou a Escola Pública, a par de outras construções democráticas da sociedade, no centro dos seus ataques. E foi nesse quadro que lhe impôs fortes cortes orçamentais, reduziu drasticamente os seus recursos humanos, criou mega-agrupamentos que desumanizam e desorganizam as escolas, empobreceu o currículo escolar, estreitou aprendizagens, reduziu competências e eliminou formação cívica, isto enquanto Crato esgotava a sua ação “pedagógica” na criação de exames, fator importante de apuramento da seletividade. Às medidas já em curso, PSD e CDS querem juntar outras como o anunciado reforço de uma falsa autonomia amarrada a um sistema refinadamente centralizado, a desvalorização das formações superiores com licenciaturas a 50%, o desvio de alunos para as vias vocacionais ou, pior ainda, o desvio de alunos que ainda se encontram na escolaridade obrigatória para o sistema paralelo dos CQEP (Centros para a Qualificação e o Ensino Profissional), um embuste que, no próximo dia 19, o ministro irá vender como uma obra-prima. E são ainda os cortes na ciência ou, a par da redução violenta de recursos humanos da Educação, a sua desvalorização social, profissional e material.
Não podemos, contudo, deixar de assinalar que algumas destas medidas foram herança deixada pelo PS, tais como o abate cego de escolas rurais que foi o orgulho de Lurdes Rodrigues, os mega-agrupamentos ou “school clusters” de que Sócrates reclamava a patente ou os ajustamentos curriculares ao OE, transformados em mais uma aventura de Isabel Alçada. PSD e CDS encontraram, assim, caminho desbravado que hoje percorrem com satisfação.
Se dúvidas persistissem sobre o trajeto que está a ser percorrido, bastaria que desfolhássemos o guião de uma tal reforma do Estado para nele encontrarmos a confissão de que nada do que está a acontecer ou a ser preparado se destina a cumprir metas, mas sim a alterar o modelo democrático que ainda temos.
Não integrando o que a direita considera ser o núcleo de funções essenciais do Estado, a Educação ficaria à mercê de interesses privados que, diretamente ou por esquemas manhosos de contratualização ou municipalização depressa transformariam os alunos em mercadoria.
Neste contexto muito negativo e de grande complexidade, torna-se inevitável que reforcemos a defesa da Escola Pública de qualidade, democrática, inclusiva e gratuita. Nisto não há volta a dar. Esta Escola Pública é a alternativa às pobres escolas públicas que Passos, Portas, Crato e demais governantes inscreveram no guião de destruição das funções sociais do Estado.
Assim, e assumindo o objetivo democrático de defesa da Escola Pública, urgem medidas como:
- A aprovação de uma Lei de Financiamento da Educação que estabeleça regras claras e competências neste domínio para todos os graus e níveis de ensino;
- A gestão democrática das escolas e o envolvimento, nos níveis adequados, dos diversos intervenientes;
- Um quadro de autonomia verdadeira, sendo reconhecido às escolas, essencialmente no plano pedagógico, o poder de decidir em questões essenciais e estabelecer regras próprias numa perspetiva de autogoverno e num contexto de responsabilização;
- Uma rede escolar adequada às necessidades das populações, composta por escolas cuja dimensão também seja fator de humanização;
- Um quadro de referência que contribua para uma educação verdadeiramente inclusiva;
- A garantia de recursos humanos adequados, quer em quantidade, quer em formação, sejam docentes ou não docentes, incluindo técnicos especializados;
- A existência de boas condições de trabalho e estabilidade para todos os profissionais das escolas;
- A realização de uma adequada reorganização curricular, na sequência de um amplo debate social e político, assim como a alteração do regime de avaliação dos alunos devendo esta ser continuada;
- A aposta na investigação científica, como investimento num futuro de progresso e desenvolvimento;
- A reorganização da rede do ensino superior por critérios que não sejam os economicistas e da estrutura e organização dos cursos, libertando-os da matriz de Bolonha;
- A criação de uma ação social escolar que constitua fator de discriminação positiva, num quadro de gratuitidade de frequência de todo o percurso educativo e escolar, incluindo o ensino superior.
Estas são, sem esgotar a listagem, medidas fundamentais de uma política alternativa, patriótica e de esquerda na Educação.
A Escola Pública, como o país, não resiste mais às políticas de direita que a agridem continuadamente, pelo que se torna indispensável correr com o governo que a destrói. E sendo verdade que a demissão deste governo não é condição suficiente para que se alterem as políticas, ela será sempre uma condição necessária que não pode ser adiada.