Exposição de motivos
O projeto de Comunicação da Comissão Europeia relativa aos auxílios estatais a filmes e a outras obras audiovisuais vem no seguimento de uma anterior Comunicação da Comissão, de 2001, cuja vigência tem sido protelada até hoje. Tal projeto foi submetido a um primeiro processo de consulta pública entre Junho e Novembro de 2011 e encontra-se em consulta pública, em segunda ronda, até 28 de Junho de 2013.
No essencial, o projeto de Comunicação em causa, que aguarda contributos para que ganhe forma de versão final e para que substitua efetivamente a Comunicação de 2001, prevê a introdução de novas orientações no que toca a um conjunto de áreas, no âmbito do cinema e do audiovisual. No entanto, a Comissão Europeia introduz neste projeto de Comunicação um conjunto de limitações à territorialização da despesa resultante dos apoios estatais que se coaduna com a linha política que a caracteriza, mas não com a preservação e promoção da diversidade cultural que devem caracterizar os diferentes Estados, nomeadamente no plano da produção cinematográfica.
A negociação de um Acordo Comercial entre a União Europeia e os Estados Unidos tende a favorecer a proposta da Comissão, salvo no caso em que sejam manifestamente excecionados desse Acordo os bens culturais, salvaguardando os interesses e a diversidade cultural, tal como resulta da votação no Parlamento Europeu para a exclusão da Cultura do âmbito do Acordo a negociar entre a União e os Estados Unidos.
O Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português, apesar da posição de fundo que assume contra a forma e os pressupostos iniciais de que se parte para o Acordo Comercial entre a UE e os EUA, considera fundamental que o âmbito cultural resista excecionado do mercado livre, pelo simples facto de não considerar o acesso à Cultura como acesso a uma mercadoria, antes como um direito.
Por isso mesmo, é importante que, no contexto da consulta pública sobre a Comunicação da Comissão relativa aos auxílios estatais a filmes e outras obras audiovisuais, a Assembleia da República Portuguesa e o Governo Português tomem posição pela possibilidade de territorialização da despesa resultante de apoios, tal como consta aliás, da legislação em vigor em Portugal. A territorialização da despesa com produção cinematográfica não é um mero mecanismo de salvaguarda económica, mas também – e acima de tudo – um mecanismo de preservação e promoção do potencial criativo e técnico instalado em cada país. A obrigatoriedade de realizar despesa em bens e serviços no interior do país ou países que apoiam a produção reflete-se igualmente na alimentação e conservação de um sector técnico e artístico que importa que exista e se alargue em cada Estado-Membro, ao invés de se concentrar num ou outro, ou fora da União.
O apoio dos Estados à produção cinematográfica não pode – como o próprio Tratado de Funcionamento da União Europeia já faz – ser considerado como uma interferência na concorrência, pois que as produções cultural e artística não são mercados concorrenciais como o de bens e serviços não essenciais. A produção cinematográfica em Portugal é e deve ser vista como uma expressão do direito à criação e fruição artística e não como um mero negócio sujeito às regras do mercado do entretenimento. A aplicação de uma política de extinção da territorialização da despesa ou de eliminação ou restrição da possibilidade de apoiar, por via do Estado, a produção cinematográfica e audiovisual, resultariam na destruição da diversidade nacional e internacional, na imposição de uma norma estética de entretenimento e na sujeição da circulação de cinema europeu à circulação dos produtos de entretenimento de indústrias cinematográficas que prosseguem estritamente o lucro, como boa parte das grandes produções americanas e dos produtos favorecidos pela grande distribuição cinematográfica.
A Assembleia Nacional Francesa aprovou por unanimidade um Projeto de Resolução que expressa a sua oposição a limitações impostas à territorialização das despesas resultantes de apoio estatal à produção cinematográfica e audiovisual. Igualmente, o Bundestag, o Parlamento Alemão, tomou semelhante posição. É importante que os Estados mantenham a capacidade de definir limites mínimos de despesa interna em produções ou co-produções, bem como é fundamental que mantenham a capacidade de definir os critérios da territorialização da despesa, nomeadamente no que toca a despesas com bens e serviços.
Assim, sem prejuízo de uma posição mais aprofundada que o Partido Comunista Português possa vir a assumir sobre a Comunicação do Cinema e sobre o Acordo e as negociações que o antecedem, importa salvaguardar desde já a possibilidade de os Estados-Membro continuarem a estabelecer mínimos de despesa territorializada.
Nestes termos, ao abrigo da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento da Assembleia da República, o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projeto de
Resolução
A Assembleia da República, nos termos do n.º 5 do artigo 166.º da Constituição da República, resolve:
1. Manifestar oposição à limitação dos mecanismos de territorialização das despesas resultantes de apoios estatais à produção cinematográfica e audiovisual contida no Projeto de Comunicação da Comissão;
2. Recomendar ao Governo que expresse no Conselho Europeu posição concordante com a assumida pela Assembleia da República.
Assembleia da República, em 21 de junho de 2013