O presente decreto-lei veio tornar obrigatória a entrega do SAFT da contabilidade de todos os sujeitos passivos que, por agora, preencham o Anexo A e I da IES. É criada assim uma obrigação declarativa, a submissão prévia e validada do ficheiro de auditoria SAFT da contabilidade, sem a qual deixa de ser possível cumprir a outra obrigação declarativa, a IES e, no caso das sociedades comerciais, o depósito de contas.
Chama-se a atenção para o facto de se aprovar este decreto-lei num Conselho de Ministros de 6 de setembro e o mesmo decreto-lei só ser publicado no dia 31 de tarde, para entrar em vigor logo no dia seguinte. Ou seja, a liquidação de empresas ainda em 2018 fica já sujeita à entrega do ficheiro SAFT da contabilidade.
A questão é o grau de informação que o ficheiro SAFT da contabilidade contém e que vai muito para além da transmissão de saldos para pré-preenchimento declarativo (que aliás já hoje se faz a partir das aplicações existentes, mesmo que pudesse vir a ser melhorado no futuro).
No ficheiro SAFT, para além de questões de natureza de registo contabilístico, quem alterou, quando, o quê e como, quantas vezes, estão aqui registadas todas as relações bancárias, comerciais, sociais e económicas do sujeito passivo com contabilidade organizada, até ao mais ínfimo detalhe. Muita desta informação caí sobre a égide do sigilo profissional, bancário, comercial (quando isto for para o SNL, a autonomia sindical e a liberdade de associação), tendo uma natureza privilegiada que mesmos os gerentes e os sócios muitas vezes têm um pequeno acesso, mesmo as restantes entidades públicas e privadas que acedem à informação do IES.
Do que se trata, em paralelo com o e-fatura, é a AT concentrar nas suas mãos a totalidade da informação económica, financeira e social dos sujeitos passivos privados, quando o Ministério das Finanças já possui a restante informação relativa ao sector público.
Está em causa informação que vai desde o detalhe de todos os movimentos bancários, até às relações comerciais entre sujeitos passivos, a políticas de descontos até aos contactos comerciais e pessoais que se encontrarem detalhados numa ficha de terceiros.
A questão que se impõe é a de saber para que precisa a AT de toda esta informação. Importa recordar que o SAFT existente da contabilidade é um ficheiro de auditoria, que já hoje é entregue em situações de inspeção de um sujeito passivo (apesar da banalização do seu pedido por parte da AT e cada vez mais com a entrega do mesmo através de correio eletrónico, sem os devidos cuidados de quem consulta e para quê).
Com o acesso prévio da AT, todos os sujeitos passivos, quer sobre eles recaiam ou não indícios ou suspeitas de comportamentos irregulares, passam a ser inspecionados de forma preventiva e serem verem garantidos os seus direitos. Além disso, autodeclaram a informação contida no ficheiro, sem terem consciência da mesma.
É uma evidência que os riscos de uso indevido desta informação concentrada irão incidir sobretudo sobre os micro e pequenos empresários, quer sobre forma coletiva ou individual.
Este decreto-lei vem impor procedimentos contabilísticos por via fiscal, que nada têm a ver com a contabilidade, mas apenas para dar satisfação às necessidades de exportação e entrega do ficheiro SAFT e da possibilidade sobre ele de extrapolar outros dados.
A ideia da AT se substituir ao sujeito passivo na obrigação declarativa fiscal e até ao apuramento do próprio imposto é uma ambição, que só será possível com a entrega deste ficheiro, mas que levanta muitas dúvidas do ponto de vista dos direitos e deveres dos cidadãos. É bom lembrar que não estamos no socialismo, mas inseridos na lógica de um sistema capitalista em que o uso e abuso desta informação será determinante.
Por outro lado, existe o fator de adaptação e certificação dos softwares, um gasto cada vez mais gritante para os sujeitos passivos e para quem exerce a contabilidade.
Existem outras formas de simplificação, como a geração de relatórios dos sistemas de contabilidade com saldos para o pré-preenchimento declarativo que poderiam ser entregues previamente ou extraídos no momento da submissão. Mas o que o decreto-lei em causa vem determinar é mesmo a centralização da totalidade da informação que se encontra no SAFT.
Este precedente, se agora avançar, dificilmente terá recuo ou remédio no futuro, razão pela qual o PCP considera fundamental a Apreciação Parlamentar deste decreto-lei.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 87/2018, de 31 de outubro, que “procede à sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 8/2007, de 17 de janeiro, estabelecendo que o preenchimento da Informação Empresarial Simplificada (IES), bem como da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal (DA), passe a ser efetuado após prévia submissão do ficheiro normalizado de auditoria tributária, designado de SAF-T (PT), relativo à contabilidade, à Autoridade Tributária e Aduaneira e respetiva validação”, publicado no Diário da República n.º 210/2018, Série I de 31 de outubro de 2018.
Assembleia da República, 29 de novembro de 2018