(Publicado no Diário da República, I Série, nº 228, 28 de novembro de 2016)
Exposição de Motivos
O PCP sempre denunciou e combateu a perspetiva de privatização que o Governo do PSD/CDS tinha para a Sociedade de Transportes Coletivos do Porto (STCP).
A STCP, pela importância que tem para o distrito do Porto como instrumento fundamental para garantir a mobilidade das populações, não podia ser alvo de privatização. Para o PCP, a mobilidade, a qualidade e a quantidade dos transportes públicos no distrito do Porto não podem estar condicionados à lógica do lucro, mas sim, podem e devem estar comprometidas com o serviço público às populações.
Na verdade, a experiência das linhas que já foram exploradas pela STCP e que agora estão a cargo de operadores privados (p.ex. as carreiras 55, 70, 64, 68, 69 e outras), comprovou que nestes casos rapidamente se degrada a frequência e a qualidade do serviço de transporte.
Assim, para o PCP era fundamental travar o processo de privatização que PSD e CDS pretendiam implementar, como é hoje fundamental intervir sobre o processo de municipalização em curso.
O resultado das eleições legislativas de outubro de 2015, com a alteração de correlação de forças na Assembleia da República, permitiu derrotar o Governo PSD/CDS e travar o processo de privatização da STCP.
Aliás, foi possível aprovar na Assembleia da República, por iniciativa do PCP, alterações aos estatutos da STCP que reforçaram a sua condição de empresa pública.
Contudo, e não obstante a manutenção da propriedade da empresa na esfera pública, a verdade é que o atual Governo PS insiste num processo de municipalização, que o PCP rejeita.
Processo de municipalização que significa, na opinião do PCP, uma desresponsabilização do Estado das suas obrigações de garante de mobilidade das populações e que se irá traduzir, mais cedo ou mais tarde, no aumento dos preços e no surgimento de constrangimentos de natureza financeira junto das autarquias, que irão reduzir ou extinguir oferta de transportes públicos.
Este caminho, a concretizar-se, irá por em causa a mobilidade das populações e abrirá portas para que os privados explorem, com cada vez maiores margens de lucros e pior serviço público, as linhas que são mais rentáveis.
O Decreto-lei n.º 82/2016, que determina a descentralização, parcial e temporária, de competências de autoridade de transportes do Estado para a Área Metropolitana do Porto, relativas ao serviço de transporte público de passageiros operado pela Sociedade de Transportes Coletivos do Porto, S. A. (STCP), bem como a descentralização, parcial e temporária, da sua gestão operacional, é um passo no caminho do enfraquecimento do serviço público de transportes, o que, para o PCP, é inaceitável.
Com este Decreto-lei, o Governo PS abre a porta à desresponsabilização do Estado das suas obrigações e, consequentemente, à privatização de cada vez mais linhas da STCP, com graves consequências para as populações.
Importa referir que este Decreto-lei surge num momento de grande fragilidade da STCP, que se encontra profundamente afetada pelas consequências das opções impostas por governos anteriores e que levaram à diminuição da oferta e degradação do serviço público e consequente diminuição da procura.
A situação atual da empresa é calamitosa e pode ser caracterizada por um número insuficiente de veículos no terreno, por uma quebra muito significativa na sua manutenção, pela degradação da frequência média das linhas – que agora se aproxima dos 30 minutos -, pelo aumento do número de viagens perdidas e, mais recentemente, por uma nova agudização do défice de pessoal.
Atendendo à gravidade da situação descrita, torna-se evidente que a municipalização não resolverá os problemas da empresa e que os objetivos anunciados pelo Governo PS – “promover a gestão e o uso eficiente dos recursos públicos”, a “universalidade do acesso e da qualidade dos serviços”, a “coesão económica, social e territorial”, o “desenvolvimento equilibrado do sector dos transportes e a articulação intermodal” – são parte integrante de um discurso vazio, que visa ocultar as reais consequências de um processo que conduzirá a STCP num sentido diferente do necessário e do desejado pelos trabalhadores e pelos utentes.
Com este Decreto-lei, que o Grupo Parlamentar do PCP chama à apreciação parlamentar, o Governo PS cria vários problemas.
Além da desresponsabilização do Estado das suas obrigações de financiamento, com a entrega da gestão operacional da STCP e da Autoridade de Transportes à Área Metropolitana do Porto (AMP), o Governo PS abre caminho à degradação do serviço e à privatização futura de linhas. Importa referir que grande parte dos municípios que compõem a AMP estão numa situação financeira muito preocupante, tendo pouca ou nenhuma capacidade para realizar os investimentos necessários para resolver os problemas estruturais que a STCP enfrenta, nomeadamente, a falta de recursos humanos e a aquisição de novas viaturas.
Na verdade, o Governo PS pretende que as Câmaras que, com o argumento de falta de meios e/ ou de vocação, privatizaram o abastecimento de água, saneamento básico, recolha de lixo, estacionamento na via pública e equipamentos públicos, consigam agora gerir a STCP, que intervém de forma diferenciada em seis concelhos, tem falta de motoristas e uma resposta insuficiente às necessidades da região.
Este decreto-lei abre, escancara a porta à privatização das linhas que hoje estão entregues à STCP. Na verdade, os municípios ficariam responsáveis pelo tarifário, definição da rede e do serviço público a prestar, tendo a possibilidade de recorrer a serviços de transporte "complementares" e "afluentes" (por outras palavras, a contratar privados para substituir carreiras da STCP ou canalizar passageiros para os operadores privados de transportes). Desta forma, o Governo PS pretende ainda contornar o impedimento à privatização de serviços consagrada no Estatutos.
O governo demite-se, portanto, de quase todas as suas responsabilidades, permitindo que a AMP possa alterar o serviço público como melhor entender, bastando que, para isso, lhe seja dado conhecimento.
Com este Decreto-lei, o Governo PS assume a desresponsabilização, por parte da Administração Central, do financiamento da STCP quando assume que, no futuro, os municípios podem assumir o pagamento das compensações administrativas através de contrato a celebrar entre a AMP e os seis municípios envolvidos.
A única área em que fica claro que o governo não prescinde do seu poder é no que concerne a decisões que tenham impacto na dívida histórica desta empresa.
Neste ponto em particular, torna-se evidente que todo o processo fica subordinado à chamada "sustentabilidade económica"; essa parece ser, aliás, a única prioridade deste processo.
Assim, para o PCP não sobra nenhum aspeto que se possa salvar deste Decreto-lei, pelo que, com esta apreciação parlamentar, o PCP irá propor a cessação da vigência deste Decreto-lei e assim travar este processo desastroso para a STCP e impedir as consequências nefastas para as populações do distrito do Porto.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem a Apreciação Parlamentar do, Decreto-Lei n.º 82/2016, de 28 de novembro que “Determina a descentralização, parcial e temporária, de competências de autoridade de transportes, do Estado para a Área Metropolitana do Porto, relativas ao serviço de transporte público de passageiros operado pela Sociedade de Transportes Coletivos do Porto, S. A. (STCP), e a descentralização, parcial e temporária, da gestão operacional da STCP”, publicado no Diário da República, I Série, n.º 228, 28 de novembro de 2016.
Assembleia da República, 22 de dezembro de 2016