Apreciação Parlamentar N.º 16/XIV/1.ª

Decreto-Lei n.º 23/2020, de 22 de maio (Estabelece as regras para a celebração de contratos de parceria de gestão na área da saúde)

Exposição de Motivos

Foi publicado no Diário da República o Decreto-Lei n.º 23/2020, de 22 de maio que “Estabelece as regras para a celebração de contratos de parceria de gestão na área da saúde”, que determina as condições não só para a renovação das parcerias públicos privadas (PPP) existentes, como permite a criação de novas PPP na área da saúde, o que contraria a norma aprovada na Lei de Bases da Saúde.

A publicação deste diploma decorre da regulamentação da Lei de Bases da Saúde. A Lei de Bases da Saúde aprovada em 2019 na Assembleia da República, reafirma o carácter público, universal e geral do Serviço Nacional de Saúde, privilegiando o serviço público da prestação de cuidados de saúde e da gestão dos equipamentos públicos de saúde, enquanto os setores privados e sociais têm um papel supletivo.

No espírito da Lei de Bases da Saúde, as parcerias público privadas (PPP) e a gestão privada de equipamentos de saúde não têm lugar.

O artigo 3.º da Lei nº 95/2019, de 4 de setembro, Lei de Bases da Saúde determina que o Governo dispunha de 180 dias para aprovar a “legislação de desenvolvimento que defina os termos da gestão pública dos estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde”. Ora, não é isto que faz o Decreto-lei n.º 23/2020, de 22 de maio que o Governo aprovou. O seu conteúdo não se refere à gestão pública dos estabelecimentos do SNS, contrariando o espírito da Lei de Bases da Saúde, mas sim à sua privatização através do modelo de PPP.

O Governo faz uma interpretação abusiva da Base 6 da Lei de Bases da Saúde para sustentar a sua opção política de manutenção das PPP. A Base 6 da Lei de Bases da Saúde refere que “a responsabilidade do Estado pela realização do direito à proteção da saúde efetiva-se primeiramente através do SNS e de outros serviços públicos, podendo, de forma supletiva e temporária, ser celebrados acordos com entidades privadas e do setor social, bem como com profissionais em regime de trabalho independente, em caso de necessidade fundamentada”. Esta Base não se refere à gestão de equipamentos públicos do SNS, mas sim à prestação de cuidados de saúde, considerando que há um conjunto de cuidados de saúde que o SNS ainda não dispõe de capacidade para responder às necessidades dos utentes, como são exemplo, os meios complementares de diagnóstico e terapêutica ou a realização de alguns tratamentos, como fisioterapia.

A renovação das parcerias público privadas em curso, isto é, as PPP do Hospital de Cascais e do Hospital de Loures não são abrangidas por este diploma.

O Decreto-Lei determina que a constituição de novas PPP e a renovação está dependente da realização de um estudo em que sejam avaliadas as várias possibilidades existentes para a gestão de equipamentos e estabelece os princípios de gestão pública que as PPP devem obedecer.

No entanto, a realidade demonstra-nos que esses princípios são muitas vezes contornados com práticas que são prejudiciais para os utentes e para o interesse público. Negar a prestação de cuidados de saúde a doentes e encaminhá-los para outros hospitais para não suportarem os elevados custos associados, alterar a situação de saúde para cobrar por cuidados que não foram prestados ou alterar as prioridades na triagem do serviço de urgência para evitar que fossem penalizados pelos elevados tempos de espera, são alguns dos exemplos de práticas das PPP, penalizadoras para os utentes e para o Estado, evidenciando que a sua preocupação não é a prestação de cuidados com qualidade mas a maximização do lucro à custa da doença. Em relação aos profissionais de saúde há PPP que sistematicamente desrespeitam direitos e não garantem condições de trabalho. Há enfermeiros e técnicos no Hospital de Braga que o seu salário base era inferior à base da carreira na Administração Pública.

Nos primeiros meses do surto epidémico ficou muito claro que os grupos privados da saúde estão mais interessados no negócio da doença, do que na promoção da saúde.

Com a aprovação deste diploma, o Governo opta por manter um modelo de gestão de equipamentos públicos de saúde que não defende os interesses públicos, nem os interesses dos utentes. Na anterior Legislatura procedeu-se à reversão da PPP do Hospital de Braga, integrando o Hospital na gestão pública desde 1 de setembro de 2019, para a qual o PCP muito lutou e contribuiu.

Terminando agora os contratos com as entidades gestores das PPP na área da saúde, o que se exigia era não desperdiçar esta oportunidade e proceder a sua reversão para a gestão pública dos equipamentos do SNS, por ser o que defende o interesse público, dos profissionais de saúde e das populações.

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição e ainda dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n.º 23/2020 de 22 de maio, que “Estabelece as regras para a celebração de contratos de parceria de gestão na área da saúde”, publicado no Diário da República n.º 100/2020, 1º Suplemento, 1.ª Série de 22 de maio de 2020.

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