(Publicado no Diário da República, I Série, n.º 193/2017, de 6 de outubro de 2017)
Exposição de Motivos
A necessidade de levar a cabo um processo de revisão e reforço da proteção social na deficiência e outras situações de incapacidade (sejam de natureza física, orgânica, sensorial ou mental), visando a adoção de critérios de justiça na atribuição de prestações sociais que permitam compensar de encargos e necessidades específicas que destas situações decorrem, é reconhecida pelo PCP.
Reconhecemos o importante passo que esta medida representa, estando em sintonia no que toca à filosofia geral que presidiu à sua apresentação, e sabendo que a criação de uma prestação única nesta área é uma reivindicação antiga das organizações representativas das pessoas com deficiência.
Uma análise sobre a criação de uma prestação desta natureza não está desligada de uma análise que considere as prestações e apoios sociais destinadas a pessoas com deficiência ou incapacidade existentes, cujos valores são muito baixos e que não promovem a sua autonomia.
A possibilidade de acumulação das prestações sociais dirigidas às pessoas com deficiência é uma reivindicação de longa data das pessoas com deficiência e das suas organizações representativas, pelo que as possibilidades que esta nova prestação social abre a este nível são importantes.
Não obstante os aspetos positivos e os sinais dados pela criação desta prestação social, há matérias no Decreto-Lei que nos merecem preocupações.
Entendemos que esta prestação social tem que ser uma oportunidade para melhorar e reforçar a proteção social das pessoas com deficiência e que a sua abrangência deve ser mais ampla e significativa.
Esta prestação destina-se a pessoas com deficiência igual ou superior a 60% (e de forma mais favorável para pessoas com deficiência ou incapacidade superior a 80%). Estas limitações deixam de fora situações que, não atingindo os 60% de incapacidade, podem implicar obstáculos iguais ou equiparáveis a pessoas com 60% de incapacidade.
As condições gerais de atribuição desta prestação (art.º 15.º do DL em apreciação) merecem preocupação pelo que podem significar de exclusão de um grupo alargado de pessoas com deficiência, tanto pelo que se referencia no n.º 2 do art.º 15.º “Caso a pessoa com deficiência seja beneficiária de pensão de invalidez do sistema previdencial de segurança social, do regime de proteção social convergente ou de outro regime de proteção social de inscrição obrigatória nacional ou estrangeiro, o reconhecimento do direito à prestação depende daquela ter uma deficiência da qual resulte um grau de incapacidade igual ou superior a 80 %.”, como no n.º 4 deste mesmo artigo que diz “O reconhecimento do direito à prestação entre os 55 anos e a idade normal de acesso à pensão de velhice em vigor depende de, comprovadamente, a certificação da deficiência ter sido requerida antes dos 55 anos de idade, ainda que a certificação ocorra posteriormente àquela idade.” – a necessidade imperativa colocada neste DL da incapacidade ser reconhecida antes dos 55 anos exclui muitas pessoas com deficiência do acesso a esta prestação social.
Simultaneamente, sendo esta uma prestação “nova”, seria positivo que os critérios de atribuição e acesso fossem definidos em função da realidade à qual esta prestação responde, não se baseando em critérios já existentes para outras prestações sociais (designadamente o DL n.º 70/2010, de 16 de junho).
Como temos referido desde o início da discussão sobre esta prestação social, a mesma não poderia significar nunca menor proteção social para as pessoas com deficiência e precisava garantir que todos os atuais beneficiários do subsídio vitalício e da pensão social de invalidez transitariam automaticamente para esta nova prestação – o que não se verifica, se tivermos em consideração a redação do n.º 2 do art.º 15.º, acima citado. De acordo com esta redação, os beneficiários da pensão social de invalidez, com uma incapacidade inferior a 80% não transitam automaticamente para esta prestação.
A nossa Constituição determina que o Estado tem a obrigação de “realizar uma política nacional de prevenção, tratamento, reabilitação e integração” das pessoas com deficiência, bem como de apoio às suas famílias, devendo “assumir o encargo da efetiva realização dos seus direitos.”
O Estado português está vinculado a diplomas internacionais, como a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com deficiência que determina, no n.º2 do seu art.º 28.º que “Os Estados Partes reconhecem o direito das pessoas com deficiência à proteção social e ao gozo desse direito sem discriminação com base na deficiência e tomarão as medidas apropriadas para salvaguardar e promover o exercício deste direito (…)”.
A realidade tem mostrado que as pessoas com deficiência e as suas famílias estão especialmente vulneráveis a situações de pobreza e exclusão social. Sem prejuízo de medidas transversais que importa tomar e efetivar, a proteção social e o acesso à mesma por parte das pessoas com deficiência pode traçar um caminho que garanta melhores condições de vida às pessoas com deficiência.
Não obstante a discussão pública que antecedeu este diploma, durante a qual pessoas com deficiência, suas famílias e organizações representativas das pessoas com deficiência puderam pronunciar-se e dar contributos sobre a então proposta apresentada, após a publicação do diploma, foram identificadas no mesmo insuficiências e manifestadas reservas e preocupações várias, que chegaram ao Grupo Parlamentar do PCP.
Entendemos, assim, que esta é uma matéria sobre a qual importa discutir e refletir.
Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP, ao abrigo da alínea c) do artigo 162.º e do artigo 169.º da Constituição, bem como dos artigos 189.º e seguintes do Regimento da Assembleia da República, requerem a Apreciação Parlamentar do Decreto-Lei n. º 126A/2017, de 6 de outubro - «Institui a Prestação Social para a Inclusão.»
Assembleia da República, 3 de novembro de 2017