Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Declarações da Deputada do PSD Teresa Leal Coelho, sobre o Tribunal Constitucional, feitas ao jornal Público

Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado António Braga,
Gostaria de o ouvir acerca de duas questões: uma delas diz respeito às orientações do Partido Socialista; a outra, pela qual vou começar, não diz respeito ao Partido Socialista mas, sim, a um tema que abordou na sua intervenção, que são as afirmações proferidas pela Sr.ª Deputada Teresa Leal Coelho acerca dos juízes do Tribunal Constitucional.
Ainda não ouvimos, da parte do PSD, uma desautorização destas afirmações.
Diz o Sr. Deputado Hugo Lopes Soares «era só o que faltava», mas vamos ver. É que não se trata de uma crítica a decisões do Tribunal Constitucional — ninguém está acima da crítica e as críticas são normais em democracia.
Nós já as fizemos, os senhores já as fizeram, os partidos da direita já as fizeram. O problema não é esse.
O problema é que, nessa entrevista, diz a Sr.ª Deputada o seguinte: «Alguns dos juízes cuja candidatura foi apontada por nós…» — estou a citar, está entre aspas — «… criaram a ilusão de que tinham uma visão filosófico-política que seria compatível com aquilo que é o projeto reformista que temos para Portugal no âmbito da integração na União Europeia. Nós tivemos a ilusão de que esta era a perspetiva dos nomes que candidatámos a juízes do TC. Parece que não passou de uma ilusão.»
Ou seja, o que a Sr.ª Deputada diz é que o PSD contacta candidatos para o Tribunal Constitucional na convicção de que eles vão subscrever as posições do PSD nesse Tribunal, não vão defender a Constituição!… Querem que vão defender o PSD e as opções do seu Governo, e não a Constituição.
Depois, Sr. Deputado, é feita uma afirmação absolutamente extraordinária: «E, se calhar, temos de ponderar sanções jurídicas para os casos em que os poderes que são distribuídos, incluindo ao TC, são extravasados.»
Srs. Deputados, sanções jurídicas?! Quais sanções?
Serão sanções de natureza contraordenacional? O PSD pretende estabelecer coimas e os juízes do Tribunal Constitucional, caso não decidam como o Governo quer, recebem uma coima? Ou serão de natureza jurídico-penal? O que é que será?
Sanções jurídicas, Sr. Deputado?! Isto é de uma gravidade extrema do ponto de vista do regime. É uma ameaça aos juízes com sanções jurídicas pelo conteúdo das suas decisões, Srs. Deputados! Isto é algo absolutamente inédito na vida política portuguesa e é extraordinariamente grave que não haja uma desautorização formal do PSD em relação a declarações como estas.
Sr. Deputado, com a tolerância da Sr.ª Presidente, gostaria de me referir ainda a outra questão. O Partido Socialista, há pouco tempo, votou contra o projeto de resolução do PCP que preconizava a renegociação da dívida pública portuguesa como forma de a tornar sustentável, e não preciso de citar as afirmações que o PS aqui fez contra essa nossa posição. Bom, acontece que na declaração de voto que apresentaram acerca da moção de censura, que fizeram muito bem em votar favoravelmente, o PS defende precisamente a renegociação da dívida aos credores oficiais.
Trata-se de uma posição que o PS ainda não tinha defendido e que, pelo contrário, tinha contrariado. Muito gostaríamos de saber qual é, afinal, a posição do PS relativamente a esta matéria para nos podermos orientar.
Finalmente, Sr. Deputado António Braga, ficámos espantadíssimos quando ouvimos a defesa pelo Partido Socialista de uma proposta que sempre contrariou e que é contra a sua matriz: a defesa da ideia populista da redução do número de Deputados, que a direita sempre defendeu e que o PS sempre contrariou, aliás, com muito bons argumentos.
Lembramos aqui que houve falhanços na alteração da lei eleitoral precisamente porque o PS não quis aceitar a posição do PSD de redução do número de Deputados. Fê-lo com muito boas razões, daí que tenhamos ficado absolutamente espantados quando vimos o PS, recentemente, aderir a essa tese que a direita portuguesa sempre defendeu.
Gostaríamos muito que houvesse também uma clarificação do PS relativamente a esta matéria para sabemos de que lado está.

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