Senhor Presidente
Senhores Deputados
A coberto de uma autorização legislativa, inviabilizando dessa forma, uma apreciação profunda da chamada reforma do arrendamento urbano, o Governo prepara-se para frustrar inadmissível, arbitrária e onerosamente, expectativas jurídicas de milhares de famílias deste país.
As profundas alterações que pretende introduzir na legislação, têm sido contrabandeadas para a opinião pública, com algum terrorismo verbal, destinado a esconder o terrorismo social da lei em gestação.
Alguém do Governo afirmava ontem:
Não há alternativa. A solução é esta, a derrocada do Parque urbano.
Desta dramática maneira, o Governo, pretende dizer que a frustração das expectativas jurídicas de milhares de inquilinos é justificada pela necessidade de salvaguardar um interesse prevalecente.
Esta é uma da cortinas de fumo que o Governo descerrou sobre os seus reais objectivos.
Cortina que não resiste e facilmente se esvai. E muito rapidamente porque a demagogia é tosca.
Muito evidente, no que toca ao arrendamento para o comércio.
As associações dos pequenos e médios comerciantes, mal refeitas da estupefacção ainda não querem acreditar. O mesmo se diga das Associações de turismo, sector também gravemente afectado por estas propostas.
Não é ao arrendamento comercial que podem ser imputadas a situação de degradação do Parque urbano imobiliário.
Os estabelecimentos de restauração, por exemplo, são sujeitos a fiscalizações frequentes. A legislação é exigente no que toca aos requisitos de higiene e segurança, e obriga os inquilinos a fazer investimentos para poderem continuar a laboração.
O outro comércio, o pequeno e médio, sofrendo já o forte embate da concorrência das grandes superfícies comerciais, é também compelido a fazer investimentos que beneficiam os imóveis.
O próprio Governo incentiva esta área de serviços a realizar investimentos necessários à modernização. Criaram-se programas para impelir os comerciantes a fazer obras. Onerou-se estes inquilinos criando-se-lhes expectativas fundadas num arrendamento sem duração limitada.
O Governo sabe que no arrendamento comercial são os inquilinos que fazem as obras. E tanto é assim que a lei em projecto dá já uma autorização legal para que todas as obras sejam feitas pelo inquilino. O que não permite nos arrendamentos habitacionais. Nestes últimos, e não vá o diabo tecê-las e dificultar a expropriação do lar familiar pela potestas do senhorio, só este está legalmente habilitado a fazer as obras. Mas no arrendamento comercial, assim não acontecerá. A lei incentiva este inquilino a conservar e melhorar o seu estabelecimento.
Os programas que o Governo disponibiliza para modernização dos estabelecimentos comerciais, mais não fizeram do que consolidar as expectativas daqueles que contavam que a lei garantisse a estabilidade do arrendamento, necessária á defesa de um património inestimável - o estabelecimento.
Assim, o argumento da necessidade de recuperação do parque imobiliário não se aplica ao arrendamento comercial. Também não se aplica ao habitacional, mas isso veremos mais adiante.
E a propalada necessidade de garantir a mobilidade dos inquilinos, despejando-os, para garantir a competitividade (espantoso como se recupera o debate da legislação laboral, agora contra o pequeno patronato) também falseia o debate da lei, e muito evidentemente em relação ao arrendamento comercial.
De facto, o comércio que se exerce num estabelecimento criado pelo inquilino, desaparece com a perda do estabelecimento.
Ao desaparecimento do estabelecimento conduzem soluções como a renda negociada em negócio leonino favorecendo o senhorio e fomentando os despejos. E também a famigerada disposição que torna todos os arrendamentos em arrendamentos precários. Aquela que torna possível que os contratos de duração ilimitada sejam denunciados pelo senhorio com pré-aviso de 3 anos.
Desaparece o trespasse que só continuará na lei formalmente. Porque não há ninguém que tome de trespasse um estabelecimento que poderá desaparecer com facilidade.
Assim, o Governo frusta expectativas fundamentadas dos inquilinos comerciais, sem que possa invocar um interesse prevalecente.
Alguns destes inquilinos são vítimas do seu azar de terem o seu estabelecimento comercial nos centros das cidades, em zonas no alvo dos especuladores imobiliários. E é tão só essa a razão que move o Governo. Sem cuidar de saber qual o destino dos trabalhadores destes estabelecimentos.
Os arrendamentos habitacionais são também vítimas da protecção á especulação imobiliária.
A liberalização das rendas e a precarização da relação locatícia, dinamizam o mercado de arrendamento?
A resposta é claramente negativa.
As rendas estão descongeladas desde 1981. E não foi isso que dinamizou o mercado. Bem pelo contrário. As rendas elevadas fomentaram a aquisição de casa própria. Pagar por pagar, então o sacrifício faz-se para a aquisição de propriedade.
E os contratos a prazo que existem desde 1985 contribuíram para a dinamização?
Mais uma vez a resposta é negativa.
Porque a aquisição de casa própria garante a estabilidade familiar.
A liberalização e a precarização contribuíram para a recuperação do parque urbano?
Obviamente que não. Os prédios continuaram a ficar devolutos e a degradar-se. E se mais degradação não há, isso deve-se, na grande maioria dos casos, a investimentos feitos pelos inquilinos.
O Governo quer que a cura mate o doente.
A precarização e a liberalização conduzem a despejos e não atingem os objectivos anunciados. O exemplo da vizinha Espanha comprova-o.
O Decreto Boyer que teve de ser temperado em 1994 dada a instabilidade social que criou, não dinamizou o mercado de arrendamento, e a preferência dos Espanhóis continuou a ser a aquisição de casa própria.
Também aqui, nos arrendamentos habitacionais, o famoso sistema da renda negociada não conduz a uma renda justa, mas a uma renda especulativa.
A possibilidade de denúncia do contrato com pré-aviso de 3 anos reservado para os arrendamentos de duração limitada, visa tão só a desocupação do prédio para pasto da especulação imobiliária.
Por que será que (a fazer fé em declarações públicas do representante do senhor Presidente da Câmara de Lisboa) os Bancos estrangeiros estão tão interessados na reforma em curso?
Os inquilinos que se encontram ao abrigo da garantia da estabilidade do arrendamento habitacional, vêem agora as suas expectativas frustradas, pela liberalização e precarização que não visam qualquer interesse prevalecente.
Garantem, tão só, a continuidade da especulação imobiliária. Aos especuladores é que a lei reserva a dinamização do seu mercado e maiores taxas de lucro.
Assim, conclui-se facilmente que estamos perante uma lei inconstitucional, porque viola o princípio da confiança no Estado de Direito Democrático.
Afecta inadmissível, arbitrária e onerosamente expectativas jurídicas.
Esperamos que, nessa óptica, o Presidente da República lhe dê o destino adequado.
Disse.
(...)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Fernando Pedro Moutinho,
Agradeço-lhe as perguntas que me fez.
Por acaso, o PCP já tinha pendente na Mesa da Assembleia da República, não sei há quanto tempo, um projecto de lei sobre renda apoiada.
Também apresentámos um outro sobre a obrigação de arrendar os fogos devolutos, porque VV. Ex.as não criam qualquer mecanismo que obrigue a arrendar os fogos devolutos...
São 540 000 os fogos devolutos e não foi a legislação anterior que, efectivamente, resolveu esse problema. Mas isso não tem nada, porque o que os senhores deviam fazer, o que o Governo devia fazer era quer um verdadeiro debate sobre este problema quer apresentar propostas de lei material que tornassem possível um debate aprofundado. Não apresentar uma autorização legislativa e logo no meio da apresentação e do debate do Orçamento do Estado!
Efectivamente, faz-se um debate como se fosse um gato, ou outro bicho qualquer, por cima de brasas ou de água escaldada, ou como for…
A resposta à questão que V. Ex.ª colocou é muito simples: sabe que o PCP tinha razão, sempre que combateu? Tinha!
Olhe, o Sr. Deputado não estava cá, porque, enfim, é muito novo, mas eu já tenho uma certa idade e lembro-me muito bem de que, quer em 1985, altura em que eu já cá estava, quer em 1990, altura em que eu também já cá estava, foi sempre apresentado, como bandeira, que «a legislação ia dinamizar o mercado de arrendamento». Sempre, sempre! Que com as rendas altas, etc., ia haver dinamização do mercado e ficava tudo resolvido. Eis senão quando chegamos até esta data e é o próprio Governo que diz que não se tomaram as medidas necessárias para a dinamização!... Portanto, o PCP tinha razão!!
E o PCP tinha razão porque o que de facto aconteceu foi que, por causa das rendas elevadas, as pessoas — não ouviu, mas eu disse-o na minha intervenção! — optaram por comprar casa, porque, enfim, paga-se caro, mas paga-se para ficar com uma propriedade sua, sem ser a prazo, porque os contratos a prazo também não resolvem o problema.
Depois, Sr. Deputado, já que mais não houvesse, mas esta é a experiência que temos, basta consultar um estudo que o Instituto Nacional de Estatística publicou, com base nos censos de 2001, onde encontrará isto, que estou a dizer, com números.
Mas se isto não bastasse, Sr. Deputado, bastava ir ali à Espanha: olhe, liberalizaram a legislação, em 1985, de uma maneira selvagem! Aconteceu que não houve, assim, grande dinamização: 18% foram os
contratos de arrendamento.
Mas, depois, tiveram de temperar essa lei horrível, porque, segundo se diz no preâmbulo da lei actual, de 1994, criou uma instabilidade social tremenda que não podia continuar.
Portanto, Sr. Deputado, creio que lhe respondi às suas questões.