Intervenção de

Declaração política sobre a actuação do Governo e do Primeiro-Ministro e o descontentamento popular e o protesto<br />Intervenção do Deputado Octávio Teixeira

Senhor Presidente, Senhores Deputados A 4 de Novembro do ano passado, na apresentação do programa de Governo, o Primeiro-Ministro declarava a esta Assembleia que "ao Governo compete definir um conjunto inovador de desafios a vencer e concretizar novas linhas de acção, não aceitando o autismo de quem acha que tudo está bem e basta continuar". Exactamente seis meses depois, no passado dia 4 , é o mesmo Primeiro-Ministro em entrevista à RTP, que categoricamente se vem desmentir a si mesmo. Nessa entrevista o Primeiro-Ministro foi o paradigma do autismo irrecuperável, do conformismo e da resignação. O que foi dado ver e ouvir ao País foi um Primeiro-Ministro embrulhado em desculpas incapazes de encobrir a sua incapacidade prática para coordenar um Governo em que os seus Ministros se degladiam na praça pública, por razões que nada têm a ver com a governação do País mas com o respectivo peso e ambições políticas no seio do partido a que pertencem. Um Primeiro-Ministro que se multiplicou em alegadas preocupações com as dificuldades que os portugueses, e em particular os trabalhadores, sentem, mas que mais uma vez não mostrou qualquer vontade política para procurar as soluções necessárias e urgentes para os problemas de que emergem as dificuldades populares. Um Primeiro-Ministro que se recusa a aceitar as razões substantivas que suscitam a enorme onda de protesto social que se tem verificado em todo o país e que, retomando vícios antigos que julgávamos mortos e enterrados, pretende circunscrever o protesto social a uma "manipulação política" do PCP. Podíamos tomar esta frase como um elogio ao PCP pelo reconhecimento do seu empenhamento consequente nas justas causas dos trabalhadores. Mas, o que é significativo é que desta forma, o Primeiro-Ministro, para além de retomar chavões dos tempos de antanho, confirma o seu autismo e incapacidade de compreender a profundidade e extensão da insatisfação e do protesto populares. O Sr. Primeiro-Ministro quer fazer dos portugueses meros agentes passivos e dóceis, sem opinião e sem vontade próprias. Desengane-se o Senhor Primeiro-Ministro, que os tempos já não estão para isso! A verdade, senhor Presidente e senhores Deputados, é que o País vive hoje uma onda de protesto social com uma dimensão que há anos não se verificava. Como foi notório com as grandes manifestações de massas associadas à Cimeira da União Europeia e às comemorações do "25 de Abril" e do "1º de Maio". E como é indesmentível com as continuadas e participadas greves na administração pública, nos transportes e noutros sectores de actividade. Mas os visíveis desencanto e descontentamento populares não resultam de um qualquer "défice de comunicação" do Primeiro-Ministro nem da incapacidade dos portugueses para compreender a "mensagem" da governação do PS. O grau de iliteracia dos portugueses, que se não reduziu nos últimos cinco anos, é o mais elevado da União Europeia ... mas não tanto! Pelo contrário, a razão profunda desse manifesto e alargado mal estar assenta, precisamente, na apreensão e compreensão pelos cidadãos do enorme fosso que o Governo cavou entre as suas promessas e a sua prática política, do desfasamento radical entre as políticas económicas e sociais prosseguidas pelo Governo e as aspirações e interesses legítimos dos portugueses, dos trabalhadores. A verdade, como o Governo e o PS muito bem sabem, é que a dimensão e a justificação das lutas que os trabalhadores têm levado a cabo assentam indesmentivelmente na situação real que hoje se vive no País. O descontentamento social crescente e visível assenta, sem lugar para dúvidas, nas erradas e injustas políticas económicas e sociais do Governo, no prosseguimento de uma política contra os trabalhadores, de uma política de direita causadora de uma situação de crescente injustiça social sentida por cada vez mais largas centenas de milhar de portugueses. As razões da insatisfação e do protesto populares têm a sua raiz na atitude de resignação assumida pelo Governo face à evolução da economia, remetendo as responsabilidades de tudo o que de mal corre para o exterior, para a União Europeia, e abdicando de quaisquer opções políticas que no quadro comunitário dêem corpo a um projecto nacional. Na orientação da política do Governo com o objectivo de dar permanente satisfação às associações patronais e acrescidas benesses aos grandes grupos económicos, na cada vez maior falta de transparência em negócios como os da privatização da TAP e da GALP, no agravamento da política clientelar. Na política dos dois pesos e duas medidas, bem patente no irresponsável processo do aumento dos preços dos combustíveis, com o Governo a prestimosa e rapidamente dar satisfação às reivindicações dos industriais dos transportes e a negar a mínima compensação aos trabalhadores e aos reformados. Razões da decepção manifesta da maioria dos cidadãos são os adiamentos contínuos de reformas essenciais e urgentes há muito prometidas mas nunca concretizadas, como a da fiscalidade, da saúde ou da justiça, que promovessem uma socialmente mais justa redistribuição da pesada carga fiscal e reduzissem as desigualdades e os elevados custos que persistem no acesso da generalidade dos cidadãos a cuidados de saúde de qualidade e a uma justiça célere e efectiva. O crescente protesto popular que vai alastrando pelo País não se alimenta de alegadas motivações de "natureza política", antes é alimentado pelos crescentes graus de desigualdade na distribuição dos rendimentos, "sem paralelo em qualquer outra sociedade europeia" como há dias aqui recordava o Presidente da República, pela ausência da qualidade de emprego, pelo não assegurar pelo Estado dos direitos no emprego e da aplicação da legislação laboral, pelo agravamento da precariedade do emprego, pela crescente desvalorização do trabalho e pela política estratégica dos baixos salários, perpetrados com a conivência do Governo. Tal como a vaga de greves que alastra resulta da insensibilidade social do Governo, que se recusa a dar satisfação às reais preocupações e dificuldades dos trabalhadores. Desde logo as dos trabalhadores da administração pública, a quem o Governo quer impor à força actualizações salariais que significam à partida efectivas reduções dos salários reais. Mas também as dos restantes trabalhadores portugueses, já que o Governo quer fixar essa percentagem de actualização salarial como norma para todas as negociações salariais que envolvam empresas, sejam elas de capitais públicos ou privados. São por demais legítimas e justas as razões que obrigam os trabalhadores a recorrerem à greve, à sua última arma de luta, e por isso quero em nome do Grupo Parlamentar do PCP daqui saudar esses trabalhadores e manifestar-lhes a nossa solidariedade com as suas justas motivações e legítimas reivindicações. Senhor Presidente, Senhores Deputados Estas são algumas das verdadeiras razões do descontentamento popular e do protesto social a que temos assistido, e não qualquer virtual maquinação política contra o Governo, que este publicamente pretende vender com o objectivo de tentar escamotear a acelerada desilusão de muitos portugueses, incluindo entre aqueles que entregaram o seu voto ao PS. O protesto aí está, em resultado da insatisfação que grassa no País e que já cava dentro do próprio Partido Socialista, como é público e notório. Ao Primeiro-Ministro e ao Governo de nada valerá enterrarem a cabeça na areia para não verem o que todos vêem. Isso só agravará o grau de autismo político que Primeiro-Ministro e o Governo vêm revelando. Mas não calará o protesto social, nem resolverá os problemas de que aquele decorre. A resposta tem de ser a mudança. Mudança na prática política do Governo, quer no interior do próprio Governo quer no relacionamento com os cidadãos e com as instituições. Mas, fundamentalmente, a mudança tem de ser nas orientações das políticas prosseguidas. As orientações políticas da "terceira via" comprovadamente não servem os cidadãos. O sr. Tony Blair que o diga ... e o sr. eng. Guterres que o entenda. Pela nossa parte, pela parte do PCP, estamos e continuaremos a estar ao lado dos trabalhadores, defendendo e promovendo os seus legítimos direitos e interesses. Pugnando nas palavras, nos actos e nas nossas propostas legislativas por uma alteração profunda das políticas do Governo, para uma sociedade mais justa e mais democrática, para uma redistribuição da riqueza gerada que favoreça os que a criam, os trabalhadores.

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