Sr.ª Presidente,
Srs. Deputados:
O País que o Governo idealiza e que apresenta no seu discurso político não existe. Com eleições à vista, o Governo esforça-se por esconder a realidade e apresenta, às vezes roçando o delírio, um País que os portugueses não reconhecem no seu dia-a-dia.
Ocultam o País real, na véspera de eleições, para ver se o País real se esquece do mal que recebeu. Vão escondendo debaixo do tapete problemas que reaparecerão mal passem as eleições.
E, para isto, a dita «ajuda externa» continua. Os portugueses que esperam e desesperam nas urgências, que têm de emigrar para que outros mais explorados, mais mal tratados, venham desempenhar as suas funções, que viram o seu poder de compra drasticamente reduzido e que tiveram os seus salários e pensões cortados ouvem, atónitos, o Governador do Banco Central Europeu dizer que Portugal é um exemplo de sucesso. Aqueles que integraram a troica e impuseram ao País um programa a que muito justamente o PCP chamou de pacto de agressão são os únicos que fazem agora uma avaliação positiva.
Como se quem faz o diagnóstico, escolhe e aplica a terapêutica tivesse isenção suficiente para nos dizer que, afinal, o tratamento foi o errado.
O Governo esconde os problemas para criar uma ilusão. Felizmente para o País, essa ilusão não safará o PSD e o CDS da derrota. Tal como o Governo já está, social e politicamente, derrotado, também os partidos que o suportam sairão derrotados nas próximas eleições.
São muitos os exemplos das discrepâncias entre o País inventado pelo Governo e o País vivido pelos portugueses e queremos destacar aqui dois desses exemplos: a agricultura e o turismo.
No caso da agricultura, o discurso político da Ministra já não é dirigido para o setor agrícola, que conhece e sente os problemas e as dificuldades, mas para o largo número de portugueses, afastados da realidade do mundo rural, tentando convencê-los de que a agricultura é um sucesso, em Portugal. Será um sucesso para o agronegócio, para a grande agricultura de cariz industrial — os quais recebem milhões em apoios públicos (recorde-se que apenas 60 recebem tanto como os 120 000 mais pequenos) —, orientada para a exportação e tantas vezes associada a mão-de-obra imigrante e barata. A agricultura que produz para consumo interno e de proximidade, que tem potencial para fixar as pessoas no território, combatendo o despovoamento, essa, atravessa as maiores dificuldades. Vejam-se os problemas dos preços pagos ao produtor, com leite vendido a 30 cêntimos/kg ou a batata vendida a 5 cêntimos/kg, e os casos em que as produções são entregues sem qualquer preço, como a uva e as frutas. O falso sucesso da ação do Governo é gritante. No caso do leite, cujas quotas vão terminar no final deste mês, esse fim será dramático! O efeito sente-se desde o início da chamada «aterragem suave», com o aumento da produção nos países do norte da Europa, face à oportunidade — para eles, mas não para nós — do fim das quotas leiteiras.
Portugal pode passar de País autossuficiente para forte importador de leite. Isto com a destruição de explorações e de empregos.
As confederações da agricultura, aquelas que não se confundem com o Ministério, são muito críticas relativamente aos programas de apoio comunitário. São várias as que afirmam que o novo PDR (Programa de Desenvolvimento Rural) faz claramente uma distinção entre os grandes agricultores, que são beneficiados, e os pequenos, que ficarão cada vez mais afastados dos apoios. Isto não é novidade. Este é um Governo que está ao lado dos grandes interesses e contra os pequenos e médios produtores. É o Governo que tirou a gestão de secadores de arroz a rendeiros para os entregar a grandes proprietários; que quer acabar com a Casa do Douro, enquanto representante da lavoura duriense para a entregar ao controlo da comercialização e da CAP; que persegue e tira terras a rendeiros do Estado na Herdade dos Machados, dizendo que as mesmas irão para a bolsa de terras e depois entrega-as ao antigo grande proprietário; que obriga pequenos produtores a coletarem-se, mas não quer impor limites à grande distribuição.
Isto num quadro em que o Ministério se encontra completamente desmantelado e acumula atrasos nos pagamentos às equipas de sapadores florestais e à sanidade animal através das OPP (organizações de produtores pecuários).
Por estas e outras razões a agricultura familiar realizará amanhã uma ação de luta que, desde já, saudamos.
Estas são as opções do Governo que cria problemas e não quer tratar das soluções.
O PCP tem soluções e apresentou, ainda recentemente, um pacote legislativo com 40 recomendações e mais de 60 propostas com soluções para os problemas concretos criados pela política de direita.
Também na área do turismo é cada vez mais evidente a tentativa do Governo esconder os problemas com muita propaganda. Por detrás do discurso do melhor ano turístico de sempre, esconde-se a realidade que demonstra a desigualdade regional do sucesso; a incapacidade de mais de 60% das empresas de alojamento e restauração com dívida financeira gerarem rendimentos antes de impostos suficientes para pagar os juros; os mais de 25 000 empregos perdidos no último ano; o número de trabalhadores a receber salário mínimo nacional quase o dobro da média nacional. É por isto que os trabalhadores do sector têm lutado no Porto, em Braga, em Lisboa, na Madeira e esta semana no Clube Praia da Rocha, no Algarve, com situações de desespero como o da trabalhadora com salários em atraso que se acorrentou nas instalações do empreendimento. É este o sucesso do Governo! Basta haver mais proveitos, não interessa quem os acumula, não interessa se ficam salários em atraso, não interessa que quem produza efetivamente a riqueza — os trabalhadores — se tenha de acorrentar para chamar a atenção para o seu desespero.
Este Governo não serve o País nem os interesses da maioria dos portugueses. PSD e CDS bem podem querer pintar o País de cor-de-rosa, que o rosa também não é a cor que melhor lhe assenta.
A solução não é iludir os problemas, é enfrentá-los com uma política que os resolva.
A solução é produzir mais para dever menos, produzir mais e valorizar o trabalho porque é esse que, efetivamente, cria a riqueza, valorizando os pequenos e médios agricultores porque quanto menos agricultores houver mais concentrada é a riqueza produzida, promovendo o preço justo pago aos produtores, fazendo prevalecer o interesse nacional e defendendo o sector leiteiro nacional face às imposições de Bruxelas.
Para haver os melhores anos turísticos de sempre os salários têm de ser valorizados e têm de estar em dia, a riqueza criada tem de ser distribuída com justiça pelos trabalhadores, a precariedade tem de ser erradicada, as condições de trabalho têm de ser melhoradas e os pequenos e médios empresários têm de ser defendidos.
Quem recusa reconhecer os problemas do País e insiste na ilusão de que o País está no bom caminho e de que as dificuldades estão ultrapassadas pretende apenas perpetuar a política de direita, com estes ou outros protagonistas.
Mas o tempo deste Governo e da política direita está mais do que ultrapassado.
As soluções e as alternativas existem e o PCP tem as propostas para essa política alternativa. É tempo de as construir e de as pôr em prática.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Pedro Lynce,
Agradeço as questões que colocou.
Efetivamente, o PCP apresenta dois temas na sua declaração política, os quais, na nossa perspetiva, têm muito em comum: há muita propaganda em torno deles e a propaganda que se faz pelo Governo esconde uma realidade nacional que nada tem a ver com o discurso e que, em muitos casos, é dramática.
O Sr. Deputado lembrou a responsabilidade do PS em relação à agricultura, nomeadamente quanto ao leite. Não descarto essa responsabilidade. Aliás, o PCP, sempre que é necessário, relembra quem tem responsabilidades relativamente às diferentes matérias. Mas os senhores chegaram ao Governo há quase quatro anos e não os vi retrocederem em relação às posições do PS quanto a um conjunto de matérias.
Se o Sr. Deputado está muito preocupado e reconhece que as soluções do PS não eram adequadas, tem agora oportunidade de votar favoravelmente o projeto de resolução do PCP sobre a matéria do leite e de recomendar ao Governo que defenda o interesse nacional, acima de tudo.
Para terminar, o Sr. Deputado referiu duas matérias que vale a pena serem recordadas.
A primeira é a da PARCA. Primeiro, o Governo negou o problema que existia quanto à distribuição e a asfixia que fazia à produção nacional. Cria-se a PARCA, mas foi uma «montanha que pariu um rato», porque surgiram duas leis que, na prática, não têm aplicação, não têm fiscalização, e o que acontece é que os preços continuam a ser asfixiados na grande distribuição.
Portanto, trata-se de um bom exemplo de uma medida que o Governo tomou para tentar iludir a realidade, não resolvendo em concreto o problema.
A outra questão que o Sr. Deputado referiu e que vale a pena ser mencionada é a da organização. Então, o Sr. Deputado vem dizer que o Governo agora quer preparar a organização do sector leiteiro, quando é reconhecido que o sector leiteiro é dos mais organizados do País e da Europa e essa organização não lhe permite fazer face aos problemas que existem?
Ainda recentemente, numa resposta dada ao Grupo Parlamentar do PCP, dizia o Ministério da Agricultura que iria ter de rever o sistema de organização. Então, andou a apostar-se no sistema de organização do sector leiteiro nas cooperativas e agora já querem rever o sistema para as organizações de produtores? Afinal, o facto de não haver um rumo é muito mau para a economia nacional.
Sr. Deputado, aquilo que, acima de tudo, o Grupo Parlamentar do PCP defende é o interesse nacional e os senhores, na relação com a União Europeia, não têm demonstrado nem capacidade nem vontade de defender o interesse nacional. Falta o interesse que vos é imposto a partir de fora.
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Deputado Miguel Freitas,
Começo por também agradecer as questões que colocou.
Referiu o Sr. Deputado que o Governo gosta muito de justificar erros com a governação anterior. Aliás, esta é uma prática recorrente em Portugal. Também o anterior Governo justificou erros com os anteriores Governos do PSD e do CDS. Devo dizer que, quando os senhores falam uns dos outros, conseguimos concordar relativamente a estas questões. Os senhores fazem esta referência, mas, na prática, os portugueses vão deixar de beber leite nacional se nada for feito. Este é que é o problema em concreto.
Por isso, o PCP tem um projeto de resolução sobre a matéria do leite, em que uma das propostas visa garantir o preço do leite pago à produção. Neste momento, muitas explorações estão a trabalhar abaixo do limite de viabilidade das explorações, e isto não pode acontecer. Assim não duram muito tempo. É por isso que em poucos anos as explorações leiteiras em Portugal passaram de 70 000 para apenas 7000.
Relativamente à matéria do turismo, a nossa perspetiva é a de que não pode haver turismo sem um País dinâmico e, no caso do turismo rural, sem um mundo rural dinâmico. Estas matérias estão todas relacionadas.
Para terminar, gostava de falar de uma matéria que o Sr. Deputado abordou e que é um problema sério: o desmantelamento dos serviços do Ministério da Agricultura.
Neste momento, há 115 milhões de euros de despesa pública já efetuada mas por validar, porque os serviços não têm capacidade de resposta. Isto em março.
As equipas de sapadores florestais têm atrasos nas suas transferências, os jovens agricultores, apesar de ser um ano de transição, viram transitar mais de 1000 candidaturas do PRODER para o PDR, que agora são aplicadas à luz das novas regras e muitas delas terão de voltar para trás.
O ICNF não tem meios para monitorizar as alcateias. Quanto às candidaturas das entidades gestores das ZIF (zonas de intervenção florestal), que foram apresentadas, já deveria ter sido tomada uma decisão há um mês e ainda não foi tomada.
A sanidade animal, em fevereiro, ainda tinha em dívida 60% do ano anterior e tudo isto porque os serviços do Ministério têm vindo a ser desmantelados.
Deixe-me dizer-lhe, Sr. Deputado, que a verdade é que o sistema de mobilidade especial teve um particular enfoque no Ministério do Jaime Silva.
Lembro-me que, na minha região e no meu concelho, os trabalhadores foram postos na mobilidade, estando numa herdade que era gerida pelo ICNF, e não havia quem fosse pastorear as cabras e as ovelhas, de um momento para o outro.
Por isso, os senhores, nesta matéria, têm tanta responsabilidade como o PSD e o CDS.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.ª Deputada Helena Pinto,
Agradeço as questões que me deixou. Efetivamente, é sério o problema da relação entre a distribuição e a produção.
Existem estudos realizados por vários ministérios, nomeadamente pelo Ministério da Economia e pelo Ministério da Agricultura, que apontam, claramente, para como é feita a distribuição de valor ao longo da cadeia, referindo que a produção fica apenas com 10% e a distribuição com mais de 70% do valor que é produzido, o que faz com que se acabe com a produção no nosso País. Mas essa é, certamente, a intenção da distribuição.
O pedido de esclarecimento da Sr.ª Deputada Helena Pinto também nos remete para outra questão, que, aliás, já foi aqui abordada, que é a ideia de que há um conjunto de imposições de Bruxelas em relação às quais não podemos fazer nada.
Socorro-me do projeto de resolução que o PCP já apresentou, ao qual já me referi anteriormente, para dizer que, por exemplo, como primeira medida recomendamos ao Governo que desenvolva esforços junto das instituições europeias para a manutenção de um quadro de regulação de mercados. Não podemos dizer à União Europeia o que é que pretendemos para a defesa do setor nacional? Não me parece que isto tenha implicações.
Outra recomendação do PCP visa a fiscalização da atividade especulativa das cadeias de distribuição alimentar, impondo limites ao uso das marcas brancas. Não podemos fazer fiscalização da atividade especulativa? Alguma norma da União Europeia nos impede disto? Para além disso, o PCP também recomenda que se garantam os preços a estabelecer nos contratos. Aliás, contratos que existem para outros setores de atividade. Quanto a isto, a União Europeia também não nos impede de tomar diligências.
Sr.ª Deputada, termino dizendo-lhe que há um conjunto de matérias importantes que podiam avançar se houvesse vontade política, mas, infelizmente, não tem havido.
Relembro que o setor leiteiro é um setor importante da produção nacional, sobretudo no centro e no norte do País, é um setor em que o País é autossuficiente e pode estar em risco, com consequências para o número de explorações e para os empregos que a elas estão associados.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Deputado Abel Baptista,
Agradeço-lhe as questões que colocou.
Na minha declaração política, fiz referência ao setor do turismo, falei nas matérias que têm tido sucesso e basta ver os números do INE. Aliás, se o Sr. Deputado tiver oportunidade de consultar o projeto de resolução que o PCP apresentou sobre esta matéria, verifica que não o negamos e diz lá claramente que os proveitos no setor do turismo têm vindo a aumentar. Em 2013, houve 1900 milhões de euros de proveitos na área do turismo. Mas nós não consultamos só estes dados, também podemos consultar outros.
Por exemplo, os dados do Banco de Portugal referem que 62% das empresas de alojamento e de restauração com dívida financeira não conseguiram gerar resultados antes de terem impostos suficientes para pagar os juros.
Já a Comissão Europeia também diz que 60% das empresas está em alto risco de falência. São menos de 10 as que têm um risco baixo de falência.
Também o INE diz que há menos 26 400 postos de trabalho no último ano no setor do turismo e da restauração.
O Ministério da Economia diz que o número de trabalhadores a receber o salário mínimo nacional, no setor do turismo, é de cerca do dobro da média nacional.
Sr. Deputado Abel Baptista, estes também são dados muito importantes, aos quais não se referiu.
Ter sucesso não é só ter mais lucros, também tem a ver com a forma como estes lucros são distribuídos, e no setor do turismo têm vindo a ser muito mal distribuídos.
Relativamente às matérias da agricultura, o Sr. Deputado falou de uma questão em relação à qual, recentemente, têm saído notícias, que é a devolução a Bruxelas de mais de 100 milhões de euros, do tempo do Governo do PS, relacionada com os problemas do cadastro. Essa contabilidade só foi feita no tempo do Governo PS. Aliás, depois, a bancada do CDS até se aproveitou dessa questão para desvalorizar o mau desempenho que o PS tinha tido.
Esta devolução relaciona-se, maioritariamente, com o cadastro. O que é que o PSD e o CDS, que tanto reclamavam dos atrasos do cadastro, fizeram ao longo destes quatro anos relativamente a isso? Zero!
Ou seja, através desta devolução, vêm muito mais devoluções, e esta é da responsabilidade dos senhores.
O Sr. Deputado também falou da regularização das dívidas. Mas foi a Sr.ª Ministra ou o Sr. Secretário de Estado, aqui, na Assembleia da República, em fevereiro, que disseram que, relativamente à sanidade animal, estava em dívida 60%, relativamente ao ano passado, a pequenas organizações com dificuldades. Por isso, há ainda muita dívida e muita matéria em dívida.
Quanto aos apoios vindos de Bruxelas — e para terminar, Sr.ª Presidente —, que são importantes para o desenvolvimento da agricultura nacional, queria dizer-lhe, Sr. Deputado, que, devido ao próximo quadro comunitário, até 2020, virão para Portugal 26 000 milhões de euros.
Sabe o Sr. Deputado quanto é que vai sair em pagamento de juros, só para a União Europeia? 60 000 milhões!
Se estes dados não lhe merecem reflexão nenhuma, pois a mim merecem muita reflexão e muita preocupação.