Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Declaração política de critica à ingerência de organizações externas na resolução dos problemas do País

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
A situação a que o nosso País chegou já não é só uma vergonha nacional, porque se transformou também numa vergonha internacional.
Anda aí uma troika, instalada no Ministério das Finanças, que, qual homem do fraque, vem cobrar aos trabalhadores e ao povo português uma dívida que resulta da especulação que a própria União Europeia e os chamados «mercados financeiros» propiciaram e, para isso, quer impor o esmagamento de direitos e salários e o agravamento de todos os problemas económicos e sociais do País.
Passados 25 anos, está cá, de novo, o FMI, chamado por um Governo que sempre afirmou, «a pés
juntos», que tal não seria necessário, até ao dia em que os banqueiros lhe ditaram as ordens. Chamado pelo PSD, para quem a vinda do FMI só peca por tardia, já que, se o PEC 4 era injusto na versão portuguesa, era insuficiente na língua mais entendida pela troika. Chamado também pelo CDS, que, após recolher a um retiro espiritual, acabou por dar o seu apoio condicional ao saque a que os portugueses e os recursos nacionais vão ser submetidos.
O FMI está, de novo, em Portugal, depois de uma intensa campanha mediática sobre a sua inevitabilidade, com o PS a dizer que a sua vinda não seria necessária, porque o PEC 4 já continha malfeitorias suficientes, com o PSD a dizer que quanto mais tarde pior, e com os portugueses a perceber que o que se pode esperar do FMI, em cortes de salários, de subsídios e de pensões, em empobrecimento, em mais impostos e em privatizações, não é mais, afinal, do que os programas com que os partidos do FMI (PS, PSD e CDS) se apresentam às próximas eleições.
Temos, assim, em Portugal, duas troikas: a troika do FMI, da Comissão Europeia e do BCE, que impõe, e a troika do PS, do PSD e do CDS, que aceita.
Ninguém tenha ilusões: a troika não está cá para negociar nada com ninguém; está cá para impor uma ditadura financeira, à custa de sacrifícios injustos impostos ao povo português, e para consumar uma humilhação nacional maior e com muito mais graves consequências do que a do Ultimato inglês de 1890.
A situação a que o País chegou tem responsáveis. Não se diga agora que não vale a pena discutir responsabilidades e que a culpa é de todos. Não é verdade!
Nos últimos 35 anos, o País foi governado por três partidos, o PS, o PSD e o CDS, que cederam sempre aos interesses do capital financeiro, que lançaram o País na moeda única de forma aventureira, que deixaram destruir a nossa indústria, as nossas pescas e a nossa agricultura, e que deixaram definhar a capacidade produtiva nacional, sempre dizendo que não havia alternativa e vilipendiando todos os que, como o PCP, alertavam para as consequências que essas opções teriam, no futuro.
Que ninguém tenha também qualquer ilusão quanto às consequências das imposições do FMI e da União Europeia (UE). Eles não estão cá para ajudar Portugal a sair da crise. Estão cá para defender os interesses imediatos dos especuladores internacionais, à custa do roubo dos salários e das pensões, do corte das prestações sociais, da redução das funções sociais do Estado, das privatizações, dos apoios à banca e aos grupos económicos, da recessão e da alienação de importantes parcelas da soberania nacional.
As imposições do FMI e da UE, que nos querem fazer aceitar como se não houvesse alternativa, não só não nos ajudam como vão lançar o País na recessão e fazer com que as consequências da crise sejam pagas pelos mesmos de sempre, ou seja, pelos trabalhadores, pelos reformados, pelos jovens sem emprego e sem perspectivas.
A presença da troika, em Portugal, insere-se num processo de ingerência, roubo e desastre, dirigido contra o País e que o PCP rejeita e combate. Um processo que, não resolvendo qualquer problema do País, constituirá um novo e mais grave factor de agravamento da exploração dos trabalhadores, de ampliação da injustiça e das desigualdades sociais, de declínio económico e de dependência externa. O PCP rejeita esta ingerência e não tem nada a conversar com essa troika. Os únicos interlocutores do PCP são os órgãos de soberania do Estado português, porque só a eles o povo português confiou a legitimidade para decidir do seu destino.
E não se diga que não há alternativa à capitulação perante os especuladores internacionais. Que o PS, o PSD e o CDS não têm alternativa já nós sabemos e já todos os portugueses tiveram tempo suficiente para perceber.
Que as luminárias, que agora defendem a criação de uma espécie de união nacional para o conformismo, não têm alternativa que não seja aconselhar os portugueses a «comer e calar»,
também sabemos.
Se é uma evidência que o País nunca conseguirá pagar as suas dívidas se a economia não crescer, não é menos evidente que não é com medidas recessivas que o País sairá da recessão.
As políticas que lançaram o País na crise nunca nos farão sair dela.
Por muito que governantes e ex-governantes, presidentes e ex-presidentes, ministros e ex-ministros,
banqueiros, capitalistas e batalhões de escribas e comentadores do pensamento único pretendam formatar a cabeça dos portugueses para que aceitem como inevitáveis as imposições do poder económico, o PCP continuará a afirmar bem alto que há alternativa e que não aceita este rumo de desastre nacional.
O que se impõe, desde já, é a renegociação da dívida externa (nos seus prazos e juros e nos montantes devidos); a diversificação das fontes de financiamento; a acção convergente com outros países vítimas da especulação financeira e do euro; a aposta na produção nacional; a redução das importações, a par do aumento das exportações e da diversificação das relações comerciais.
A alternativa existe e o PCP reafirma perante os portugueses a sua determinação em lutar por Portugal, pela dignidade nacional e pelo bem-estar dos portugueses.

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