Senhor Presidente Senhores Deputados
No âmbito das políticas governamentais, o novo ano que há dias se iniciou não se anuncia como um ano melhor para os trabalhadores portugueses. A nível laboral, sucedem-se as situações de prepotência, de arbitrariedade e de ilegalidade. O desrespeito pelas leis laborais em prejuízo dos trabalhadores e a impunidade dos seus infractores cresce diariamente, com a cobertura política do Governo. É certo que na sua mensagem de Natal o Primeiro-Ministro declarou que o que conta para o Governo "são as pessoas, não as moedas". Mas na mesma ocasião ele próprio não deixou de se desmentir, apresentando o objectivo da moeda única como o grande desígnio nacional para o ano de 1997, e exigindo que a esse desígnio sejam sacrificados os interesses e aspirações legítimos dos trabalhadores portugueses. É caso para questionar se para o Governo contarão, de facto, as pessoas. Provavelmente sim. Mas apenas algumas pessoas. Para o Governo e para o Primeiro-Ministro contam e pesam, demonstradamente, as opiniões e as vontades do sr. Ferraz da Costa e dos associados da CIP. Mas não contam, comprovadamente, as opiniões os interesses, as aspirações e os próprios direitos dos trabalhadores. Mais do que as palavras, são as acções e omissões da política governativa que mostram de forma insofismável que assim é. Na linha do que já havia acontecido anteriormente com os Orçamentos do Estado e com a concertação social de curto prazo, mais uma vez, no final do ano, o presidente da CIP apareceu publicamente como o privilegiado interlocutor "social" do Governo, obtendo um acordo dito de concertação estratégica à medida das suas vontades e posicionando-se como um "árbitro" da confiança do Governo para mediar os conflitos de interesses entre o Governo e o sector farmacêutico. Sector em que o presidente da CIP, diga-se de passagem, é ele próprio parte interessada. Os patrões da CIP e o seu "patrão" são tratados pelo Governo como os grandes amigos, os homens sérios e responsáveis, numa palavra, "as pessoas". Diversamente, esse mesmo Governo encara os trabalhadores como inimigos declarados, cujos interesses podem ser postergados e olvidados e cujos direitos não merecem ser defendidos. Isto é, os trabalhadores e os seus direitos são encarados pelo Governo como as "moedas" objecto de negócio. Dois exemplos recentes e actuais são paradigmáticos desta reiterada e inaceitável postura do Governo. No dealbar do novo ano, os pescadores, como os trabalhadores das obras na Ponte 25 de Abril, lutam e fazem greves pelo direito ao 13º mês de remuneração. O patronato respectivo intimida os trabalhadores, despede e procura formas de ilicitamente furar as greves. A tudo isso o Governo e o Primeiro-Ministro mantêm-se cegos, surdos e mudos. Provavelmente acobertando-se com o pretexto de que o Governo não deve interferir nos conflitos laborais. Mas com esta postura de omissão voluntária, e para além do mais, o Governo está a fazer tábua rasa de um dever que indeclinavelmente lhe cabe. O dever de fazer cumprir as leis, de impor a legalidade democrática. O Governo e o Primeiro-Ministro não podem esconder a cabeça na areia e escamotear que eles próprios fizeram publicar legislação que alarga a todos os trabalhadores portugueses o direito ao recebimento do 13º mês. E se há patronato que não quer cumprir a lei, é ao Governo que em primeiro lugar incumbe fazê-la cumprir. Sem tibiezas. Ao contrário do que não faz o Governo do eng. Guterres e do PS.
Por outro lado, Senhor Presidente e Senhores Deputados, e provavelmente a situação mais chocante da ausência de consciência social do Governo e politicamente mais inaceitável da cumplicidade do Governo com o patronato no postergar dos direitos dos trabalhadores, é o escândalo da interpretação e aplicação que o patronato, designadamente do têxtil e do calçado, está a fazer da malfadada lei dita da flexibilidade e polivalência. Quando o PCP denunciou, nesta Assembleia como nas empresas, que, nos moldes propostos pelo Governo e defendidos e aprovados pelo PS, a alegada redução do horário de trabalho para 40 horas era uma farsa para enganar os trabalhadores, fomos acusados de deturpar e manipular as intenções do Governo e o teor da lei então aprovada. A prova da verdade dos factos aí está. Hoje podemos e temos o dever de dizer que aquelas alegadas intenções e a lei que o Governo e o PS fizeram aprovar consubstanciam uma autêntica fraude. Quando da discussão e votação da lei, nunca o Governo ou o Partido Socialista disseram aos trabalhadores que os seus direitos adquiridos ao longo de anos na contratação colectiva, no que concerne à própria definição do trabalho efectivo, seriam anulados e espezinhados pela lei do Governo do PS e deixariam de ser uma defesa dos trabalhadores perante o patronato mais retrógrado. Bem pelo contrário. Governo, PS e UGT, sempre procuraram fazer crer que da lei resultaria uma redução efectiva do tempo de permanência na empresa e do período de trabalho efectivo, nunca a manutenção, e muito menos o aumento, do período normal de trabalho. Mas a verdade é que a entrada em vigor da lei está a ser aproveitada pelo patronato para pôr em causa direitos legais e contratuais dos trabalhadores, designadamente quanto às pequenas interrupções de trabalho incluídas nas convenções colectivas de trabalho ou acordadas a nível das empresas por livre vontade das partes. Perante isto, em muitas dezenas de empresas os trabalhadores desencadearam legítimos e necessários processos de luta para defender os seus direitos e afirmar a sua determinada oposição às arbitrariedades e prepotências do patronato. Entretanto, que faz o Governo? Hoje aí temos o Governo conluiado com as confederações patronais e a direcção da UGT numa Comissão de Acompanhamento que se pretende arvorar em nova Câmara Corporativa, arrogando-se o poder de produzir e publicar interpretações oficiosas da lei, como se estivéssemos perante um órgão detentor do próprio Poder Legislativo. Hoje aí temos o Secretário de Estado do Trabalho, a Ministra para a Qualificação e o Emprego, o Governo em suma, a afirmarem e defenderem que "a regra do trabalho efectivo de 40 horas por semana não colide com os limites do período normal de trabalho de 44 horas, que se mantêm em vigor". Hoje aí temos o Primeiro-Ministro mais uma vez escondido por detrás do silêncio. Mas, ao fazer esta interpretação, ao interpretar a lei da forma que mais lesa os direitos dos trabalhadores e melhor satisfaz os insaciáveis e vorazes apetites do patronato, o Governo e o Primeiro-Ministro mostram de forma insofismável que a sua opção de fundo no âmbito laboral está claramente tomada: em situações de conflito, o Governo estará sempre ao lado do patronato e da CIP, nunca, mas nunca, ao lado dos trabalhadores. Com esta postura básica, não pode o Governo esperar ter um ano fácil da parte dos trabalhadores. Antes pelo contrário, só pode aguardar um aumento da conflitualidade laboral e social. Não pode o Governo esperar continuar a usufruir do benefício da dúvida que no último ano lhe foi concedido por grande parte dos portugueses Diversamente, o próprio Primeiro-Ministro e o PS terão já consciência que os sentimentos dos portugueses face ao Governo têm vindo a alterar-se significativamente. Nem pode o Governo do PS continuar a ambicionar ser identificado como um Governo de esquerda. Um Governo de esquerda afirma-se pela rotura com as políticas de direita, pela substituição das políticas de direita por políticas de esquerda, por políticas económicas não liberais, por políticas sociais de progresso para os trabalhadores e por acções de permanente e determinada defesa da legalidade democrática. Inversamente à prática deste Governo, que insiste e persiste em prosseguir e agravar a política de direita anteriormente praticada pelo PSD.
Senhor Presidente, Senhores Deputados
Pela nossa parte, pela parte do PCP, podem o Governo e o Partido Socialista ficar cientes que não ficaremos indiferentes aos graves atropelos que se estão a multiplicar contra a legalidade e os direitos trabalhadores. Podem estar certos que não aceitaremos passivamente as crescentes acções e actuações do Governo e das confederações patronais no sentido de uma corporativização do regime. E não tenham a mínima dúvida de que combateremos, por todos os meios legítimos, a política do Governo de promiscuidade com o grande patronato e crescentemente contra as classes trabalhadoras. Neste novo ano político, continuaremos a pugnar por uma política de esquerda, por uma política diferente que dê satisfação às renovadas aspirações de mudança manifestadas pelos trabalhadores portugueses.