Antes de mais é necessário esclarecer uma operação de mistificação que esteve em curso toda a semana: o que acaba de ser votado é um Acordo de Comércio com Marrocos. Não é nenhum Acordo de Pescas.
O Acordo Euro-Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros e o Reino de Marrocos é altamente prejudicial para o País, designadamente para a indústria conserveira e para a pesca de cerco cuja frota depende em mais de 50% da actividade da indústria conserveira bem como para vários segmentos da produção agrícola nacional (laranjas, batata primor, flores cortadas).
Foi o Ministro da Agricultura de Portugal, Engº Gomes da Silva, que afirmou na Conferência dos Representantes dos Grupos Parlamentares da Assembleia da República em 6 de Novembro de 1995 que "a situação do acordo em relação às conservas é penalizante para Portugal, indiscutivelmente porque o que se pretende é, praticamente para a totalidade da quantidade de conservas exportadas por Marrocos ao longo destes últimos anos obter uma situação de total liberalização na fronteira. Marrocos exportou, nos últimos anos, um máximo de 19.000 toneladas de conservas e o que está previsto é uma liberalização na ordem das 22.000 toneladas, o que permitirá a Marrocos introduzir a totalidade da sua exportação à taxa zero".
E assim se tem passado. Só no ano de 1996, primeiro ano das exportações de Marrocos para o mercado europeu nas novas condições do Acordo (cujas normas comerciais foram antecipadamente colocadas em vigor de forma ilegal através do Reg. 3057 da Comissão Europeia aprovado pelo actual Governo como forma de contornar, na prática o processo de ratificação) as exportações portuguesas diminuíram 31%. Como ficou amplamente demonstrado naaudição realizada pela Comissão de Agricultura,do Desenvolvimento Rural e das Pescas as alegadas contrapartidaspara Portugal foram extremamente escassas e, mesmo assim, nenhumadelas foi concretizada. Nem o "prémio de reporte"nem o eventual reforço dos fundos estruturais nem qualquerforma de indemnização compensatória.
Está, pois em causa, associado à cada vez maior dificuldade de acesso aos recursos a sobrevivência da indústria conserveira nacional e dos seus cerca de 5.000 postos de trabalho, a viabilidade de uma parte importante da pesca de cerco (actualmente constituída por cerca de 100 embarcações e 2.000 pescadores) bem como o futuro de várias comunidades piscatórias. É o próprio Secretário de Estado das Pescas que afirma a forte probabilidade de desaparecimento da indústria conserveira nacional a muito curto prazo. A sua rejeição seria pois um acto profundamente patriótico de defesa dos interesses nacionais.
O Acordo de Pescas negociado e assinado paralelamente ao Acordo Comercial (este último sim aqui em ratificação), por interesse de Marrocos está em vigor, os barcos portugueses estão a pescar nas águas de Marrocos e o seu prazo da vigência termina normalmente em dezembro de 1999. Independentemente da ratificação ou não do Acordo Comercial com Marrocos, o Governo de Marrocos já anunciou que não renovará o Acordo de Pescas a partir de 1999, sendo certo que, por outro lado o Acordo Comercial não tem limite de prazo para a sua vigência.
O PSD e o seu Presidente Prof. Marcelo Rebelo de Sousa e o Partido Socialista decidiram viabilizar o acordo. Assumirão por isso as suas responsabilidades.
Mas não pode passar em claro a monumental operação de mistificação montada pelo PSD (com o aplauso do Governo) para esconder e desviar as atenções da enorme contradição e irresponsabilidade da sua posição. Para isso quis-se fazer crer que o que estava em votação era um Acordo de Pescas cuja rejeição impediria os barcos portugueses de pescar em Marrocos.
É rotundamente falso. Não está nenhum Acordo de Pescas em causa, nem directa nem indirectamente.
Nada justificava, portanto, a aprovação desta Ratificação do Acordo da União Europeia com Marrocos.
A sua recusa seria até não só uma afirmação da nossa soberania e da defesa dos interesses nacionais mas constituindo uma decisão que bloquearia formalmente a sua entrada em vigor na Comunidade obrigaria à reabertura do debate nas instâncias europeias e mesmo que não levasse à renegociação do Acordo obrigaria seguramente a que a Comunidade Europeia encontrasse mecanismos efectivos de apoio à viabilização da indústria conserveira nacional e à pesca de cerco e tivesse este processo em curso em futuras negociações. Não o quiseram assim o PSD e o PS, votando a favor e ratificando este Acordo Comercial.
Pela nossa parte, PCP, mantivemos a coerência e seriedade das nossas posições votando contra a Ratificação deste Acordo.
Que, no mínimo, o Governo - para além de medidas estruturais quanto à política de pescas - exigia a renegociação do Acordo Comercial com Marrocos no final do prazo de vigência do Acordo de Pescas.
O Deputado,(Lino de Carvalho)