Declaração Política sobre o Código do Trabalho<br />

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Disse-se muita vez desta tribuna que se pode enganar as pessoas muito tempo mas nunca se poderá enganá-las o tempo todo.

Numa bem sucedida operação que se prolonga no tempo, este Governo conseguiu rasurar da memória colectiva as desastrosas políticas dos governos que sustentaram, cavalgar sobre os erros da política dos governos PS, com a qual se identificava estruturalmente, transformar o défice das contas públicas no alfa e no ómega de toda a vida nacional para encetar uma ofensiva sem precedentes contra os trabalhadores e outros extractos e camadas sociais que não pertençam ao grupo dos detentores do capital financeiro e das grandes fortunas.

Pode o Governo continuar ainda a enganar as pessoas por mais algum tempo mas a realidade, as consequências da sua política, os seus objectivos, acabarão por desfazer o engano.

Quis entrar o ano a ameaçar ainda mais os trabalhadores da Administração Pública, a aumentar brutalmente os preços e a desvalorizar o salário mínimo nacional e as reformas de quem teve uma vida inteira de trabalho e de contribuições para a Segurança Social, definiu a matriz da sua política anti-social no denominado Programa de Estabilidade e Crescimento.

Apronta-se agora para no próximo dia 15 fazer aprovar a matriz do pacote laboral, transformar a discussão na especialidade da sua proposta num simulacro, assistindo-se ao regresso da concepção de uma Assembleia da República com funções de cartório notarial.

Terminou ontem a discussão pública da proposta do denominado Código do Trabalho. Procurou a Assembleia da República promover um amplo e diversificado debate com organizações, instituições e personalidades, acolher os pareceres, municiando os deputados tanto para o debate como para a apresentação de propostas. Assim haveria de ser por força da Constituição e da Lei.

Mas o Governo, fragilizado pela desmontagem dos argumentos em que sustentava a sua proposta, não suportando o direito legítimo do recurso à luta por parte dos trabalhadores e das suas organizações, procurando por iniciativa própria ou por encomenda a alguns cérebros, padrinhos e partes interessadas nesta malfeitoria legislativa, tentava minimizar a greve do dia 10 de Dezembro, explorava, simultaneamente, até às últimas instâncias, as contradições e dificuldades internas dos sectores sindicais que influencia. Do sector patronal tinha a compreensão sobre a necessidade de abdicar do secundário para alcançar o essencial.

Numa encenação que não é nova, eis que ontem o Governo apresenta, em sede de Concertação Social, uma mão cheia de propostas que retocam e alisam algumas arestas do pacote laboral, mas mantendo a doutrina e as principais medidas gravosas para os direitos dos trabalhadores vertidas na Proposta de Lei, a par da omissão sobre o que pretende com 40 matérias por regulamentar posteriormente. Eis a prova de que não estamos perante um Código mas sim um Pacote Laboral.

Não preciso ser profeta para adivinhar qual vai ser a decisão das direcções da CIP e da UGT, hoje reunidas. Não é preciso ser cartomante para adivinhar que a maioria vai chegar ali à Comissão de Trabalho, rapidamente e em força, com propostas a despacho, com recusa liminar das propostas dos Grupos Parlamentares da oposição.

Senhor Presidente da Assembleia da República, Senhores Deputados,

Bem podem, com sinceridade, querer dignificar o papel dos deputados e da Assembleia da República. Também é disso que estamos aqui a tratar! São actos destes que os desvalorizam e descredibilizam!

Pela parte do PCP, não regatearemos esforços, não abdicaremos de nenhum direito que nos assista para intervir naquilo que consideramos ser a maior ofensiva legislativa contra os direitos, num processo duro e prolongado, a exigir combate e convergência das forças democráticas e sindicais e não a capitulação ou o conformismo.

Estamos a falar do direito à estabilidade e à segurança no emprego, de horários de trabalho dignificados, da retribuição justa pelo trabalho realizado, do direito da liberdade irrenunciável de fazer greve, do direito à livre organização e negociação colectivas, da própria cidadania, do estatuto do trabalhador e do constitucional e intocável direito à privacidade, assumindo assim um compromisso de honra, um compromisso democrático com as gerações de trabalhadores que a pulso conquistaram estes direitos e, simultaneamente, com as futuras gerações de trabalhadores.

Esta Proposta de Lei, a sua matriz, que vai estar em apreciação no próximo dia 15 de Janeiro, tem o significado da zona de fronteira entre os que defendem mais lucro e mais exploração e os que se batem pelos direitos dos trabalhadores como parte intrínseca da democracia na sua vertente social.

Mas com o entendimento do importante significado e consequências do resultado legislativo, o PCP está convicto que nada substitui o papel do movimento e da luta dos trabalhadores.

Dá confiança verificar que daquele milhão e 700 mil trabalhadores em greve no dia 10 de Dezembro, a maioria nunca tinha participado numa greve geral e muitos milhares de jovens trabalhadores fizeram greve pela primeira vez na vida.

Eles sabem que alguns recuos do Governo resultaram da luta e não das habilidades concertacionais. Sabem que há que prosseguir, recusando o conformismo e as inevitabilidades.

Senhor Presidente, Senhores Deputados,

Quando este Governo deixar de enganar tanto como ainda engana haveremos, porventura, de ter o mesmo sentimento de quando se afundou o “Prestige”. Ninguém, salvo os seis tripulantes e proprietários, lamentou o seu afundamento. O que preocupa são os estragos antes, durante e depois do seu afundamento.

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