Declaração de voto sobre a reapreciação do Decreto n.º 50/IX &#8211; Lei dos partidos políticos<br />Apresentada por Bernardino Soares

A chamada “reforma do sistema político”, anunciada como tendo a intenção de credibilizar a vida política e melhorar a imagem dos agentes políticos junto dos cidadãos, acabou por traduzir-se ao invés, nas duas mais relevantes alterações até agora produzidas – a Lei do financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais e a Lei dos partidos políticos – em graves retrocessos democráticos.A Lei do financiamento dos partidos e das campanhas eleitorais, já promulgada e publicada, rompeu com o consenso que nos últimos anos existiu nesta matéria, (as últimas duas alterações foram aprovadas por unanimidade) e vai certamente contribuir para um maior descrédito da vida política e para um aumento da desconfiança em relação a esta sensível matéria. Esse será o resultado óbvio de uma alteração que aumenta em dois terços, a partir de 2005, da subvenção pública para o financiamento corrente dos partidos (o que significa por exemplo que PSD e PS beneficiarão de um aumento de mais de 1 milhão de contos), que aumenta também as subvenções eleitorais e que faz subir os limites de despesas eleitorais. É especialmente grave que se limitem as possibilidades de angariação de fundos decorrentes do esforço e da contribuição dos militantes e das organizações de um partido, com o óbvio propósito de limitar a actividade e as capacidades de financiamento dos que, como o PCP, têm essa característica. O diploma agora reapreciado, relativo à lei dos partidos políticos, insere-se na mesma filosofia.É inaceitável que uma maioria de partidos na Assembleia da República queira impor o seu modelo de funcionamento aos partidos, interferir na sua vida interna e impor por lei aquilo que deve ser reservado à escolha dos militantes. A lei ainda em vigor não causou, em quase três décadas, nenhum problema ao funcionamento da democracia e não é a causa do descrédito da vida política. Aliás, os que hipocritamente invocam a necessidade de modernização da lei dos partidos políticos, nunca esclareceram em que factos se funda essa necessidade de alteração.Na verdade o intuito dos partidos que aprovaram a lei, não é qualquer tipo de “modernização” mas simplesmente a imposição de um modelo de funcionamento e organização partidária à sua imagem e semelhança e a tentativa de pela via legal interferirem na soberania própria de cada partido e dos seus militantes. Trata-se de um propósito que limita a liberdade de associação e a garantia da não ingerência do Estado na vida interna das associações, incluindo as partidárias.Não se trata, quer na questão do voto secreto apreciada (aliás com significativas divergências) pelo Tribunal Constitucional, quer nas restantes imposições legais ao funcionamento interno dos partidos, de alterações exigíveis pela Constituição, mas de uma leitura abusiva e anti-democrática das disposições constitucionais que os três partidos autores desta lei querem impor. Pela nossa parte continuaremos a defender o direito de os partidos e os seus militantes decidirem sobre as suas estruturas e formas de organização, que aliás não se dissociam da linha política e ideológica adoptada, e a valorizar a diversidade das opções partidárias como um valor inalienável da democracia política.Ao contrário do que aconteceu em quase trinta anos com a lei actual, as alterações agora aprovadas serão uma fonte de conflitualidade e de confronto político que a vida democrática bem dispensava.

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