Intervenção de Jorge Pires, membro da Comissão Política do Comité Central, Seminário «Controlo público da banca, condição para o desenvolvimento da soberania nacional»

"Debater o sector bancário é falar de um dos mais significativos constrangimentos ao desenvolvimento"

Áudio

Boa tarde a todos e permitam-me que em nome da direcção do Partido agradeça desde já, particularmente ao nosso convidado Nuno Teles, investigador no CES, ter aceite trazer a este seminário os seus contributos para a reflexão que o PCP está a fazer sobre a temática deste seminário.

Debater o sistema financeiro e em particular o sector bancário em Portugal, é falar de um dos mais significativos constrangimentos ao desenvolvimento económico e social, é falar de uma banca que desde a sua privatização, há cerca de 25 anos, tem procurado, sobretudo, o máximo lucro possível para distribuir pelos seus accionistas e não servir o País como instrumento fundamental para o desenvolvimento económico.

Entre os portugueses percorre hoje um sentimento de impunidade para os responsáveis pela situação que se vive no sector e uma pergunta: até quando o Estado português vai ter de suportar com dinheiros públicos, as consequências de uma gestão de dezenas de anos, contrária aos interesses nacionais, para que se tomem medidas sérias e eficazes para que de uma vez por todas a banca possa desempenhar o seu papel de apoio à economia e às famílias?

Alguns daqueles que repetiram até à exaustão a ideia de que tínhamos uma banca segura e robusta, aparecem hoje, empurrados pelos ventos de uma realidade inquestionável, aparentemente muito preocupados com a fragilidade do sistema financeiro. Outros, mais empedernidos alegam que o problema não está no sistema, mas no carácter de alguns banqueiros e no facto de não terem cumprido as regras instituídas, como se essas regras não tivessem sido definidas pelos próprios e determinadas pelos seus interesses de classe.

Banqueiros que apenas com 29.898 milhões de euros de capitais próprios controlavam, segundo um estudo de Eugénio Rosa realizado em 2014 e referente a 2013, 460.206 milhões de euros, dos quais 55% eram referentes a depósitos dos clientes.

Para o PCP é um imperativo, fazer não apenas uma reflexão muito séria sobre a situação do sector financeiro no seu todo, não só do sector bancário, mas igualmente do sector segurador, cuja evolução merece toda a nossa atenção até porque continua a ser o maior investidor institucional no estrangeiro e gere activos num valor superior a mais de 50.000 milhões de euros, mas, mais importante, apontar soluções para que este instrumento fundamental para o desenvolvimento económico e social do País, que é a banca, deixe de constituir, de facto, um dos principais constrangimentos a esse desenvolvimento e à soberania nacional.

A crise de 2008 veio tornar mais clara uma situação que há muito o PCP vinha denunciando: a financeirização da economia com a transferência de avultadas verbas do sector produtivo para a especulação financeira, a utilização do dinheiro dos depositantes para a cedência de créditos para as empresas dos próprios grupos bancários e aos amigos, sem qualquer tipo de garantia de retorno na maioria dos casos, e a distribuição de avultadas somas em dividendos pelos accionistas, mesmo quando a situação dos bancos aconselhava prudência, nomeadamente o reforço das provisões para as avultadas imparidades.

Segundo um documento da responsabilidade do ainda Governador do Banco de Portugal, elaborado no início do ano, já em plena crise (2008-2010), os sete maiores bancos distribuíram cerca de 2000 milhões de euros de dividendos que, já se sabia nessa altura, incluíam resultados gerados por créditos que no futuro, como se veio a confirmar, iriam requerer a constituição de imparidades.

No mesmo documento é destacado o facto de que o nível de imparidades registadas entre 2008 e 2014, atingiu cerca de 40 mil milhões de euros, dos quais uma parte significativa não regressou aos bancos o que obriga estes a operações sistemáticas de recapitalização, muitas delas asseguradas pelo Estado.

Imparidades que, segundo uma simulação realizada pelo Banco de Portugal, referente a Dezembro de 2011, sugere o seguinte resultado: a aplicação, nesse momento, de haircuts médios no intervalo de 17% a 20% à carteira de créditos e de títulos dos 8 maiores bancos do sistema bancário português, apontava já nessa altura, necessidades de recapitalização entre 48 mil e 56 mil milhões de euros, com impacto estimado no PIB de 2011 entre 28 e 33%.

Daí para cá as operações de recapitalização realizadas até final de 2014 foram de apenas 18.456 milhões de euros, dos quais 12.250 milhões de euros em garantias e empréstimos do Estado.

Desde o início da crise económica e financeira que se tornou evidente que instituições financeiras que eram reconhecidas por todas as autoridades como sólidas e robustas, têm vindo sistematicamente a ruir.

Hoje existem todos os elementos de análise que permitem, de forma inequívoca, afirmar que o sector bancário privado não serviu os trabalhadores, as populações, as empresas e a economia nacional. Antes pelo contrário, serviu-se deles para: engrossar os lucros dos grandes accionistas e gestores; acumular riqueza numas poucas famílias; espoliar activos privados e públicos; parasitar o investimento e o gasto do Estado; especular no imobiliário e com a dívida soberana.

Desde a intervenção estatal no BPN, várias foram já as instituições financeiras, suportadas pelos recursos públicos com os Governos PS e PSD/CDS, a utilizarem o Estado e a Lei para salvar os banqueiros, a pretexto da defesa dos depositantes e da estabilidade do sistema financeiro. O colapso do BPN e os sucessivos problemas detectados na restante banca comercial, com destaque para o que se passou no Banco Espírito Santo e no Banif, são elementos suficientes para ilustrar a irrazoabilidade de permitir que o sistema financeiro se mantenha gerido, detido e ao serviço dos grandes grupos económicos, com a evidente excepção da Caixa Geral de Depósitos.

A experiência tem mostrado, de forma concludente, que a banca pública é a única maneira de conservar o sistema bancário nacional.

A privatização das instituições financeiras conduz, mais cedo ou mais tarde, à sua aquisição ou domínio - devidamente expurgadas dos activos tóxicos e recapitalizadas nomeadamente com fundos públicos - por parte dos megabancos europeus, como confirmou a recente entrega do Banif ao Santander.

Privatização do sector bancário e segurador público que teve como uma das principais consequências - devido ao papel que o sector financeiro privado voltou a ter na condução da economia nacional - a financeirização da economia em articulação com a reconstituição dos grupos monopolistas.

Camaradas e amigos

São já muitas as vozes que mostram preocupação com o processo de concentração bancária que tem como resultado a transferência significativa do capital accionista da banca nacional para as mãos do capital estrangeiro, agravando o trespasse de riqueza para outros países e a perda de capacidade de intervenção e de soberania do País.

Não sendo um problema novo, assumiu no último ano uma dimensão preocupante, porque o processo de concentração tem levado a que algumas instituições estrangeiras tenham vindo a assumir posições significativas no sistema financeiro em Portugal.

A compra do Banif pelo Santander, a perspectiva de venda do Novo Banco a um grande banco espanhol naquela que tudo indica ser uma imposição do BCE e da CE, mas também a disputa pelo controlo accionista no BPI que poderá levar a um reforço do CaixaBank no capital accionista desse banco, no quadro de uma estratégia que passa igualmente pela aquisição e integração do Novo Banco no BPI, apesar de informações fidedignas de que o Sabadel, outro banco espanhol e o Santander, estarão igualmente na corrida à compra do Novo Banco. A acrescentar a todas estas movimentações da banca espanhola em Portugal, temos ainda a recente compra da actividade de retalho do Barclays por outro banco espanhol, Bankuinter. Estes são alguns exemplos do processo de concentração da banca nacional nas mãos de bancos espanhóis. Se tudo isto se confirmar os bancos espanhóis ficarão com cerca de 45% dos activos da banca em Portugal.

Os problemas causados pela concentração da banca nacional nas mãos do capital estrangeiro, seja qual for a sua origem, não resultam do facto do capital espanhol estar em maioria ou em exclusividade, como parece ser a preocupação do PR, nem se resolvem com a divisão da propriedade dos principais bancos privados entre capital angolano e espanhol, como parece ser intenção do governo. O problema está no facto de Portugal vir a perder, de uma forma ou outra, a soberania sobre o sistema financeiro em Portugal, não apenas pela concentração bancária que está em desenvolvimento, mas também porque no sector dos seguros assistimos igualmente a uma aquisição sistemática das empresas seguradoras portuguesas, por fundos chineses e americanos.

No desenvolvimento deste processo, assume particular actualidade o conjunto de questões para as quais o PCP chamou a atenção quando da criação do Mecanismo Único de Resolução. Nessa altura denunciámos as consequências que adviriam da concretização da gigantesca operação de concentração e centralização do sector bancário na União Europeia, a que chamam de União Bancária e que, com o avanço deste processo os Estados perderiam - os poucos ou quase nenhuns – poderes de controlo, de regulação e de intervenção sobre a banca que ainda detinham.

Há quem acredite que com mais regulação e supervisão é possível resolver o problema do controlo sobre o sistema bancário, mas o que a realidade tem demonstrado – como a actuação do BdP e da CMVM testemunham – é que as entidades reguladoras actuam, em geral, segundo uma lógica de liberalização dos sectores em que intervêm, escudando-se numa autonomia que deriva da ausência de controlo democrático do seu desempenho, para impor decisões, em geral, favoráveis ao grande capital.

Para o PCP, a nacionalização de instituições bancárias, tal como o exemplo português confirmou, independentemente da sua dimensão, ao contrário da doutrina da classe dominante, não lesou as instituições em momento algum. Na verdade, durante o período entre 1975 e 1992 em que a banca esteve sob controlo público – político e accionista -, os bancos cresceram, mantiveram uma actividade concorrencial e o financiamento à economia nacional pública e privada.

É assim que afirmamos ser a banca pública a única possibilidade de garantir o interesse público e nacional, de evitar gravosas orientações determinadas pelos centros do capital financeiro transnacional, de limitar as distorções da concorrência pela grande concentração bancária privada, de recuperar uma alavanca imprescindível para o desenvolvimento soberano do País.

A proposta do PCP é muito clara. O Partido defende a recuperação do controlo público da banca comercial e de outras instituições financeiras, orientada para o objectivo de retomar o controlo democrático sobre o sistema financeiro, reconstituindo um poderoso polo de propriedade pública, considerando para este efeito normas e ritmos diversos, de controlo público, como a eventual aquisição vantajosa de influentes participações na estrutura accionista, a intervenção de emergência ou a nacionalização, tal como a proposta apresentada recentemente para o Novo Banco.

Camaradas

Não quero terminar sem deixar aqui uma palavra de solidariedade a todos os trabalhadores que, não tendo nenhuma responsabilidade na actual situação do sector em Portugal, são vitimas dos chamados processos de reestruturação a que o grande capital recorre, despedindo trabalhadores e reduzindo direitos e aumentando a exploração dos que ficam.

Desde a entrada da troika em Portugal, saíram milhares de trabalhadores. Mais de 8000, sem considerar os 500 que sairão do que resta do Banif, os 1.000 anunciados pelo Novo Banco, para além do plano que existe para a saída saída de 500 trabalhadores do Montepio e dos 1000 da CGD. Também nestes casos os trabalhadores são tratados como peças descartáveis, ao contrário dos verdadeiros responsáveis que são premiados com bons empregos e chorudos salários.

Obrigado pela vossa atenção.

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