Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

Debate sobre as prioridades da Presidência de Chipre do Conselho da União Europeia, em conjunto com o debate sobre o relatório anual relativo ao acompanhamento da participação de Portugal no processo de construção da União Europeia

Sr.ª Presidente,
Sr. Secretário de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus:
Um dos objetivos deste agendamento tem a ver com o debate sobre o relatório do Governo relativo à participação de Portugal na União Europeia durante o ano 2011.
Srs. Deputados, que o Governo insista em apresentar a este Parlamento um inventário de lugares comuns completamente despido de qualquer tipo de análise política ou de avaliação de consequências já não admira ninguém, Sr. Secretário de Estado. É o papel deste Governo, como foi exatamente este o papel dos Governos que o antecederam. É o debate novo de que falava o Deputado António Rodrigues, isto é, é o debate velhíssimo de anos de que, de facto, o Deputado António Rodrigues quer transformar em debate novo. Não é possível transformar em debate novo aquilo que é velho de anos, Sr. Deputado António Rodrigues!
Agora, que, simultaneamente, este relatório governamental suscite de novo a apresentação de um projeto de resolução que hoje deu entrada envolvendo o designado «bloco central alargado» completamente laudatório e totalmente acrítico quanto a essa participação, talvez cause alguma surpresa e perplexidade a um observador mais desatento, embora, em nossa opinião, confirme, de facto, o total acordo do chamado «bloco central alargado», não obstante algumas dissonâncias que aqui foram espelhadas hoje pelo Partido Socialista, mas que, afinal não são reais, continuam a ser dissonâncias virtuais, como é bom de ver.
O problema deste projeto de resolução não reside apenas no facto de o seu texto constituir no fundamental uma mera reposição, diria mesmo uma mera repetição, do que já dizia o projeto de resolução sobre a participação de Portugal na União Europa em 2010, que, por sua vez, repetia e reproduzia os que foram aprovados em anos anteriores.
O problema deste projeto de resolução não é só este: é ser, sobretudo, um repositório de afirmações que suportam orientações políticas potencialmente prejudiciais para os nossos interesses económicos e sociais e, simultaneamente, insista num apoio político explícito do PSD, PS e CDS a ataques frontais a princípios constitucionais que preservam e defendem a soberania do nosso País.
De facto, Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados, como pode o projeto de resolução afirmar a política de coesão da União Europeia num contexto em que a as políticas europeias acentuam os privilégios dos mais ricos, discriminam e desprezam os interesses dos países menos desenvolvidos e promovem e impõem políticas de desemprego e de desagregação social? Digam-me!
Como pode o projeto de resolução, outro exemplo, enaltecer reformas de políticas comuns, em especial na agricultura, quando, relativamente aos interesses nacionais, esta reforma em desenvolvimento pode vir a agravar e a reforçar as possibilidades de destruição e de definhamento da capacidade produtiva agrícola em Portugal?
Como pode o projeto de resolução sobre a participação de Portugal em 2011, terceiro exemplo, sublinhar de forma acrítica o debate sobre o próximo quadro financeiro plurianual, Sr. Deputado António Rodrigues? Como pode? Quando é visível e já definida a intenção de manter o plafond orçamental global e ao mesmo tempo diminuir as dotações com as políticas de coesão destinadas aos países desenvolvidos? Como pode, Sr. Deputado António Rodrigues?
E como pode, finalmente, o projeto de resolução enaltecer o reforço dos mecanismos de governação económica do semestre europeu e implicitamente do Tratado Orçamental, dando assim luz verde à subordinação tutelar de competências nacionais a instâncias comunitárias e organismos supranacionais?
Mas o que verdadeiramente torna espantoso, Sr.ª Presidente, particularmente este ano, o texto do projeto de resolução sobre a participação de Portugal na União Europeia no ano de 2011 é o facto de este projeto de resolução ser completamente omisso sobre o apoio do Memorando da troica assinado em Maio de 2011 sobre as consequências políticas, económicas, sociais, devastadoras que a sua aplicação e o seu reforço está a ter para Portugal e para os portugueses.
Sr.ª Presidente, Srs. Deputados: A ausência total e completa de referências por mínimas que sejam ao «pacto de agressão» assinado pelo PSD, pelo PS e pelo CDS em Maio de 2011 dá bem a dimensão da nulidade política completa deste projeto de resolução que os senhores certamente vão aprovar os três.
Sr.ª Presidente, Sr. Secretário de Estado, Srs. Deputados: Neste contexto, debatem-se também as prioridades da nova presidência semestral da União Europeia.
Apetece repetir as perguntas que, nos últimos tempos, temos feito em ocasiões semelhantes, desde que foi aprovado o Tratado de Lisboa. Qual Presidência polaca? — perguntamos nós, no final de 2011. Qual Presidência dinamarquesa, que agora terminou? Qual Presidência de Chipre, que agora se inicia? É que todos sabemos que, sobretudo desde o Tratado de Lisboa, a dimensão das presidências semestrais rotativas deixou de existir, foi aniquilada pelas alterações introduzidas em Lisboa. Elas ainda existem do ponto de vista formal, é verdade, mas foi-lhes retirada em Lisboa, com o Tratado, qualquer réstia de conteúdo próprio que poderiam ainda ter, foi-lhes aniquilada…
Como dizia, foi-lhes aniquilada a réstia de credibilidade ou de influência nacional que ainda poderiam ter.
Desde o Tratado de Lisboa passámos a ter uma única presidência não rotativa, não semestral, a presidência permanente que nos é imposta pelos interesses dos países mais ricos e populosos, com a Alemanha à cabeça, não obstante a apresentação formal, semestralmente, de tentativas, por vezes meritórias, de introduzir algumas pistas inovadoras. A recente partilha que o Sr. Secretário de Estado nem aflorou por momentos…
Como dizia, a recente partilha semestral da presidência do Eurogrupo entre a Alemanha e a França com caráter permanente é mais um exemplo, um indício do que hoje valem ou não as presidências rotativas.
É este poder, este diretório, que importa contrariar e impedir. Seria esta, entre outras, uma perspetiva que o nosso Governo e esta Câmara deveriam adotar. Pela nossa parte, não desistiremos de o fazer, Srs. Deputados.

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