Intervenção de Honório Novo na Assembleia de República

Debate sobre finanças públicas, nomeadamente sobre a execução orçamental, a quinta avaliação do Memorando de Entendimento e a política de privatizações

Sr.ª Presidente,
Sr. Ministro de Estado e das Finanças,
Concordará que não posso perder tempo a comentar as suas alusões ao preço da energia e dos combustíveis e ao papel do PCP nesta matéria, nem posso perder tempo a comentar a hipocrisia lamentável que utilizou nos seus comentários.
O que gostava que o senhor tivesse vindo aqui fazer hoje ou ontem, a este Parlamento, era pedir desculpa aos portugueses. Deveria ter vindo pedir desculpa aos trabalhadores, aos reformados, aos pequenos empresários, aos desempregados, aos jovens, às centenas de milhares de pessoas que o senhor, o seu Governo e a sua política encostaram à pobreza, em Portugal, neste último ano.
O senhor deveria ter vindo pedir desculpa em seu nome, em nome das suas políticas e, naturalmente, em nome do Primeiro-Ministro.
O senhor deveria ter vindo aqui hoje pedir desculpa pelas suas políticas, naturalmente em seu nome e em nome do Primeiro-Ministro.
O senhor deveria ter vindo aqui, hoje, dizer que o Governo enganou os portugueses: enganou os portugueses nas previsões da trajetória da dívida; enganou os portugueses nas previsões das receitas fiscais em 2012, apesar de suficientemente avisado desde há um ano a esta parte; enganou os portugueses nas previsões do défice orçamental.
Enganou! Não enganou, Sr. Ministro de Estado e das Finanças?! Afinal, o défice será de 5,5%, de 5,8% ou será de 6%, em vez de 4,5%?
O senhor deveria ter vindo aqui dizer que o Governo enganou o País, porque disse que a receita da troica resolveria os problemas do nosso País, mas ela não resolveu nenhum e, pelo contrário, agravou todos os problemas que o País tinha e até o equilíbrio do défice orçamental, Sr. Ministro!
É uma ilusão, não é? Que sustentabilidade tem o equilíbrio do défice orçamental? A sustentabilidade que tinha em 1943, quando os portugueses faziam fila para receberem as senhas de racionamento para poderem comprar pão?! Ó Sr. Ministro, se é esse o défice comercial equilibrado que o senhor quer, nós dizemos não!
Queremos um País vivo, não queremos um País morto!
Sr. Ministro, isto não tem nada de técnico, não tem nada a ver com modelos, com estudos; isto tem a ver com opções, com uma cruzada ideológica contra quem trabalha, contra quem trabalhou e contra o País e a sua autonomia.
Aliás, ontem, na entrevista que deu à SIC, o senhor lembrou-me — e lembra-me cada vez mais, bem como o seu Governo — que quando vê na sua frente trabalhadores ou reformados «puxa logo da pistola»! Não sei porquê, mas «puxa logo da pistola»!
E vou dar-lhe alguns exemplos sobre a cruzada ideológica.
Porque se insiste na privatização de empresas lucrativas ou estratégicas? Vou dizer-lhe: é para beneficiar o investimento e os investidores parasitas! Porque, se houvesse de facto investidores que não fossem parasitas, assumiam o risco empresarial!
Assim, sabe o que é que os investidores levam? Levam «de mão beijada» empresas com lucro garantido. É essa a posição ideológica, é essa a cruzada ideológica.
Porque é que o senhor propõe transferir das empresas para os trabalhadores o pagamento de 25% da taxa social única? Porque é que quer fazer esta distribuição da riqueza única e absolutamente inaceitável? Já agora, diga-me o seguinte: porque é que o Banco de Portugal não foi chamado a pronunciar-se sobre isto? Porque quer gerar emprego? Porque quer aumentar a competitividade das empresas exportadoras? O senhor sabe tão bem como eu que isso é mentira! Para diminuir os preços? O senhor acredita no Pai Natal? Ainda acredita no Pai Natal?
Se é para promover o emprego, não há nenhum manual de instruções que convença alguém da bondade desta proposta, a qual, de facto, não é uma proposta! É uma burla colossal a ideia que o senhor pretende manter!
Porque é que o Governo anunciou ontem uma consolidação orçamental de 4900 milhões de euros, quando lhe bastam 800 milhões de euros para passar de 5% para 4,5%? Porquê? Porque é que nos está a enganar? Porque é que há este embuste e esta mistificação orçamental?
Por uma razão simples: por cruzada ideológica. Para transferir do trabalho para o grande capital cada vez mais recursos do País, cada vez mais riqueza do País!
Finalmente, farei uma referência muito breve, Sr.ª Presidente, à mudança da programação do Memorando negociado com o Partido Socialista, em maio, que aumentou os prazos e alterou os valores do défice.
Para o PS talvez seja uma grande vitória, mas para nós, Sr. Ministro, não é; é o prolongamento da agonia, é o prolongamento do sofrimento do País! E a verdade é que este é o caminho que é preciso travar, mas é preciso travar com uma rotura da qual o senhor não fará parte! Não fará parte o senhor, não fará parte este Governo, não fará parte a troica! O caminho será outro, sem os senhores, seguramente!

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