Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Debate sobre a antecipação de algumas medidas para a área da justiça que foram acordadas com a tróica

Sr. Presidente,
Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares,
Srs. Deputados:
A tróica não descobriu propriamente a pólvora mas fez uma descoberta, a de que existe uma enorme morosidade processual em Portugal e um número excessivamente elevado de pendências processuais. Bom, não era preciso a tróica para descobrir uma coisa destas! Isto é uma evidência, toda a gente sabe!
O que a tróica faz é uma imposição, a que os três partidos subscritores do memorando de entendimento já se comprometeram: dizer que este problema tem de ser resolvido até ao 2.º trimestre de 2013, sendo que avança com uma série de medidas a tomar até ao final do 1.º semestre deste ano para resolver já alguns problemas de pendências que se verificam.
Há alguns aspectos que importa, desde logo, ressaltar.
O primeiro é de estranheza, ou seja, se as medidas que a tróica avança são medidas óbvias do ponto de vista da resolução das pendências processuais, por que é que elas não foram postas em prática até hoje e por que é que o Governo não se propunha, independentemente de qualquer tórica, pôr em prática medidas tendentes a eliminar a morosidade judicial e a eliminar pendências.
Portanto, há aqui um passe de mágica que alguém tem de explicar. Ou seja, como é que vai ser resolvido este problema de uma forma que até agora ainda não foi? Se é possível resolver este problema a muito curto prazo, por que é que ainda não foram tomadas quaisquer medidas para que ele fosse resolvido? Há aqui um qualquer passe de mágica que a tróica traz e que não foi minimamente explicado, não foi explicado por ninguém.
Mas há um outro problema, que é uma questão de princípio e que importa referir: a tróica está preocupada com o funcionamento da justiça do ponto de vista do funcionamento da economia. Nós achamos que, de facto, há uma relevância evidente entre o funcionamento da justiça e o funcionamento da economia, mas o que nos preocupa, fundamentalmente quanto ao sistema de justiça, é que ele é um meio indispensável para a efectivação de direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Os cidadãos têm direito a uma tutela jurisdicional efectiva. Não é só a economia que precisa que os tribunais funcionem bem, embora saibamos que essa é a única preocupação da tróica e, pelos vistos, é a única preocupação dos partidos que subscreveram o
memorando de entendimento. A nós preocupa-nos que a justiça funcione, fundamentalmente, para a garantia, para a salvaguarda e para a efectivação dos direitos e dos interesses legalmente protegidos dos cidadãos.
Mas há uma questão que, creio, do ponto de vista institucional tem muita relevância e que é esta: o
Governo, que tinha dito, quando ainda não estava em funções de gestão, ou seja, quando estava em plenitude de funções, que o alargamento da experiência do mapa judiciário não poderia ser feito porque não havia condições para o fazer no curto prazo e previa para 2014 a criação de novas comarcas, veio agora, por força da tróica, considerar que isto tem de ser feito já. E é como governo em gestão que aprova um decreto-lei criando as comarcas de Lisboa e da Cova da Beira.
Sr. Presidente, Srs. Deputados e Sr. Ministro: Não pode ser! Um governo de gestão não tem competência para aprovar um decreto-lei desta natureza. Não tem!
Daí que fica, desde já, aqui assumido que, no início da próxima Legislatura, o Grupo Parlamentar do PCP suscitará a apreciação parlamentar do decreto-lei de criação destas duas novas comarcas. Esta questão tem de ser debatida nesta Assembleia! Um governo de gestão não pode tomar esta decisão ainda por cima sobre uma matéria que o mesmo Governo, quando estava em plenitude de funções, disse que não tinha condições para criar.
Portanto, este Governo em meras funções de gestão não tem competência constitucional para poder tomar uma decisão legislativa desta natureza. Não é um acto de gestão corrente! É uma imposição da tróica, é uma decisão política e legislativa que, boa ou má, tem de ser decidida por quem tem competência para o efeito, que é o Governo que sairá das próximas eleições, a Assembleia da República que seja eleita no dia 5 de Junho.
Portanto, não abdicamos deste princípio, de que tem de ser a próxima Assembleia da República a apreciar esta matéria, e, neste sentido, chamaremos este decreto-lei à apreciação parlamentar.

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