Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Debate quinzenal com o Primeiro-Ministro sobre questões de relevância política, económica e social

Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Sinceramente impressiona-me sempre no seu discurso o apagão da realidade social.
Mas será por insensibilidade? Por incompetência? Por ignorância? Por desconhecimento dessa realidade? Naturalmente que não é, é uma opção política, é uma opção virada para o aumento da exploração. E ao ouvi-lo aqui falar, como falou, deste Governo, que foi uma autêntica fábrica de pobres em Portugal, que aumentou exponencialmente a pobreza, só significa essa conceção, esse entendimento de que estes dramas são apenas danos colaterais de uma política.
Queria começar por uma questão que já lhe colocámos e à qual já respondeu, embora mal.
Há 15 dias, questionámo-lo sobre o perdão fiscal concedido ao Novo Banco. Respondeu dizendo que não houve regime de exceção para o Novo Banco e que tudo está feito de acordo com o regime existente no Estatuto dos Benefícios Fiscais.
No dia a seguir, os Deputados do PSD e do CDS apresentaram uma proposta para legalizar retroativamente…
O Sr. Miguel Tiago (PCP): — Uma vergonha!
O Sr. Jerónimo de Sousa (PCP): — … o perdão fiscal ao Novo Banco, ainda por cima tentando fazer isso à socapa numa lei sobre comissões bancárias para que ninguém se apercebesse. Em resumo, o Governo atribuiu ao Novo Banco um perdão fiscal que não podia atribuir, tentou depois aprovar uma lei para o legalizar e, como essa lei já não foi publicada a tempo, está agora a tentar legalizar o perdão fiscal retroativamente.
E os valores desse perdão fiscal ao Novo Banco são um verdadeiro escândalo. Trata-se de um perdão fiscal de, pelo menos, 85 milhões de euros em emolumentos de registos, mas em imposto de selo e de IMT podem estar em causa mais umas centenas de milhões de euros
Considerando o volume total dos créditos transferidos para o Novo Banco, e numa estimativa feita por baixo, poderá estar em causa um perdão fiscal ao Novo Banco num total de 445 milhões de euros.
Ou seja, o Governo, que esmaga os trabalhadores e os pequenos empresários com impostos, que não perdoa um cêntimo a quem se atrase a pagar impostos, que penhora casas de habitação por dívidas de 1800 €, é o mesmo Governo que decide fazer leis à medida para conceder um perdão fiscal de 445 milhões de euros apenas a um banco. Isto sem contar com a transferência de créditos fiscais, que pode atingir mais 240 milhões de euros para o Novo Banco, à boleia das mesmas leis feitas à medida.
É uma política de dois pesos e duas medidas. Por isso, por ser grave, consideramos importante que sejam aqui dados esclarecimentos, pelo que passo a colocar perguntas muito concretas.
Primeira pergunta: o perdão fiscal que foi concedido ao Novo Banco abrange ou não, também, o imposto de selo e o IMT?
Segunda: o perdão desses impostos já foi concedido ou estão ainda a prepará-lo?
Terceira: o Sr. Primeiro-Ministro desmente que o perdão fiscal em emolumentos concedido ao Novo Banco é anterior à Lei n.º 23-A/2015?
Por último, pergunto, Sr. Primeiro-Ministro: como é que o senhor justifica esta política do perdão fiscal aos bancos ao mesmo tempo que esmaga os portugueses com impostos?
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Já houve aqui um avanço: o reconhecimento de que a atribuição desses benefícios fiscais não tinha cobertura legal e, por isso, para dar a cara com a careta, foi preciso a maioria fazer uma alteração à lei, de calçadeira, a fim de legalizar aquilo que não era legal, ou seja, a atribuição desses benefícios.
Depois, também deixou aqui passar uma coisa: este Novo Banco é para privatizar e, enfim, como admitíamos que um benefício fiscal fosse aplicado numa empresa do Estado…
Está a rir-se porquê, Sr. Primeiro-Ministro?! Não vai privatizar o Novo Banco?!
Não?! Então, registamos essa sua posição.
Sr. Primeiro-Ministro, no essencial, está aqui colocada a política de dois pesos e duas medidas e, por isso, registamos que são 175 os novos casos diários de portugueses, de empresas, de famílias que não podem pagar as suas dívidas. O Governo é implacável e ordena «paguem!» e para a banca «perdoe-se!». Esta é a grande conclusão que se pode tirar de uma política de dois pesos e duas medidas.
Quanto às questões do apagão social, Sr. Primeiro-Ministro, não serve vir dizer que vai arranjar os médicos necessários para, até ao final de dezembro — já não estará cá, possivelmente —, responder aos anseios desses 1,2 milhões de portugueses.
Há dramas sociais, por exemplo, em relação à questão das creches sociais. Sabe o Sr. Primeiro-Ministro que existem milhares de famílias jovens que estão em fila de espera para encontrar uma creche onde colocar os seus filhos?!
Tão preocupados com a natalidade!… O grande drama é que essas preocupações soam a falso! É que, em relação a problemas tão concretos como este que lhe estou a colocar, da necessidade de creches sociais, o Governo não dá resposta, porque o Estado não tem capacidade de resposta. É por isso que são dois pesos e duas medidas, uma política de exploração e empobrecimento. Estava a ouvi-lo falar em Guimarães e pensava assim «bom, o Sr. Primeiro-Ministro canta bem, mas não me alegra». Não me alegra a mim, nem alegra os milhões de portugueses desempregados ou na pobreza! Mas sinto-me profundamente confiante numa coisa: com certeza, o povo português, um dia, vai mandá-lo cantar para outra rua.

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