Intervenção de

Debate mensal sobre acesso aos medicamentos - Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR

Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre acesso aos medicamentos 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Em
primeiro lugar gostaria de tecer uma breve consideração sobre a questão
de Timor, partindo do reconhecimento de que hoje existe uma situação
grave, num contexto internacional e regional bem complexo, diferente de
há tempos atrás, reconhecendo também o papel de Portugal na construção,
na ajuda, na contribuição para que aquele povo, aquele país, possa
construir o seu próprio futuro. Assim, queríamos transmitir as nossas
preocupações,porque
não temos todos os dados na mão, e esperamos que o «cheiro a petróleo»
não ensombre nem sufoque o percurso que aquele povo quer fazer em
relação ao seu próprio futuro.

Em relação à medida anunciada pelo Governo, queremos dizer que, tendo em conta as garantias
dadas, designadamente em relação às questões da cadeia de comando, ao
mandato e ao respeito pela soberania e pelo poder legítimo e legitimado
de Timor, creio que estão reunidas as condições para subscrever a
decisão do Governo em enviar forças da Guarda Nacional Republicana para
Timor, com este sentido, com esta medida e neste quadro concreto.

Sr. Primeiro-Ministro, vamos agora ao debate que escolheu para hoje, na Assembleia da República.

Sobre
o tema da política do medicamento, esperávamos que viesse aqui anunciar
uma inflexão na política que tem sido seguida pelo seu Governo. De
facto, nos últimos meses, as medidas do Governo foram todas no sentido
de agravar os gastos com medicamentos: retirou a majoração de 10% para
os medicamentos genéricos, retirou a comparticipação acrescida de 25%
para os reformados com pensões baixas, retirou a comparticipação a 100%
a uma grande parte dos medicamentos do escalão A (os mais
essenciais) e manteve um injusto sistema de referência do governo
anterior, castigando os utentes no preço quando os médicos não
autorizam a utilização do genérico.

Aliás,
no tempo do governo de direita, o Sr. Ministro da Saúde defendia que
este sistema era mau para o consumidor de baixos recursos, porque era
obrigado a pagar mais. Dizia então o ainda não Ministro da Saúde: «O
Governo optou por impor medidas que trazem poupança para o Estado, mas
à custa das populações». Do nosso ponto de vista, havia outras alternativas. Podia avançar com a prescrição com base
no princípio activo, conforme, aliás, escreveu no seu programa; podia
introduzir uma cláusula de salvaguarda no sistema de preços de
referência para que, sempre que o médico proibisse a utilização do
genérico, não fosse o utente a pagar a diferença; podia até aceitar
aquela velha proposta do PCP, a que todos os governos se mostram alérgicos,
de distribuir gratuitamente nos hospitais (e até já existem farmácias
hospitalares), ou por um preço mais acessível, aqueles medicamentos
que, sendo aí receitados, são mais caros para o Estado e para o utente
se forem comprados numa farmácia comercial do que  dispensados no próprio hospital.

Agora ouvimos falar em facilidades, mas para as concessionárias e não para as farmácias hospitalares.

Temos de reconhecer que se o Governo avançasse com estas medidas nos surpreenderia.

Mas,
não, o Governo não quer estas medidas porque elas, em vez de
prejudicarem os utentes, prejudicariam os interesses económicos do
sector.

Longe vai o tempo em que o ouvíamos falar, da bancada do PS, do combate aos lobbies. Hoje parece aplaudir um deles. Todos os portugueses têm sentido na pele o aumento dos gastos com a saúde — nos medicamentos,
nas taxas moderadoras e, também, na necessidade de recorrer a consultas
e a tratamentos privados por falta de resposta pública. A saúde está
mais cara para o nosso povo.

Afinal,
o que o Governo nos traz é sempre a mesma solução: liberalizar,
liberalizar e liberalizar, transformando até um bem essencial, como a
saúde, num sector em que quem manda, cada vez mais, sem qualquer
limitação…

Sr. Deputado, pode falar à-vontade, porque não me irrito com os apartes, como o Sr. Primeiro-Ministro…

Em relação à questão concreta que nos traz, a questão da verticalização
(até por conhecimento de experiências alheias noutros países),
inevitavelmente as farmácias acabam por ficar sempre nas mãos das
multinacionais, não directamente — nós conhecemos o esquema! — mas
através de empresas «testa de ferro», empresas da prima ou do cunhado,
havendo inevitavelmente uma concentração deste sector nas mãos das
multinacionais.

Obviamente, subscrevemos a alteração, por exemplo, das regras relativas à distribuição das
farmácias. Se quer uma opinião, fica a saber que estará acompanhado nas
alterações destas regras, em nome dos interesses das populações.

Mas,
Sr. Primeiro-Ministro, permita-me o seguinte àparte: cuidado com o
argumento que usou, de os farmacêuticos serem donos das farmácias, de
os jornalistas serem donos dos jornais… É que, levada ao extremo essa
sua fundamentação, veja lá o que aconteceria na advocacia ou no
notariado. Não assuste os advogados! Ou seja, levando à letra o seu
argumento, também se deveria colocar em questão as sociedades dos
advogados ou, mesmo, os notariados. Ou não? Isto se tomarmos como boa a
sua tese.

Sr. Primeiro-Ministro, ainda no quadro da saúde, coloco-lhe uma última questão sobre «aquelas coisas» do País real.

Recentemente
visitámos a região de onde é oriundo e lembro o Sr. Eng.º Sócrates
(determinado, até autodenominado como um animal feroz quando se zanga)
em relação a uma situação concreta da existência de três valências de
maternidade nos hospitais da Guarda, da Covilhã e de Castelo Branco, o
qual acabou por fazer não o papel de Sócrates mas o papel de Pilatos,
pois primeiro indicia a ideia do encerramento de pelo menos uma delas
mas, como não quer ficar com o odioso, uma comissão que trate disso!…
Mas, apelando a esse Sócrates determinado — já não digo ao animal feroz
—, peço que diga se vai ou não encerrar alguma das maternidades que
referi, na Guarda, na Covilhã ou em Castelo Branco. 

(…) 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Creio
que V. Ex.ª tem um problema que, em futuros debates, deveria ser
resolvido, que é o de não responder ao que pergunto. V. Ex.ª responde
ao que pensa que vou perguntar, o que é totalmente diferente…

Creio
que seria bom para qualquer um de nós, e para a Assembleia da
República, que o Sr. Primeiro-Ministro respondesse ao que se pergunta.

Não
disse que defendemos todas as maternidades, todas as escolas, todos os
CATUS (Centro de Atendimento de Urgências), os SAP (Serviço de
Atendimento Permanente). Não!

Volto a precisar a pergunta. Por que razão decidiu relativamente a várias, em Barcelos, em
Elvas, etc., e curiosamente não decide sobre esta?! É por razões da sua
origem? Creio que tenho o direito legítimo de o interrogar por que
razão foi tão célere em relação a outras regiões e, particularmente,
porque motivo ali existe um problema. Há uma inquietação, uma
preocupação das pessoas e não há resposta por parte do Governo!

Em relação ao tema que nos trouxe aqui e o facto de ver, ou não, multinacionais em todo o lado,
nós também procurámos conhecer a realidade de outros países e sabemos
que o modelo actual existente em Portugal faz parte do modelo da
maioria dos países da União Europeia.

O problema não é esse. E até temos, por exemplo, o caso concreto da Noruega. Sabemos que, com esta verticalização, as multinacionais tomaram conta do sector. Quer uma experiência concreta?

Aqui está.

Em
relação ao discurso de há 20 ou 30 anos, oxalá nos tivéssemos enganado
muitas vezes. Quer um exemplo concreto em relação à moeda única? Cada
vez são mais as vozes que afirmam que a nossa entrada na moeda única
foi um desastre, que foi precipitada. «Aqui d’el-rei!» quando o PCP
anunciou que essa medida seria precipitada, seria má para a nossa
economia, porque ela não estava preparada para essa situação.

«Lá
está o PCP com o discurso de há anos atrás!» Afinal, a vida demonstra
que o PCP tem razão, como vai demonstrar, infelizmente, que temos razão
em relação a esta política de direita que o seu Governo está a realizar.

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