Debate mensal do Primeiro-Ministro com o Parlamento, sobre a consolidação das contas públicas
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Escolheu como tema deste debate mensal a consolidação das contas públicas. Ainda bem que o fez, porque este talvez seja o momento oportuno para reflectir acerca das consequências de uma política económica e orçamental que faz docombate ao défice a preocupação central e quase absoluta das suas orientações.
Vangloria-se o Governo com o facto de o défice das contas públicas ter ficado abaixo da meta de 4,6% definida no Programa de Estabilidade e Crescimento e apresenta esse facto como uma espécie de troféu da sua política. Nenhum aplauso, nenhuma omissão do seu discurso, nenhuma deriva em relação a este tema central do debate aqui feito pela direita impede que se coloque esta questão nuclear: é preciso saber à custa de quem e do quê se obteve este resultado.
Podendo admitir-se que é uma «verdade de La Palice», um País nunca fica melhor quando a maioria do seu povo fica pior, e é isso que está a acontecer em Portugal.
O País tem menos défice público, mas aumentou o défice social, as injustiças e as desigualdades.
Não sou eu quem o diz mas, sim, as estatísticas e os relatórios internacionais.
De facto, Sr. Primeiro-Ministro, este é um resultado conseguido à custa de outras questões mais importantes e essenciais para o País, para o relançamento da economia e do melhoramento das condições de vida das pessoas e das famílias. É o resultado que se obtém pela redução drástica do investimento público, que bem preciso era para a dinamização da economia no seu conjunto. É o resultado de uma amarga política de contenção da despesa social, da manutenção de uma carga fiscal brutal e injusta e é o resultado que se obtém à custa da redução dos salários e direitos dos trabalhadores da Administração Pública. Na verdade, Sr. Primeiro-Ministro, esta política de «absolutização» do défice está a agravar todos os problemas do País e dos portugueses.
Pode o Sr. Primeiro-Ministro vir dizer que a economia retomou a trajectória do crescimento, mas isso só prova que, se fosse outra a prioridade da política económica, não teríamos atingido um nível de crescimento que é metade do da média europeia e talvez estivéssemos, finalmente, a inverter o caminho da divergência com a Europa.
E se, em vez do magro crescimento de 1,3% do PIB, tivéssemos alcançado apenas e tão-só a média europeia, a redução do défice não seria apenas de sete décimas e não seria necessário, certamente, cortar na despesa social, nos salários e nos direitos dos trabalhadores.
Seria bom lembrar que o diferencial do défice, entre os previstos 4,6% e os agora anunciados 3,9%, corresponde a menos 922 milhões de euros de despesa pública, ou seja, 91% de puro corte no investimento público. Tal tem também por consequência os elevados níveis de desemprego, que atingiu a maior taxa dos últimos 20 anos, como já foi aqui dito. Mas sente-se, ainda, na qualidade de vida das pessoas, com o encerramento de serviços públicos, nomeadamente de maternidades, de serviços de saúde, de urgências ou de escolas. O seu Governo foi às reformas dos trabalhadores da Administração Pública, ao subsídio de desemprego, ao preço dos medicamentos, aos direitos dos deficientes, aos remediados e puxou-os para baixo.
Determinado e corajoso, dizem os media, a seu respeito. Que pena, Sr. Primeiro-Ministro, que não seja tão determinado e tão corajoso para desafiar os grandes senhores do dinheiro, que, mais uma vez, o reflectem através da acumulação e da concentração da riqueza, enquanto a maioria do nosso povo está a passar por dificuldades! Falta-lhe essa coragem, falta-lhe essa determinação! Limita-se a pedir-lhes uns trocos e não a pedir-lhes também sacrifícios para a recuperação económica.
Só na saúde, a previsão é de um corte de 100 milhões de euros em 2007 e de 170 milhões de euros em cada um dos três anos seguintes. Há também um desaproveitamento dos fundos comunitários que a redução do investimento não permitiu aproveitar, designadamente, na área agro-ambiental.
Falamos em ganhos de défice das contas públicas, mas esquecemos que a dívida pública continua a crescer.
Mas, mais grave do que isso, como é que o Governo pretende conservar para o futuro o seu troféu da redução das contas públicas, que já aqui anunciou? Pretende continuar com o desemprego? Com os despedimentos da função pública, com a precarização e com mais contenção salarial?
A sustentabilidade, do ponto de vista do seu Governo, está na proliferação de listas supranumerárias, como a primeira listagem, que passo a mostrar, dos funcionários da área da agricultura. E estamos a falar, Sr. Primeiro-Ministro, de 231 técnicos, quadros superiores, que constam de uma «lista negra» em termos de supranumerários.
Diga-nos, Sr. Primeiro-Ministro, quantos são os funcionários que a sustentabilidade das finanças públicas vai mandar para o quadro de supranumerários em 2007. Pretende continuar a política de restrição do investimento? Pretende continuar com os cortes da despesa pública, nomeadamente na saúde e no ensino? Pretende continuar com o novo pacote de privatizações, como na ANA, na TAP, na REN, que são empresas estratégicas, pondo em causa a própria soberania nacional?
Creio que é um preço muito elevado para o futuro do povo português!
Sr. Primeiro-Ministro, não era mais lógico, num País que precisa, «como pão para a boca», de reforçar a sua economia e de combater o desemprego, aproveitar bem as possibilidades, ainda que insuficientes, da reformulação do Pacto de Estabilidade e Crescimento de há dois anos para atingir esse objectivo, em vez de apertar o garrote do défice, num registo «mais papista que o Papa» e num notável exercício de ortodoxia neoliberal?
Penalizou os trabalhadores, penalizou a classe mais numerosa e outras camadas sociais.
Pensava o Sr. Primeiro-Ministro que o discurso das inevitabilidades, essa ideia instalada de que «o mundo é assim e nada podemos fazer» resultava em conformismo, mas não!
Sr. Primeiro-Ministro, talvez seja este o momento de reflectir sobre o significado da imponente manifestação nacional que ocorreu em Lisboa, no princípio deste mês, e por que razão cresce o descontentamento dos portugueses em relação à política do seu Governo. Ou não, Sr. Primeiro-Ministro?!
Ou julga que, com esse seu sorriso beatífico, estiveram lá 150 000 pessoas manipuladas pelo Partido Comunista Português, que responderam «a toque de caixa» ao nosso apelo?! Engana-se, Sr. Primeiro-Ministro! Estavam lá muitos que votaram no seu partido nas eleições legislativas, que estão descontentes, que se sentem atingidos pelos seus direitos, que se sentem enganados. Bastaria, com certeza, ouvi-los para perceber que não pode subestimar esse acontecimento, porque sabe que, quando o povo quer, é capaz de silenciar os aplausos e de mudar de rumo a política nacional.
(...)
Sr. Presidente,
Quase que fui tentado a recorrer à figura da defesa da honra, mas creio que os 3 minutos de que disponho são suficientes para clarificar uma ou duas questões centrais.
O Sr. Primeiro-Ministro não falou verdade quando disse que nós éramos pela continuação da situação do défice das contas públicas.
Sempre afirmámos publicamente que, sendo este um problema, não era um problema central, pois este estava na necessidade do crescimento e do desenvolvimento da economia, que é totalmente diferente do que o Sr. Primeiro-Ministro afirmou.
Em relação a uma expressão sua, quando disse que «os portugueses estão orgulhosos com esta redução do défice», digo-lhe: olhe que não, Sr. Primeiro-Ministro! Não estão nada orgulhosos.
Estão profundamente preocupados e atingidos pelas políticas sociais que o Sr. Primeiro-Ministro desenvolveu.
Não é por acaso que, nas suas citações, para procurar confrontar a direita, se sirva como troféu, como apoio e como aplauso das vozes da direita, dos neoliberais, dos economistas que mais alinham com esta ideia de uma sociedade transformada num sentido diferente pelas mãos do Partido Socialista, mas com uma política neoliberal.
É por isso que fico profundamente preocupado em ouvir o Sr. Primeiro-Ministro a estar sempre a fazer estas citações, seguindo, no essencial, a cartilha daqueles que, um dia, no conclave do Beato, reuniram uma série de reclamações e reivindicações, que parece que o seu Governo está disposto a levar por diante.
Quanto ao desabafo do Sr. Ministro, que disse que a banca pagou mais não sei quantos milhões, podia dizer-lhe imediatamente como é que, numa altura de dificuldades para a maioria dos portugueses, houve, por exemplo, cinco bancos tiveram 4000 milhões de euros de lucro. É disso que estamos a falar, Sr. Primeiro-Ministro.
Em relação à questão da taxa efectiva, quando apresentámos uma proposta para, pelo menos, haver uma taxa de 20%, a reacção do seu Governo e da bancada do Partido Socialista foi recusar, votar contra, permitindo, assim, que alguma injustiça fosse corrigida.
Por último, Sr. Primeiro-Ministro, quanto à questão de ter invocado que eu represento apenas os eleitores do meu partido, V. Ex.ª, com certeza, esquece - e eu sei que sabe, mas é importante lembrar - que somos Deputados da República e que todos temos a obrigação de defender não apenas o nosso eleitorado mas aquilo que consideramos profundamente justo para o nosso povo.
Não estou aqui armado em representante, não estou a falar em nome de todos, mas, se ando no terreno, se ando junto das pessoas - e são muitos os que não são do meu partido e que se me dirigem, transmitindo preocupações -, entendo que tenho o direito e o dever democrático de colocar as suas preocupações na Assembleia da República, confrontando o Sr. Primeiro-Ministro, mesmo que essas críticas tenham origem em homens, mulheres e jovens que tenham votado no Partido Socialista.
Assim farei sempre, porque estendo que esta é a melhor forma de servir a democracia.