Quando ainda ecoam as gravíssimas decisões do último Conselho Europeu na imposição de novas e intoleráveis limitações à soberania, e porque não dizê-lo, à indisfarçável intenção de expropriar o direito do nosso país de conduzir e adoptar as políticas económicas e orçamentais que sirvam o seu desenvolvimento, subordinando-as aos interesses do directório das grandes potências e do capital financeiro, esta iniciativa sobre a Política Comum de Pescas e a situação do sector ganha acrescida actualidade.
Na verdade, se há sectores da actividade económica a mostrar e demonstrar as razões da profunda crise que o País atravessa, do dramático endividamento externo, dos persistentes défices comerciais, resultantes de importarmos o que cá podíamos produzir, as pescas, como a agricultura, são um livro aberto! E a apontar sem hesitações os responsáveis políticos, PS, PSD e CDS, pelo sufoco financeiro, económico e social que vivemos!
A situação e a evolução do sector das pescas são indissociáveis da sua inserção na Política Comum de Pescas da União Europeia. Da adesão de Portugal à CEE em 1986, das evoluções da integração comunitária. Quem tiver alguma dúvida pode ler os documentos e análises que o PCP produziu sobre as consequências dessas decisões para a actividade produtiva, agricultura, indústria, e pescas!
A integração das pescas nacionais na Política Comum de Pescas, em finais da década de 80, é exemplar do que foi o negligenciar, e mesmo o desprezar, dos interesses nacionais, por parte de sucessivos governos PSD, PS e CDS, ao longo das últimas duas décadas e meia.
Sem corar de vergonha, alguns dos protagonistas de então – entre os quais avulta o actual Presidente da República, à época primeiro-ministro – não se cansam hoje de clamar por um maior aproveitamento desse imenso recurso nacional, que é o mar. “O país virou costas ao mar”, dizem. Pois bem, só na década de 90 – como sabemos, com as responsabilidades governativas divididas entre o PSD de Cavaco Silva e o PS de Guterres – Portugal reduziu a sua frota pesqueira em 36%. Consequência deste abate indiscriminado da frota, no mesmo período, as capturas caíram 40%.
Os hoje “amigos do mar”, são os mesmos que, ao longo de 35 anos de políticas de direita, não só reduziram dramaticamente a dimensão e capacidade das pescas nacionais, como praticamente liquidaram muitas outras actividades económicas que têm o mar como coração da sua existência. É a mesma gente que acabou com a marinha mercante portuguesa, que encerrou e continua a encerrar estaleiros de pequena, média e grande dimensão em toda a nossa costa. É a mesma gente que foi trocando as infraestruturas de apoio à pesca e à marinharia – portos, instalações da DOCAPESCA, Escola de Formação, etc – por umas regatas de iates que nunca se realizam, ou para edifícios da Fundação Champalimaud! Chegando-se à situação escandalosa, ao absurdo, como aqui foi denunciado, de toda a margem direita do Tejo e linha de costa norte da área metropolitana de Lisboa ter ficado sem um único Porto para a pesca! É a mesma gente que é responsável pela eliminação de muita da indústria conserveira portuguesa!
Com o argumento da sobrecapacidade das frotas, a UE prosseguiu a política de abate sem ter em conta as especificidades das frotas, das artes de pesca, o estado dos recursos pesqueiros e as necessidades de consumo de cada país. Uma opção, passivamente aceite pelos governos nacionais e sem impactos significativos na conservação dos recursos. Ainda hoje no Fundo Europeu das Pescas a fatia de leão financia o abate, quando devia apoiar a renovação e modernização das embarcações.
Entretanto, a liberalização do acesso às águas nacionais (para lá das 12 milhas no continente e das 100 milhas nos Açores e na Madeira) criou uma pressão acrescida sobre alguns recursos, como é hoje visível, por exemplo, na região autónoma dos Açores. O resultado deste caminho aí está: Portugal tem a maior Zona Económica Exclusiva de todos os 27 países da UE. Mas, apesar disso, importa hoje cerca de dois terços do peixe que consome.
Este é também o resultado de uma gestão cada vez mais centralizada, distante da realidade, dos recursos, das comunidades e que o Tratado de Lisboa consagrou. Tudo contrariando a gestão de proximidade, envolvendo as comunidades e o sector que é a que mais eficazmente responde ao abastecimento de pescado, a melhoria das condições de vida e de trabalho dos pescadores, através de uma gestão sustentável dos recursos.
É neste quadro, profundamente desfavorável, que a Comissão Europeia veio apresentar a sua proposta de revisão da Política Comum de Pescas. Proposta que não apenas não dá resposta a nenhum dos principais problemas que o sector enfrenta, como, a ser implementada, levará inevitavelmente ao agravamento de muitos deles.
Demonstrando, mais uma vez, a natureza e os objectivos do processo de integração capitalista que é a UE, que a crise não só não conteve como, pelo contrário, vem expondo com maior clareza, propõe-se agora a instauração de um sistema de concessões de pesca transferíveis. Ou seja, foram recuperar o que já em 2002 quiseram fazer mas que foi então recusado: a instauração de um sistema de direitos de propriedade, ou de exploração, comercializáveis, para se aceder a um bem público – os recursos pesqueiros.
O resultado desta autêntica privatização dos mares será a concentração da propriedade e da actividade num punhado de operadores com maior poderio económico e financeiro – a própria Comissão Europeia o reconhece. Essa concentração dar-se-á a nível nacional, numa primeira fase, mas inevitavelmente, mais tarde ou mais cedo, ao nível europeu. (Alguém será capaz de nos dizer como se impede que um armador estrangeiro com barcos em Portugal, abocanhe e concentre na sua empresa “direitos” nacionais, que depois passarão a ser explorados a partir dos seus barcos doutros países!?).
As consequências serão particularmente graves para países economicamente mais frágeis, como Portugal, e com peso preponderante dos segmentos da pequena pesca costeira e artesanal.
É elucidativo que, neste cenário, a Comissão Europeia coloque como um objectivo “limitar as perdas de postos de trabalho” no sector. Trata-se de uma intolerável confissão antecipada do que sabe virem a ser as consequências da aplicação prática da sua reforma. Ao mesmo tempo que se avança com as chamadas concessões individuais transferíveis, escasseiam as medidas que se impunham para atacar os graves problemas que o sector enfrenta. Refira-se, de entre estes, o autêntico nó górdio que é a crise de rendimentos no sector.
A subida do preço do petróleo vem determinando uma muito significativa subida dos custos dos factores de produção (em muitos casos incomportável) e o agravamento, de forma significativa, da crise de rendimentos no sector. Crise que resulta dos persistentes baixos preços de primeira venda do pescado. O que leva pescadores e armadores a cessarem actividade.
Recentemente, o PCP defendeu, no Parlamento Europeu, a adopção de medidas comunitárias de emergência e medidas para sustentabilidade. Na resolução aprovada constam:
- a utilização de todas as possibilidades do orçamento comunitário das pescas para financiar medidas extraordinárias de apoio ao sector e para ultrapassar as dificuldades do aumento dos combustíveis;
- a introdução de mecanismos que melhorem o preço de primeira venda, valorizando os preços pagos à produção e a máxima contenção no consumidor;
- que o Fundo Europeu das Pescas ajude uma melhor selectividade das artes e a substituição de motores (razões de segurança, ambientais, economia de combustível) privilegiando a pequena pesca.
A resolução reconhece ainda a insegurança dos rendimentos o que exige a necessidade de auxílios públicos nacionais e comunitários. Mas são questões ignoradas pela proposta de reforma da Politica Comum de Pescas apresentada pela Comissão Europeia. Pelo contrário, quer desmantelar-se a regulação da OCM – Organização Comum dos Mercados. À semelhança do que se passa na agricultura, também aqui, é a dita “orientação para o mercado e a competitividade” que impera.
Também na Assembleia da República se tem feito uma intensa e persistente intervenção em defesa do sector piscatório nacional. Não só pressionando o Governo para que assuma na revisão da Politica Comum de Pescas uma posição conforme com os interesses nacionais, como avançando com propostas de resposta a inúmeros problemas concretos que afectam a pesca artesanal e costeira, como ainda bem recentemente sucedeu durante o debate do OE para 2012, nomeadamente: a reposição da contribuição para a segurança Social, conforme era antes da aprovação do Código Contributivo do Governo PS/Sócrates, que a luta dos pescadores ganhou, como que o Governo assuma responsabilidades pelas dívidas de muitos pescadores durante o período em que vigorou esse regime; a exigência de um apoio à gasolina usada como combustível, à semelhança do que existe para o gasóleo, para a pequena pesqueira, acabando-se com as desculpas de mau pagador de experiências pilotos com outros combustíveis; as propostas para que o Governo invista em obras de desassoreamento, construção ou requalificação de portos e barras, dando segurança e condições de desembarque e de descargas do pescado; a melhoria do regime de compensação salarial, alargando-se a sua abrangência e valores, inteiramente possível face aos fundos existentes; a declaração pela Autoridade Marítima da impossibilidade da actividade por mau tempo, mesmo em praias sem instalações daquela Autoridade; a promoção de uma efectiva e continuada formação profissional, particularmente centrada nos problemas da segurança marítima para uma melhor e mais adequada aplicação do PROMAR, nomeadamente na prioridade que deve ser dada à pequena pesca, e não pelo privilegiar dos projectos de aquacultura.
O PCP não deixará de intervir e de lutar nos próximos tempos, seja no plano nacional e na AR, seja no Parlamento Europeu, para travar as intenções mais gravosas da Comissão Europeia para esta reforma da Política Comum de Pescas, por um lado e, por outro lado, defender as medidas que se impõem.
Entre outras: a defesa de uma gestão de proximidade e das especificidades da pesca de pequena escala, costeira, e da pesca artesanal e a defesa de um programa específico de apoio a este segmento da frota; a melhoria dos rendimentos dos pescadores e a garantia de mecanismos de apoio aos pescadores afectados pelos planos de recuperação de stocks e medidas de protecção dos ecossistemas marinhos; o reconhecimento da soberania dos Estados-membros sobre as suas águas territoriais, as zonas económicas exclusivas e as respectivas plataformas continentais e a manutenção de uma área de reserva de acesso exclusivo destinada às frotas nacionais, de cada Estado-membro; o apoio à renovação e modernização da frota de pesca, especialmente, promovendo as condições de segurança e a sustentabilidade ambiental, a economia de combustível e a selectividade das artes; a rejeição das concessões individuais transferíveis e da criação de mercados de concessões, direitos ou quotas de pesca.
Mas, permitam-me que saliente também três questões, do nosso ponto de vista cruciais, para defender as pescas portuguesas:
1ª. Garantir o direito a pescar aos pescadores portugueses, naturalmente no respeito pelos necessários equilíbrios biológicos dos recursos;
2ª. Garantir um adequado rendimento da actividade piscatória, com medidas que atrás indicamos, e onde os combustíveis têm um peso determinante. Só assim se assegura o futuro das pescas portuguesas e se cria uma efectiva e autêntica rede de segurança para a actividade. Enquanto o pescador continuar a necessitar de arriscar a vida em condições climáticas adversas e outras, para garantir a sobrevivência da sua família, não haverá colete nem radiobaliza que impeça este infindável ceifar de vidas que se continua a verificar! (Isto, sem desvalorizar meios e equipamentos de segurança!);
3ª. Os pescadores não querem nem nunca quiseram o monopólio do mar. Mas hoje é obrigatório garantir que a possível e necessária exploração das muitas outras valência do espaço marítimo – energia, prospecção mineira e combustíveis fosseis, actividades náuticas ou turísticas, e mesmo a aquicultura offshore, etc. não colida e impeça a actividade dos que têm direitos históricos no uso desse espaço: os pescadores! Este é um risco que vai crescer, e que a chamada Política Integrada do Mar da União Europeia pode potenciar a um nível elevado. Há que lhe dar o devido combate!
Defender a soberania nacional, assegurar as condições para o desenvolvimento económico e o progresso social no nosso país, elevar as condições de vida e os rendimento dos trabalhadores e do povo, são objectivos inseparáveis da luta pela rejeição do pacto de agressão e pela concretização de uma política patriótica e de esquerda que ponha fim ao rumo de declínio e empobrecimento a que querem condenar Portugal e os portugueses.
Como esta iniciativa o testemunhou, e ao contrário dos que ao serviço do capital não hesitam em vender o país ao estrangeiro com base em falsas inevitabilidades ou com as teorias do «tem de ser assim», há uma outra política capaz de dar resposta à afirmação do país e às aspirações do nosso povo a uma vida melhor e a um Portugal com futuro.
Podem contar com o PCP!