Intervenção de Miguel Tiago na Assembleia de República

Debate do Programa do XIX Governo Constitucional

Sr.ª Presidente,
Sr. Ministro,
Este é um Programa que continua a linha de subversão e de desmantelamento da escola pública. Prossegue, aliás, a intenção clara dos últimos governos de colocação da escola ao serviço estrito do mercado de trabalho.
Abandona completamente a perspectiva da formação da cultura integral do indivíduo, da criação e formação de cidadãos, homens e mulheres, rapazes e raparigas, para uma vida plena
em sociedade e orienta a escola para aquilo que é, aliás, a concepção do Governo, isto é, para fornecer mãode-obra barata e precária ao mercado de trabalho.
Este Programa cria também uma escola a duas velocidades de forma ainda mais marcada do que anteriormente conhecíamos, uma escola em que, assumidamente, os filhos dos pobres, como dizia ontem o meu camarada Jerónimo de Sousa, prosseguem para uma via profissionalizante e em que apenas os filhos daqueles que podem pagar poderão prosseguir para o ensino superior. Isso é muito claro e nem sequer é disfarçado neste Programa.
Existe ainda uma outra velocidade, a do ensino privado, que merece destaque. Aliás, o programa da tróica, que CDS, PS e PSD assinaram, diz mesmo que tem de limitar-se o financiamento às escolas privadas. Nesse caso já arranjaram uma solução. Para atacar os salários e os direitos dos trabalhadores não há solução, tem de se cumprir o programa da tróica, mas para tocar nos interesses das escolas privadas já se arranjou uma salvação, a que o Governo nos apresenta, dizendo que afinal esse ponto do programa da tróica até tem outra solução.
Sr. Ministro, passo a colocar-lhe algumas questões.
O seu discurso centrou-se, ainda que de forma muito resumida, na ideia da melhoria da qualidade. Mas o Sr. Ministro referiu-se muito pouco a como melhorar a qualidade, e julgo que essa talvez seja a questão essencial.
A nós, PCP, interessa-nos saber como, até porque a nossa concepção de qualidade, muitas vezes, é profundamente distinta. Como é que vai melhorar a qualidade quando já este ano a escola pública conta com menos 800 milhões de euros? Como é que vai melhorar a qualidade quando assina um contrato de submissão em que se compromete com cortes da ordem de mais de 140 milhões de euros para o ano que vem, só no Orçamento do Estado, para o seu Ministério?
Como é que vai melhorar a qualidade sem ter uma única palavra sobre a colocação de psicólogos nas escolas?
Sobre o recrutamento de professores por concurso nacional em lista graduada, como é que vai melhorar a qualidade quando o Sr. Ministro não foi capaz de nos dizer que vai já suspender os efeitos do regime de avaliação e que vai já suspender os efeitos do diploma da organização do ano lectivo, que corta 20 000 a 30 000 horários de professores nas escolas?
Como é que vai melhorar a qualidade sem funcionários nas escolas? Aliás, olhando para este programa, a tendência é para diminuir a qualidade. Tudo isto num contexto de mais pobreza e de mais degradação social.
Como nota de rodapé, não porque seja menos importante, mas porque não disponho de mais tempo, e já que o Sr. Ministro fala da revisão da lei de financiamento, pergunto: a revisão da lei de financiamento representa um brutal aumento das propinas, não é Sr. Ministro?

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