Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Debate do Programa do XIX Governo Constitucional

Sr. Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo:
A Sr.ª Ministra tem na área da justiça uma das tarefas mais difíceis deste Governo, não só porque foram muitas as más opções dos anteriores governos do PS mas também porque, em muitos casos, essas más opções foram acompanhadas pelo PSD e pelo CDS.
Aliás, a Sr.ª Ministra acabou de referir na sua intervenção um caso gritante de uma dessas más opções: a lei do processo de inventário. Mas a verdade é, como a Sr.ª Ministra sabe, que essa lei foi aprovada na Assembleia da República com o apoio do PS e das bancadas da direita.
Mas há mais exemplos de medidas que contribuíram de facto para a degradação do sistema de justiça e que foram aprovadas não só pela bancada que sustentava os anteriores governos mas também pelo CDS e pelo PSD. São disso exemplo as duas reformas ao Código de Processo Penal, o Regulamento das Custas Processuais, a Lei-Quadro da Política Criminal e as sucessivas opções que foram tomadas em matéria de política criminal, ou até mesmo as alterações à acção executiva, que se revelaram um verdadeiro desastre em matéria de política de justiça.
Ora, a tarefa que a Sr.ª Ministra tem a seu cargo é difícil, porque temos hoje uma justiça de classe que impede os cidadãos mais pobres de exercerem os seus direitos nos tribunais, porque não podem suportar os custos com a justiça, temos uma justiça de classe que deixa impunes os mais
ricos e poderosos, particularmente nos domínios da criminalidade económica, da corrupção e da criminalidade organizada, e temos uma justiça em que os portugueses parecem confiar cada vez menos e que necessita de mais meios e de melhores opções mas também de menos espectáculo e de menos propaganda, e esperamos que a Sr.ª Ministra contribua também para esses desideratos.
Por isso, é fundamental que a Sr.ª Ministra possa hoje clarificar aqui alguns aspectos vagos e imprecisos do Programa do Governo e outros aspectos que nele não se encontram.
Por exemplo, é preciso que a Sr.ª Ministra explique hoje se vai ou não tornar a justiça mais acessível aos cidadãos, reduzindo as custas e os custos com a justiça, garantindo um sistema de apoio judiciário acessível aos que dele necessitam e garantindo também, obviamente, o pagamento a tempo e horas aos advogados que prestam esse serviço.
É também preciso que a Sr.ª Ministra explique que medidas é que vai tomar para garantir o combate à criminalidade económica organizada e por que é que não há no Programa do Governo uma única referência ao combate ao enriquecimento ilícito.
A Sr.ª Ministra já hoje falou na corrupção, mas o PCP julga — e vamos apresentar propostas nesse sentido — que não há combate à corrupção que seja eficaz se não for acompanhado do combate ao enriquecimento ilícito. Todavia, no Programa do Governo não há uma única referência a essa matéria e gostaríamos de saber porquê.
Sr.ª Ministra, gostaria ainda de saber de que meios é que vai dispor o seu Ministério, não só em termos de meios humanos mas sobretudo em termos orçamentais e qual vai ser o impacto das medidas restritivas que vão ser impostas no âmbito da política de justiça, porque «sem ovos não se fazem omeletas» e, portanto, com um orçamento mais reduzido não haverá uma política de justiça mais eficaz.
Por último e para concluir, gostava de solicitar da Sr.ª Ministra um esclarecimento relativo a questões que têm a ver com o Tribunal de Contas, perguntando-lhe por que é que o Governo pretende impedir os efeitos financeiros antes do visto do Tribunal de Contas apenas nas parcerias público-privadas e não em todos os contratos de valor relevante, e o que é que significa, Sr.ª Ministra, privilegiar a função fiscalizadora do Tribunal de Contas em contraste com a sua função judicial.
Julgamos que estas são questões, tendo em conta a exiguidade do tempo, que merecem algum
esclarecimento no debate deste Programa do Governo.

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