Intervenção de

Debate de urgência sobre os resultados do Recenseamento Eleitoral - Intervenção Luís Sá

Senhor Presidente,
Senhores Deputados,

A estabilidade e a fiabilidade do recenseamento eleitoral foi uma conquista
democrática fundamental para a própria fiabilidade dos resultados eleitorais.
Apesar disso o fenómeno da abstenção técnica assumiu grande dimensão em Portugal.
Tivemos oportunidade de alertar repetidamente para esse facto ao longo dos anos.

É evidente que não estamos perante um caso único. Os estudos conhecidos apontam
para níveis de 8% ou mais em França e 11% nos EUA de falsos eleitores, que não
foram eliminados indevidamente dos cadernos eleitorais.

Mas, em Portugal, nós temos uma situação que torna o facto especialmente grave:
é que não se trata só de dificultar fraudes eleitorais. Na verdade, para muitos
fins, o poder político optou sistematicamente ao longo dos anos por tomar o
número de eleitores e não o número de habitantes como sendo o fidedigno. Assentou-se
em que o recenseamento da população não estaria bem, mas o recenseamento dos
eleitores mereceria confiança praticamente integral.

É no número de eleitores que se baseia o número de deputados de cada círculo
eleitoral, podendo influenciar o número de deputados de cada partido.

É no número de eleitores que se baseia o número de membros de cada câmara e
assembleia municipal, de cada junta e assembleia de freguesia, o que também
pode influenciar a sua composição política.

É no número de eleitores que se baseia o número de membros a tempo inteiro das
câmaras e juntas e a respectiva remuneração.

Estamos perante um fenómeno, a abstenção técnica, que já quando a Lei do Recenseamento
foi elaborada em 1978 era conhecido e foi abordado. Em 1991 o Director Geral
do STAPE já falava de 5 a 6% de falsos eleitores, que desde então não pararam
de subir. Segundo dados oficias que o "Expresso" de 5 de Janeiro de 1991 publicava,
o número de "eleitores fantasmas", isto é, de inscrições indevidas, seria de
11,6% no Norte e Centro Interior, 7% no Centro Litoral, 5% em Lisboa e Setúbal,
10,9% no Alentejo e 9% no Algarve.

Muitos municípios do país têm mais eleitores do que habitantes. E basta comparar
o número de eliminações de falecidos com o número de novos eleitores para ver
que se atingiu uma situação aberrante que não se resolve com a eliminação de
43o mil eleitores.

Passaram desde então 7 anos e meio e mais dois anos depois da posse do actual
Governo. Daí que nos pareça que este fenómeno nunca foi encarado com a seriedade
que merece. Aprovámos a rectificação extraordinária, mas parece-nos tardia e
apressada.

A tudo isto, somou-se a norma, discutível e discutida, introduzida na última
revisão constitucional, que faz depender o carácter vinculativo do referendo
da participação de 50% dos eleitores. Se o número de eleitores não estiver correcto,
podem eventualmente introduzir-se distorções intoleráveis.

Neste quadro, não se pode considerar com ligeireza a avaliação dos resultados
da actualização extraordinária do recenseamento. As incorrecções podem significar
injustiças nas eleições legislativas e autárquicas, nas verbas dos municípios
e freguesias e pode fazer-se tábua rasa de referendos como se não houvesse uma
participação mínima que até pode ter havido.

Não se pode dizer que eliminar 430 mil eleitores é melhor do que os ter a mais
sem avaliar a situação com rigor e as consequências e causas dos muitos que
não foram eliminadas em todas as suas incidências. É preciso também avaliar
quantos terão permanecido indevidamente inscritos e porquê, e o que se vai fazer
no futuro.

Tínhamos muitos concelhos e freguesias no país com mais eleitores do que habitantes.
Como estamos agora? Provavelmente nem o censo da população nem o recenseamento
eleitoral são inteiramente fiáveis.

Quisemos, numa iniciativa séria, dar a oportunidade ao Governo de vir aqui fazer
um balanço rigoroso e objectivo do quadro existente e assumir as suas responsabilidades.

E, já agora, desafiamos a que informe o Parlamento nesta oportunidade sobre
que medidas vai tomar para tornar mais fiáveis no futuro quer o censo da população.

Com este debate de urgência não queremos fazer chicana em torno de um problema
que diz respeito e é do interesse de todos . Queremos que o Governo informe
e preste contas no lugar próprio, a Assembleia da República, do que se passou
e do que se vai passar neste importante problema. É indiscutível que os técnicos
dos serviços oficiais competentes afirmaram que precisavam de oito meses para
esta actualização.

Dir-se-á que o encurtamento brutal dos prazos para menos de metade deve-se à
marcação do referendo para 28 de Junho.

Não vamos discutir este referendo outra vez, nem os calendários, nem a imposição
de 50% para os referendos serem vinculativos. Invoca-se a celeridade com que
teve de decorrer o trabalho de actualização. Mas perguntamos o que levou o Governo
a demorar tanto tempo a iniciar este processo quando o fenómeno da larga abstenção
técnica é conhecido há muitos anos e o Governo já estava no poder há dois.

Não vamos discutir a selecção das três empresas, apesar do "cadastro" na Inspecção
Geral de Trabalho que foi referido na imprensa em alguns casos. Mas o que nos
parece evidente é que quando a Administração contrata empresas não se pode alhear
das condições de trabalho praticadas nessas mesmas empresas. O desespero de
desempregados jovens ou menos jovens, não pode permitir que se lhes imponha
quaisquer condições e ritmos de trabalho.

E queremos também três respostas concretas.

É verdade ou não que não foram eliminados muitos eleitores já falecidos, por
carências da informatização do Ministério da Justiça, da falta de tempo e do
funcionamento das conservatórias?

É verdade ou não que não houve cruzamento de informação entre os recenseados
no território nacional e os recenseados no estrangeiro, impossibilitando eliminações,
o que é especialmente grave num país que se gaba de uma baixa taxa de desemprego,
mas que só a tem porque há milhões de emigrantes?

Aguardamos explicações do Governo. E aguardamos sobretudo que assuma as suas
responsabilidades. A situação já foi assumida publicamente como negativa. É
possível e urgente que seja corrigida.

Estamos disponíveis para viabilizar a introdução no sistema de recenseamento
eleitoral das alterações que garantam no futuro a sua maior transparência e
fiabilidade. Aguardamos por isso do Governo a apresentação das medidas que se
impõem.

Se este debate contribuir para um balanço mais rigoroso da situação e para impulsionar
a adopção pelo governo das medidas que se impõem, estarão realizados os objectivos
do Grupo Parlamentar do PCP ao propor este debate de urgência.

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