Intervenção de

Debate de interesse relevante sobre o Programa de Estabilidade e Crescimento 2005-2009<br />Intervenção de Honório Novo

Sr. Presidente, Sr. Ministro de Estado e das Finanças,O Governo acaba de rectificar e corrigir as previsões que tinha feito há seis meses: prevê em baixa o crescimento, confirma uma queda brutal no investimento público e privado e baixa as expectativas quanto ao crescimento das exportações. No seu Programa de Estabilidade e Crescimento que hoje apresenta, o Governo muda tudo, corrige tudo e rectifica tudo. Até reconhece que o desemprego vai continuar a disparar, embora, na minha opinião, reco-nheça por baixo, porque o desemprego, de facto, vai aumentar muito mais do que as suas previsões. Muda tudo, excepto uma coisa: a sua obsessão pelo défice. O défice — assegura o Governo, jura o Governo — vai manter-se inalterado. Tudo muda, tudo baixa ou piora, mas o défice não. A obsessão pelo défice é a imagem de marca deste Governo, Sr. Ministro. E como é que o Governo consegue esta habilidade de mudar tudo, mantendo o défice? Diz-se que vai aumentar as receitas fiscais e para a segurança social. Como? Com cortes para os benefícios fiscais? Com novos financiamentos para a segurança social? Nada disso. Apenas com maior eficiência e combate à eva-são fiscal. Isto é: depois de no Orçamento do Estado, aprovado há sete dias, ter rejeitado sistematicamente pro-postas da oposição, e até propostas de um Deputado da bancada que apoia o Governo, para aumentar, de facto, o combate à evasão fiscal, para liquidar o sigilo bancário, o Governo vem agora tentar convencer-nos de que é através da maior eficiência que vai conseguir isso. Ninguém acredita nisso e penso até que nem o próprio Governo acredita. E por não acreditar é que lança mão do expediente mais fácil, que são novos cortes nas despesas sociais. Foi, aliás, o Sr. Ministro que disse isso na apresentação pública e, agora, voltou a dizê-lo novamente na sua intervenção. Só não disse quais eram exactamente as novas medidas que estava a pensar implemen-tar, quais os novos cortes que estava a pensar fazer. O Sr. Ministro anuncia novos cortes, diz que está a equacionar esses cortes e diz ainda que não estão reunidas as condições para efectuar esses cortes. Ó Sr. Ministro, assim não vale! Assim não vale! Nós temos de saber! O País tem de saber! Não pode haver secretismos! Por isso, pergunto-lhe quais são essas medidas e que condições é que têm de ser reunidas para as implementar. Eu ajudo-o, Sr. Ministro: garante-nos que, durante a Legislatura, a idade da reforma não vai passar para 66, para 67, para 68, para 69 ou para 70 anos? Garante-nos que, durante a Legislatura, não vai haver novas alterações do cálculo da reformas? Garante-nos que, durante a Legislatura, não vai haver alterações no cálculo e no tempo das prestações do Fundo de Desemprego? Era importante que o Sr. Ministro escla-recesse isto, porque o País tem direito a perceber e a saber exactamente de que medidas é que o senhor fala e quais são as condições que exige para as implementar.(…) Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. as e Srs. Deputados: O Governo acaba de confirmar o que já todos sabiam: Portugal está em estagnação económica, Portugal vai continuar em quase estagnação económica nos tempos e anos mais próximos. A revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento do Governo — modificando, de novo, as suas próprias projecções macroeconómicas de há seis meses apenas — vem, de facto, confirmar um cenário de estagnação e um cenário de dramático agravamento das condições sociais dos trabalhadores e do País. O Governo revê em baixa o crescimento. Em vez da riqueza nacional crescer 1,4%, crescerá quanto muito 1,1%, em 2006, cortando, assim, em mais de 20% a sua própria previsão de Junho. O Governo vem confirmar que o investimento em Portugal vai ser, em 2005, inferior ao de 2004 e que, para 2006, terá um corte de 27% sobre o que projectara em Junho. O Governo reconhece agora que as exportações vão crescer apenas um terço do que eram as suas pró-prias previsões de Junho, embora continue a insistir, não obstante a revisão em baixa, em valores quase mirabolantes para os próximos anos. O Governo confirma que a dívida pública irá aumentar, não obstante a insistência em proceder a privati-zações sem sentido económico nem qualquer justificação política. Finalmente, o Governo reconhece que as suas metas para o desemprego vão ser revistas em alta. Pare-ce que o Governo abandona, assim, alguma da sua própria publicidade enganosa mais característica: em Junho, anunciara, não se sabe bem como nem porquê, a criação de 260 000 postos de trabalho até 2009; agora, já só fala em 223 000, implicitamente, como é óbvio, fazendo desaparecer na «bola de cristal» do seu Programa de Estabilidade e Crescimento quase 40 000 empregos, sublinhe-se, em menos de seis meses. Quanto aos 150 000 postos de trabalho mencionados na campanha eleitoral, nada, nem uma palavra, nem um sinal, apesar das desculpas e das justificações aqui dadas pelo Sr. Ministro de Estado e das Finan-ças, apenas a total falência de um compromisso lançado para o caixote do lixo! Sr. Presidente, Srs. Membros do Governo, Sr. as e Srs. Deputados: Há quase seis anos que Portugal continua a divergir do crescimento médio da zona euro. Portugal não é apenas o país que menos cresce na União a 15, Portugal é também o país que menos cresce na União alargada a 25; Portugal não é apenas o país com o PIB mais baixo entre os antigos 15 membros da União, Portugal será mesmo ultrapassado, já em 2006, por 4 dos 10 novos Estados-membros. Os objectivos (sempre tidos como essenciais) de promover a dinamização da economia e de garantir um crescimento da riqueza nacional em torno dos 3% continuam sucessivamente a falhar. Falharam com Durão Barroso e Manuela Ferreira Leite, vão falhar estrondosamente com José Sócrates e o Governo do PS, que tinha feito daquele valor de crescimento a tónica fundamental da sua campanha eleitoral. Apesar de o crescimento na União ser também insuficiente para promover o aumento do emprego sus-tentado, a verdade é que Portugal, mesmo assim, continua a divergir e insiste em prosseguir uma estratégia de estagnação económica sem precedentes, a qual provoca, e vai continuar a provocar, níveis de desem-prego dramáticos e insustentáveis. Perante esta realidade, o que faz o Governo? Em vez de rever políticas e de alterar orientações, em vez de se virar para a defesa da capacidade produtiva nacional e de fomentar e dinamizar os investimentos público e privado, limita-se a confirmar no seu Programa de Estabilidade e Crescimento tudo o que, ano após ano, governo após governo, tem estado na origem dos atrasos sucessivos do nosso país! E posso garantir ao Governo, em especial ao Sr. Ministro de Estado e das Finanças, caso não queira consultar os Diários da Assembleia da República, que os princípios, as orientações e as medidas de ataque aos direitos dos funcionários públicos, de despedimentos, mais ou menos encapotados, na Administração, de cortes na saúde ou na educação, de privatização e concessão privada de serviços públicos com base em critérios economicistas, de alteração da idade da reforma, de cortes generalizados nas prestações sociais ou nas responsabilidades face ao desemprego ou à pobreza, estão todas elas, sem excepção, plasmadas quer nos programas de estabilidade quer nos discursos aqui mesmo proferidos pela Dr.ª Manuela Ferreira Leite enquanto ministra das Finanças do governo do Dr. Durão Barroso. Ao contrário do que aqui disse o Sr. Ministro de Estado e das Finanças no encerramento do debate orçamental, aliás, de uma forma e com uma sobranceria absolutamente dispensáveis, não temos de forma nenhuma uma «visão isolada do mundo e comprometedora da participação de Portugal na União Europeia». Essa afirmação não corresponde à verdade, é pura mistificação! O que defendemos, Sr. Ministro, é uma Europa diferente, que rompa com as práticas neoliberais, que preserve serviços públicos, que respeite e assegure os direitos individuais e colectivos, que aceite e respei-te as especificidades nacionais, que coloque como questão essencial o reconhecimento da existência de economias muito diferentes no seu seio, que articule, finalmente de forma sustentada, a sustentabilidade das finanças públicas com objectivos de desenvolvimento, de recuperação de atrasos regionais e de coe-são económica e social. E para isso só há um caminho, Sr. Ministro, o da alteração profunda do Pacto de Estabilidade e Crescimento. Este deve ser, quanto a nós, o caminho que o Governo deverá desde já reatar e encetar. Ao que o Pacto conduz já todos sabemos: são anos seguidos de atrasos, de divergência, de recessão ou estagnação económica, de desemprego! É preciso que o Governo coloque na agenda política a neces-sidade de varrer do Pacto de Estabilidade os actuais conceitos de fundamentalismo monetarista. Não bas-tam as operações de cosmética, as operações minimalistas como as adoptadas no início deste ano, que nada resolveram e tudo de essencial mantiveram! Este é o desafio que hoje deixamos ao Governo, e que é para levar a sério. Rever o Pacto de Estabili-dade não interessa apenas a Portugal e aos portugueses, interessa a todos, é essencial para uma nova visão, para garantir uma participação activa e plena de todos na União Europeia. O Programa de Estabilidade e Crescimento que o Governo hoje apresenta, pelo contrário, é a submis-são completa de Portugal e dos portugueses a imposições e espartilhos impostos, que não só não resolvem um único dos problemas do desenvolvimento do País como antes contribuem para a perpetuação dos seus constrangimentos orçamentais. O Programa de Estabilidade e Crescimento do Governo é, em suma, uma espécie de ciclo vicioso, com o qual é urgente romper o mais depressa possível, em nome do desenvolvimento e do crescimento econó-mico, em nome do emprego e de Portugal.

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