Intervenção de João Oliveira na Assembleia de República

Debate de atualidade sobre o tema «Ameaça feita pelo Governo de cortes nas pensões»

Sr.ª Presidente,
Sr.ª Ministra das Finanças,
Julgo que, por muitas tentativas que a Sr.ª Ministra faça, não há nenhum português que não duvide daquela que é verdadeiramente a intenção do Governo em relação às pensões.
Não chegavam já quatro anos de cortes nas pensões, Sr.ª Ministra, como também estamos ainda todos lembrados daquilo que significava o projeto de convergência das pensões, apresentado por este Governo, para cortar pensões com a intenção de perpetuar os cortes.
E também estamos todos lembrados daquilo que o Governo escreveu na página 39 do Programa de Estabilidade, relativamente ao corte dos 600 milhões de euros. E não venha dizer, Sr.ª Ministra, que a preocupação era com as receitas, porque o que aí se diz não deixa clara essa intenção. Deixa, sim, em aberto a possibilidade de se cortar nas pensões. Mais, ao longo de todo o Programa de Estabilidade, essa perspetiva de redução do montante com as pensões continua colocada.
Portanto, Sr.ª Ministra, relativamente às intenções do Governo, por muito que os senhores agora tentem desfazer a ideia que já criaram, está claro qual é a intenção do Governo.
Quero ainda dizer-lhe o seguinte: compreendemos bem que tentem encontrar no Partido Socialista um aliado para esse fim. A aplicação do fator de sustentabilidade para aumentar a idade da reforma e a aplicação da condição de recursos para cortar prestações sociais foi o desenvolvimento que este Governo do PSD e do CDS deu a medidas aprovadas pelo anterior, em vez de as contrariarem e de as reverterem. Portanto, percebemos que os senhores queiram fazer essa aliança.
Mas, Sr.ª Ministra das Finanças, quero dizer-lhe uma coisa com muita clareza: com o PCP, os senhores não contam, nem para cortar pensões, nem para condicionar a discussão sobre a sustentabilidade da segurança social aos cortes.
Percebemos que o Governo queira fazer a discussão da sustentabilidade da segurança social debaixo da ameaça de cortes nas pensões e de cortes nas prestações sociais. Compreendemos que o Governo queira fazer a discussão desta forma.
Mas nós recusamos fazer a discussão nestes termos. Nós queremos discutir a segurança social em função de objetivos de política de proteção social, de objetivos de combate à pobreza, de apoio aos desempregados, de apoio àqueles que precisam de proteção social em situação de doença, de valorização das condições de vida dos pensionistas.
Por isso, Sr.ª Ministra, a questão muito concreta que queria colocar-lhe é a seguinte: que medidas de aumento da receita da segurança social é que os senhores consideraram antes de fazerem contas aos cortes? Que medidas, por exemplo, de recuperação da dívida à segurança social, que os senhores permitiram que aumentasse em quase 4000 milhões de euros, é que os senhores consideraram antes de considerarem os cortes?
A Sr.ª Ministra das Finanças, por acaso, fez contas ao que significava uma política económica de combate ao desemprego no aumento das receitas da segurança social?
A Sr.ª Ministra já se deu conta de que, se os senhores aplicassem políticas económicas de criação de emprego e se a taxa de desemprego se reduzisse para metade, o impacto disso na segurança social era de mais de 1500 milhões de euros de aumento da receita?
Para concluir, Sr.ª Ministra, queria deixar-lhe este desafio: o Grupo Parlamentar do PCP entrega, hoje, na Assembleia da República um projeto de lei com vista à ampliação das fontes de financiamento da segurança social com base na contribuição das empresas a partir do valor acrescentado líquido. Esse é um contributo concreto que o PCP dá para que aumentem as receitas da segurança social, garantindo princípios de solidariedade, para garantir o caráter público, universal e solidário da segurança social, assegurando as receitas necessárias a uma verdadeira política social de combate aos problemas e de desenvolvimento do País.
Queria perguntar à Sr.ª Ministra das Finanças que resposta é que tem a dar a essa proposta em concreto.
(…)
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados:
Sr.ª Ministra das Finanças,
Vamos lá um pouco mais ao fundo da questão e à exatidão das palavras.
Os senhores escreveram no Programa de Estabilidade «combinação entre medidas de redução de despesa ou de acréscimo de receita». Sr.ª Ministra, em matéria de pensões, redução de despesa significa cortes nas pensões. Foi o que os senhores andaram a fazer durante quatro anos! Se os senhores não queriam considerar cortes nas pensões, escreviam só «aumento de receita» e não consideravam a redução de despesa.
Os senhores têm de assumir a vossa responsabilidade em relação ao que fizeram durante estes quatro anos e em relação ao que querem fazer no futuro.
Sr.ª Presidente,
Sr.as e Srs. Deputados,
Srs. Membros do Governo
e, em particular, Sr.ª Ministra das Finanças,
Os senhores insistem na criação de uma ideia de insustentabilidade na segurança social desligada da vossa política económica, desligada da vossa ação direta na criação de uma massa imensa de desempregados e na vossa ação direta na destruição das condições em relação às quais depende a sustentabilidade da segurança social.
Os senhores têm de assumir as vossas responsabilidades e têm de atuar em conformidade, porque, sem se corrigir o erro da política económica, sem se corrigir as opções da política económica, sem se corrigir as opções de uma economia assente em baixos salários, nunca resolverão o problema da sustentabilidade da segurança social.
Mas os senhores não estão interessados em garantir a sustentabilidade da segurança social. Esse é o pretexto que usam para continuarem a reduzir as condições de vida das pessoas, para continuarem a reduzir a proteção social dos desempregados e para, dessa forma, conseguirem reduzir os salários em Portugal. Os senhores não têm interesse em assegurar a sustentabilidade da segurança social, porque isso faz parte das opções estratégicas de empobrecimento e de exploração que os senhores têm para o País.
Sr.ª Ministra das Finanças, esta discussão é sempre feita debaixo da ameaça dos cortes, da ameaça das reduções, da ameaça do aumento da idade da reforma. Este argumentário não é novo, já aconteceu anteriormente com outros governos e, inclusivamente, com anteriores governos do Partido Socialista, tendo havido cortes no subsídio de desemprego, aumento da idade da reforma com a aprovação do fator de sustentabilidade, cortes no abono de família e cortes nas prestações sociais por via da condição de recursos.
E continuou a ser assim com o vosso Governo, continuou a ser assim com mais cortes nas pensões, com cortes sucessivos nos subsídios de desemprego e no subsídio social de desemprego, com mais cortes no abono de família, com cortes no rendimento social de inserção, com o aumento da idade da reforma também por aplicação do fator de sustentabilidade.
Sr.ª Ministra, uns e outros querem que tudo continue a ser como antes. Quer por via da redução das receitas, que é proposta pelo Partido Socialista com a redução da TSU (taxa social única), quer por via da opção da coligação de insistir na aplicação do fator de sustentabilidade de cortes nas pensões e nas prestações sociais, os senhores querem que as coisas continuem na mesma.
Sr.ª Ministra, a discussão da sustentabilidade da segurança social não pode ser feita apenas em função de objetivos de cortes, tem de ser feita em função de objetivos de política social.
Os senhores querem fazer as contas aos cortes, nós queremos fazer as contas ao número de desempregados a quem é preciso garantir subsídio, ao número de pobres a quem é preciso tirar da pobreza, ao valor das pensões que é preciso aumentar para garantir aos que trabalharam uma vida inteira condições de dignidade e de valorização por aquilo que fizeram.
Uma parte das propostas que apresentámos, Sr.ª Ministra, vai dar hoje entrada na Assembleia da República, com a proposta relativamente ao valor acrescentado líquido.
Gostávamos ainda, até ao final do debate, de perceber qual é a disponibilidade do Governo em discutir o aumento das receitas da segurança social para garantir a sua sustentabilidade.

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