Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Debate com o Primeiro-Ministro que respondeu às perguntas formuladas pelos Deputados

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Gostaria de começar por uma questão que já colocou quanto à posição que cada um deve tomar em relação ao PEC, para lhe lembrar, Sr. Primeiro-Ministro, que nós não temos a facilidade de dizer uma coisa hoje e outra amanhã.
Aquilo que fizemos em relação aos PEC anteriores vamos fazer em relação a este PEC 4, na medida em que, para nós, os conteúdos políticos é que são relevantes e o nosso combate é à política de direita, independentemente do desfecho desse PEC.
Percebemos perfeitamente a zanga em relação ao seu parceiro de percurso dos PEC, percebemos.
Percebemos também que é algo injusto que o PSD não explique os conteúdos dos quais discorda. Mas quem escolheu o parceiro, não só do «tango» mas também dos PEC, foi este Governo, foi o Sr. Primeiro-Ministro!
De qualquer modo, creio que, neste debate, independentemente da forma como este processo levou à apresentação desse documento em Bruxelas, a questão do conteúdo e das consequências é que são elementos fundamentais.
O Sr. Primeiro-Ministro quer confrontar o País com um falso dilema: ou o PEC, ou o FMI; ou o PEC, ou o roubo do 13.º mês e os despedimentos em massa; ou o PEC, ou o senhor demite-se e abre uma crise política.
Neste sentido, quero dizer-lhe, Sr. Primeiro-Ministro, que esse é um falso dilema. Como se não existissem outras alternativas, no plano económico e no plano fiscal! Nós iremos apresentá-las,
quando o debate aqui se realizar na próxima semana.
Mas é um falso dilema, pois aquilo que propõe é a escolha entre duas cruzes em que o País deve ser crucificado. É que é disso que se trata, Sr. Primeiro-Ministro. Esta discussão é um pouco difusa, vamos ao concreto deste PEC.
Em primeiro lugar, na legislação laboral, prevê-se o embaratecimento dos despedimentos, a facilitação dos despedimentos, mais um golpe na contratação colectiva e mais precariedade.
Depois, está também lá previsto o seguinte: corte, congelamento ou desvalorização das pensões; cortes nos apoios sociais aos desempregados; corte nas comparticipações dos medicamentos; redução dos serviços de saúde; aumento dos escalões do IVA; corte no investimento.
É disto que temos de tratar, porque é isto que caracteriza o PEC, e não as suas ameaças de
uma crise política ou a apetência do PSD em relação ao poder.
Gostaria de lhe deixar uma pergunta: diga lá, Sr. Primeiro-Ministro, diga lá aos portugueses, qual é a parte daqueles que vão amassando lucro ao lucro, fortuna a fortuna? Como é que justifica toda a sua teoria de que os sacrifícios são para todos? Diga! Neste PEC que aqui está, nesta proposta, nós, em relação aos trabalhadores e aos reformados, vemos ali, no concreto, o que se pretende.
Mas, em relação ao capital financeiro, à banca e aos grupos económicos, diga aos portugueses: qual é a parte do sacrifício que lhes toca? Nós dizemos: nenhuma! Lá se foi o seu discurso keynesiano, lá se foi a sua teoria da necessidade da supervisão, do combate aos offshore,
da taxação da banca! Onde é que isso está neste PEC, Sr. Primeiro-Ministro? Não está! O que lá está é: mais injustiça social, mais atraso económico, mais recessão, mais desemprego, mais dificuldades para os portugueses!
Por isso, não venha com essa ameaça, com esse falso dilema, porque por aquilo a que estamos a assistir, Sr. Primeiro-Ministro, vamos é ficar pior. E até poderia ser num quadro em que, em 2013, poderíamos ficar melhor. Mas, não, Sr. Primeiro-Ministro, com isto, estamos pior e vamos ficar pior, porque o senhor fez uma opção clara, de manter intocável os intocáveis e de «dar pancada» em quem menos tem e menos pode!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Não há forma de nos entendermos com esse seu discurso inaceitável de meia-verdade e de omissão! Designadamente, em relação à nossa posição de fundo sobre os PEC, ela tem a ver com os conteúdos políticos e não com o seu executante.
Fixe isto de uma vez por todas, Sr. Primeiro-Ministro!
Depois, em relação ao tal imposto sobre a banca, poder-se-á dizer que «mais vale tarde do que nunca!».
Mas importa-se de esclarecer a Câmara — se necessário, com a ajuda do Sr. Ministro das Finanças — sobre qual vai ser a receita desse imposto?
Depois, o Sr. Primeiro-Ministro foge sempre a uma questão central, a da manutenção dos lucros intocáveis, porque não é capaz de explicar a esta Câmara e aos portugueses por que é que a PT, tendo o lucro que teve, um lucro abissal, escandaloso, paga menos impostos este ano do que pagou no ano passado.
Explique lá esta contradição! Não se refugie na taxação dos salários mais elevados. Explique por que é que os lucros elevadíssimos não pagam os impostos que devem, a sua parte dos sacrifícios, como referiu!
Quanto à legislação laboral, Sr. Primeiro-Ministro, sempre, mas sempre, quando existe um direito reconhecido na lei ou na Constituição aos trabalhadores portugueses, vem o discurso de que é preciso nivelar por baixo em termos europeus. E não se importava de valorizar os salários
dos trabalhadores portugueses?! Não acha que é profunda demagogia estar a comparar o que não é comparável?!
Designadamente no plano das indemnizações, acha que pode comparar, por exemplo, o salário mínimo nacional com o salário mínimo de outros países? Está a comparar o quê, Sr. Primeiro-Ministro?! Nada! Está apenas a esconder-se atrás da injustiça. E, sabe, a mentira tem a «perna curta»!
Relativamente à aplicação da medida do embaratecimento dos despedimentos, o Sr. Primeiro-Ministro tem de ler o que escreveu — e se não foi o Sr. Primeiro-Ministro que o escreveu, porventura terá sido a Sr.ª Merkel, ou, admito-o, o Sr. Ministro das Finanças, mas tem obrigação de lê-lo —, pois o que lá se diz, em relação à legislação laboral e a esta questão dos despedimentos, é o seguinte: «impacto na segmentação do mercado de trabalho e consideração da aplicação a contratos de trabalho existentes». O que quer isto dizer, Sr. Primeiro-Ministro? Se está tão bem intencionado, por que está aqui esta norma?
Como vê, Sr. Primeiro-Ministro, muitas vezes estes debates atingem um grau de falsidade inaceitável pelo nível da instituição em que estamos.

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