Intervenção de Jerónimo de Sousa na Assembleia de República

Debate com o Primeiro- Ministro: PCP confronta Governo com os sacrifícios impostos aos trabalhadores e ao povo

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
O Governo, com o apoio do PSD, decidiu retirar um conjunto de medidas sociais do chamado «plano anticrise», nomeadamente as destinadas aos desempregados, incluindo aos mais desfavorecidos. Acabou, entre outros, com o prolongamento por mais seis meses do subsídio social de desemprego, revogou o prazo mínimo de acesso ao subsídio, a majoração de 10% paga aos beneficiários com filhos — medidas que então, da tribuna, valorizou muito, considerando-as cruciais. Ou seja, com esse corte, temos hoje mais desempregados, mas também mais desesperados, já que esta decisão é tomada no momento em que o desemprego atingiu o nível histórico de 10,8%.
No entanto, o que ninguém compreende é por que razão o Governo, ao mesmo tempo que pôs fim a estes apoios sociais anticrise, neste preciso momento resolve prolongar as medidas de apoio ao sector financeiro.
Não venha com a ideia dos sacrifícios repartidos, não confunda responsabilidade com resignação perante as injustiças e não confunda responsabilidade com capitulação perante os poderosos.
Decidiu manter essas medidas extraordinárias de apoio ao sector bancário, que mobilizam perto de 10 000 milhões de euros, ou seja, o montante que o Governo destinou a esse apoio no Orçamento.
Sr. Primeiro-Ministro,
Pela natureza da crise e tendo em conta as responsabilidades, sabemos que dar mais dinheiro ao capital financeiro não resolve — é a mesma coisa que tentar «despejar um oceano a balde». Hoje, são as dificuldades de crédito, amanhã será a tentativa de limpeza do lixo tóxico que os especuladores continuam a ter no sector financeiro à espera de uma resolução. No entanto, são precisamente os que têm lucros abissais, mesmo em tempo de crise, que continuam a ter o apoio do Governo.
Nesse sentido, a pergunta que lhe faço é a seguinte: considera que esta repartição de sacrifícios é equitativa, atingindo quem menos tem e menos pode, quem já não tem alternativa, nem emprego, nem subsídio, quando vem aqui com este «manjar», com este «banquete» para o
grande capital financeiro responsável, de facto, pela crise que estamos a viver?
Diga, Sr. Primeiro-Ministro!
(…)
Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,
Uma vez afirmei-lhe aqui que este Governo tem uma capacidade enorme para distorcer e até «torturar» as estatísticas até se ajeitarem ao que é o vosso discurso.
Umas vezes é o Instituto do Emprego, outras vezes é o INE, outras vezes é o Eurostat — é conforme as conveniências.
A verdade é que o desemprego aumentou. E é num quadro em que o desemprego aumenta que essas medidas que são fundamentais para a sobrevivência de algumas famílias, de repente, são cortadas sem a justificação devida.
Esta é que é a questão central, Sr. Primeiro-Ministro!
Quero dizer-lhe que as considerámos insuficientes, o que não justifica agora, como fez o Sr. Primeiro-Ministro e este Governo, acabar com elas.
Esta é a diferença! Considerámo-las insuficientes!
Mas há uma outra questão que gostaria de colocar e que caracteriza a natureza da política deste Governo. O Governo decidiu, há dias, alterar as regras de comparticipação dos medicamentos. Diga-nos, Sr. Primeiro-Ministro, como é que se justifica cortar duas vezes na comparticipação
dos medicamentos. Diga-nos como se justifica limitar a comparticipação de 100% dos medicamentos genéricos para reformados com reformas inferiores ao salário mínimo aos cinco mais baratos e diminuir em 30% o preço de referência, fazendo com que as populações paguem uma parte maior do custo.
O Governo sabe o que isto significa para os mais carenciados.
O Sr. Primeiro-Ministro está com um ar surpreendido, mas eu explico-lhe com dois exemplos. Se um médico receitar um medicamento genérico do escalão C (cerca de 40% de comparticipação) com um custo de 10 € e que não seja um dos cinco mais baratos, o reformado, que pagava 0 €, passa a pagar 4 €. O mesmo acontece se o médico receitar um dos cinco medicamentos mais baratos, mas ele não existir na farmácia — o que, talvez não saiba, mas acontece muita vez.
Se a qualquer utente for receitado pelo médico o medicamento de marca de escalão B (cerca de 70% de comparticipação) com um custo de 15 €, cujo preço de referência era, antes, de 10 € e agora será apenas de 7 €, significa que o utente, em vez de pagar 8 €, passa a pagar 10,10 €, ou seja, um aumento do custo de mais de 25%.
Esta crise tem as «costas largas». Este Governo está sempre a bater com a mão no peito em relação aos mais desfavorecidos, mas é nestas medidas concretas que se vêem as vossas opções e se percebe por que é que o PSD está de acordo convosco, incentivando o Governo a fazer este trabalho doloroso de impor sacrifícios ao povo português, enquanto pensa que faria o mesmo caso fosse governo.
Sr. Primeiro-Ministro, quando temos de recuar 30 anos para ver uma manifestação de descontentamento e de protesto como a que verificámos aqui, em Lisboa, recentemente, no dia 29, há uma razão funda: este Governo, com a sua política, não está a resolver os problemas do País mas a acentuar as desigualdades e as injustiças e por isso, mais tarde ou mais cedo, vai ser derrotado, porque não está só a incumprir as promessas que fez ao eleitorado mas também a acentuar um Portugal de injustiças, um País em recessão, um País com dificuldades económicas, um País cada vez mais desigual.
Só há uma solução e o povo, um dia, há-de considerá-la. O povo tem sempre solução e com certeza que nela não caberá a política deste Governo do Partido Socialista.

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