Intervenção

Debate com o Primeiro-Ministro- -Intervenção de Jerónimo de Sousa na AR

Debate com o Primeiro-Ministro

 

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

A remoção e a substituição do Ministro da Saúde torna mais pertinente a questão primeira que, previamente, anunciámos para colocar neste debate.

O Ministro da Saúde foi embora ou foi mandado embora, o que é uma questão que interessará, com certeza, à especulação, à notícia, mas não tem qualquer valor acrescentado para o nosso debate.

Dizem uns que tinha pouca capacidade de comunicação; dizem outros que era preciso aliviar o protesto e o descontentamento das populações e dos profissionais da saúde.

Ora, isto pode ser tudo verdade, mas não responde à questão crucial: mudou o Ministro, resta saber se vai mudar a política de saúde.

A dúvida é legítima, porque é sabido que este Ministro, tal como outros, não trabalhava à peça, não trabalhava por conta própria.

Aliás, nem o Sr. Primeiro-Ministro, porventura, no seu mais puro estilo, deixaria.

Eis, pois, aqui, hoje, uma excelente oportunidade para clarificar esta questão.

Pela nossa parte, apresentámos na Assembleia da República um projecto de resolução com uma proposta: pensamos que é tempo de parar para pensar, de reabrir o que foi encerrado sem alternativa ou com más alternativas, no plano das urgências, e de outras valências hospitalares, bem como no plano dos serviços de atendimento urgente - aliás, está preparada uma segunda vaga de encerramentos -, até à apresentação de uma proposta de lei com critérios, com regras para o desenvolvimento da rede de urgências em hospitais e centros de saúde, e que tenha em conta a necessidade de um grande debate nacional e de uma política de proximidade das populações, como questão fundamental.

Creio, Sr. Primeiro-Ministro, que é da mais elementar justiça saber, hoje e aqui, como entende esta proposta e que resposta dá às populações da Anadia, do Seixal, de Vale de Cambra, de Vendas Novas, de Ourique, de Alijó, que lhe é muito caro, do Algarve, entre tantas outras, porque não basta o Sr. Primeiro-Ministro dizer, como disse hoje ou ontem - não sei bem -, que tem uma profunda compreensão pelas pessoas.

É que as pessoas gostam muito da sua compreensão, mas preferiam muito mais que estivesse de acordo com as suas reclamações e reivindicações.

(...)

Sr. Presidente,
Sr. Primeiro-Ministro,

Percebeu mal.

Quando dizemos para parar, para pensar, quando, no fundo, se quiser, propomos uma trégua, não o fazemos com o objectivo de paralisar, impedir, a necessária reestruturação, melhoria e modernização dos serviços.

O que não queremos é aquilo que este Governo fez, que foi fechar sem alternativa, foi deixar as populações abandonadas com esse tal sentimento de que falou.

O Sr. Primeiro-Ministro falou de Alijó!

Então, não se procedeu aí ao encerramento nocturno de um serviço de atendimento permanente, que funcionava durante 24 horas, sem sequer se fazer um protocolo com os bombeiros?!

Então, é esta a alternativa que o Sr. Primeiro-Ministro coloca?!

Não aceite as nossas propostas, se assim o entender!

O que propomos é que não se precipitem em relação a uma questão tão sensível, tão fundamental (aliás, um direito fundamental), a esse bem da vida, que é o direito à saúde!

Sr. Primeiro-Ministro, vou colocar-lhe uma pergunta rápida resultante de uma afirmação sua. Disse aqui que a sua sensibilidade social levou a que, por exemplo, as escolas tivessem horário prolongado até às 17 horas e 30 minutos a pensar nas famílias.

Boa questão, Sr. Primeiro-Ministro.

É que, curiosamente, quem conhece as propostas de alterações do Código do Trabalho verifica que existe o perigo real da desregulamentação dos horários de trabalho, da liquidação da jornada de trabalho no plano das 8 horas, particularmente a possibilidade de se trabalhar 10 horas por dia ou 50 horas por semana.

Acerte lá a «cara com a careta», Sr. Primeiro-Ministro!

É que assim não dá!

Está a dizer que pensa nas famílias mas, com esta medida laboral, as famílias dos trabalhadores serão, inevitavelmente, prejudicadas no acompanhamento dos seus filhos!

(...)

Sr. Presidente,

De facto, é espantoso como o Sr. Ministro do Trabalho até consegue revolver e pôr a História ao contrário.

Então, nós não sabemos que a conquista da jornada de trabalho, designadamente das 8 horas, constitui um avanço civilizacional da nossa época contemporânea?!

Que é um avanço significativo nas relações laborais?! Então, vem dizer que é uma conquista do século XIX, nos tempos em que, sim, se trabalhava 10, 12 e 16 horas?!

É esta a visão do Ministro do Trabalho em Portugal, no ano 2008?!

É razão para termos profundas preocupações e este Código do Trabalho vai constituir um elemento de resistência e de luta dos trabalhadores portugueses.

Mas, Sr. Primeiro-Ministro, a terminar, porque o tempo de que disponho está a esgotar-se, gostava de lhe colocar uma questão que, de certa forma, já foi aqui abordada: a do aumento do custo de vida.

Como é sabido, há um elemento incontornável: os salários e as pensões têm aumentos em conformidade com a inflação prevista ou até abaixo dela, mas os preços de bens e serviços essenciais sobem todos acima dessa prevista inflação.

Há aqui uma contradição.

Nesse sentido, tendo em conta que hoje existe uma grande confusão em relação ao conteúdo do cabaz de compras, o Sr. Primeiro-Ministro é capaz de dizer quando é que respondem à bancada do PCP, que há um ano fez um requerimento a solicitar esse esclarecimento, porque isto tem muito a ver com o nível de vida dos portugueses?!

Por último, Sr. Primeiro-Ministro, e abusando de uma ligeira paciência do Sr. Presidente, queria dizer que as medidas que anunciou têm um carácter positivo para combater a pobreza. No entanto, tenha cuidado, porque com este aumento do custo de vida, com a política salarial e o aumento das pensões, com aquilo que o senhor está a fazer, pode tirar alguns do risco da pobreza, mas aqueles que neste momento não são pobres correm o risco de o ser se continuar esta política salarial, esta política social.

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