Intervenção de

Debate com o Ministro dos Assuntos Parlamentares - Intervenção de Bernardino Soares na AR

Debate com o  Ministro dos Assuntos Parlamentares (Augusto Santos Silva)

 

Sr. Presidente,
Sr. Ministro,

Tenho duas questões para lhe colocar, dentro do figurino deste debate.

A primeira é para pedir a sua reacção e a do Governo ao facto de cerca de 200 000 pessoas se terem manifestado ontem em defesa de uma Europa social, do emprego com direitos e contra a flexigurança, aprovada pelos líderes europeus e que o Governo quer impor também em Portugal.

Pergunto-lhe se o Governo vai continuar a escudar-se no seu bunker político, não querendo ouvir a contestação que grassa por todo o País e em tão largas camadas da população, ou se, finalmente, vai ver que a sua política anti-social tem de acabar e que é o que está a conduzir a este descontentamento.

Aquelas 200 000 pessoas não estiveram naquele local por obra do acaso, estiveram lá porque a política do Governo lesa os seus direitos, lesa os seus interesses e degrada a sua qualidade de vida. Trata-se de pessoas vindas de todo o País, oriundas de muitos sectores profissionais e políticos, que quiseram demonstrar a sua contestação a esta política. É, pois, tempo de o Governo deixar de não querer ver o que se passa no País e as consequências da sua política.

A segunda pergunta que queria colocar-lhe tem a ver com o resultado da Cimeira europeia de ontem.

Ao que parece, vai avançar o novo tratado, mas impropriamente denominado «reformador». É que este tratado não reforma o anterior, retoma-o, é um tratado «retomador» do que de mais negativo existia na chamada «Constituição Europeia», retomador do neo-liberalismo, do militarismo da União Europeia, da perda de poder de decisão e de intervenção do nosso país, tudo conduzido, precisamente, pela Presidência portuguesa. Isso não é motivo de orgulho para o nosso país, não é motivo de orgulho para o nosso povo.

Finalmente, Sr. Ministro, queria perguntar-lhe se o Governo vai ou não cumprir a promessa eleitoral de submeter a referendo o novo tratado.

O que é que falta, em relação ao conteúdo, em relação à forma de aprovação, para que o Governo cumpra a promessa eleitoral e, por uma vez, deixe ser o povo português a decidir uma questão tão fundamental como é a do comportamento do País neste novo tratado da União Europeia?

(...)

Sr. Presidente,
Srs. Deputados,

O acordo dos parceiros europeus fazme lembrar, na teoria marxista-leninista, a questão da vanguarda. Provavelmente, esses que fizeram o acordo nem são vanguarda e estão tão distantes daqueles que representam que assinam acordos contra os seus interesses.

Quanto ao patriotismo, Sr. Ministro, só posso apelidá-lo de patriotismo bacoco, porque um patriotismo que assenta no prejuízo dos interesses do País só pode ter essa qualificação!

Finalmente, Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, quanto ao referendo, bom seria que o Sr. Ministro retomasse as suas próprias palavras, proferidas aquando da última revisão constitucional, quando afirmou que qualquer outra solução que não a do referendo do Tratado seria inaceitável para o eleitorado e contrariaria o crescente interesse dos portugueses nas questões europeias.

Sr. Ministro dos Assuntos Parlamentares, tenho muito respeito pelo Parlamento e pelo povo português. Os senhores é que utilizam o povo quando não querem que o Parlamento decida, como no caso do aborto, e utilizam o Parlamento quando não querem que o povo decida, como no caso da União Europeia.

(...)

Sr. Presidente,

Quero perguntar à Mesa se há alguma maneira de podermos responder à pergunta feita pelo Sr. Deputado Vitalino Canas. Já nem peço para ir para a tribuna, respondia mesmo aqui, da bancada.

Portanto, gostaria de saber se a Mesa encontra alguma maneira de podermos responder, uma vez que o Sr. Deputado Vitalino Canas guardou-se para o final, depois de todo o debate que tivemos, de quase duas horas, para fazer esta pergunta, num momento em que já nos é difícil responder.

(...)

Sr. Presidente,

Para valorizar e defender o capital já cá temos o Governo!...

De facto, estamos em dissonância - aliás, a minha gravata é bem diferente das dos dois engravatados europeístas.

Já agora, gostaria também de dizer que há aqui uma grande mistificação e que o Sr. Ministro, que não é o total destinatário desta pergunta, também disse - permita-me usar a sua expressão - uma mentirinha, pois o PCP não foi contra o referendo sobre o aborto porque se podia perder; foi contra porque esse instituto foi usado como um obstáculo à despenalização, a uma mera alteração de uma lei penal.

O que temos aqui hoje e no tratado europeu não é isso: é uma alienação fundamental de soberania, é perder decisão do Estado português, é o povo português deixar de, de forma directa, controlar determinados mecanismos de decisão, influenciando durante décadas a vida do País.

Isso é uma questão fundamentalmente diferente e é sobre essa que os senhores, provavelmente, não querem ouvir o povo!

 

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