De boas intenções está o inferno cheio

Com
as atenções e inquietações centradas na guerra no
Iraque, Portugal vive uma situação interna marcada pela recessão
económica e pelo retrocesso social que resulta, em primeiro lugar, das
opções políticas do Governo de direita.

O seguidismo em relação às medidas mais pretorianas do
Pacto de Estabilidade, o corte de investimento público, designadamente
do investimento produtivo num quadro de quebra do investimento privado, a continuação
das privatizações, a desvalorização da produção
e do aparelho produtivo nacional, são acompanhados da tentativa de concretização,
prática e legislativa, de uma ofensiva sem precedentes contra os trabalhadores:

  • Alterando e danificando o princípio da universalidade do direito
    à Segurança Social e o seu carácter público e
    a sua dimensão solidária.
  • Limitando ou eliminando direitos individuais e colectivos dos trabalhadores
    através da alteração de quase todo o edifício
    juridico-laboral.
  • Sujeitando os trabalhadores da Administração Pública
    a uma campanha desvalorativa e por vezes ofensiva da sua dignidade profissional
    para de seguida atacar os seus salários e os seus direitos.

A realidade resultante destas medidas e objectivos aí está a
fazer prova: aumenta e acelera o desemprego, em particular das mulheres, pesando
significativamente o desemprego de longa duração face ao aumento
das falências, encerramentos e deslocalizações de empresas.

Em Portugal, o desemprego agravou-se fortemente em 2002. Segundo estatísticas
oficiais, o aumento do desemprego de 2001 para 2002 foi de 26,3%, tendo sido
mais forte na fase final do ano, mantendo a tendência nestes primeiros
meses de 2003. O desemprego real atinge já mais de 480 mil trabalhadores.

Não deixa de ter significado o facto do aumento do desemprego entre
os mais instruídos, que passaram de 24 mil desempregados em 2001 para
30 mil no final de 2002. Tudo isto num quadro do aumento dos vínculos
precários.

Aplica-se o garrote aos salários cavando mais o fosso em relação
à média dos salários praticados nos actuais países
da União Europeia.

A falta de efectivação das leis e o sentimento de uma significativa
faixa do patronato, de que “tudo é possível” para
aumentar o lucro e a exploração do trabalho, torna os trabalhadores
mais inseguros e mais desmobilizados, designadamente na faixa etária
dos 50 anos. São milhares os trabalhadores qualificados com largos saberes
e experiência que anseiam por uma saída precoce da empresa face
à redução de direitos adquiridos e à pressão
psicológica a que estão sujeitos.

Esta realidade portuguesa entra em rota de colisão com as abundantes
declarações e objectivos sociais mais ou menos bem intencionados
da Cimeira de Lisboa.

Em contrapartida, a visão e as orientações liberalizantes
da Cimeira em relação ao sector e serviços públicos
e às funções sociais do Estado, essas avançaram
e foram concretizadas em muitos aspectos.

Poderá dizer-se (como diz o Governo) que o estado das contas públicas
e da economia obriga ao sacrifício de todos. Nada mais falso!

(Só) Houve alívio da carga fiscal para a banca, as holdings
dos grupos económicos e a especulação bolsista, enquanto
se penaliza os pequenos e médios rendimentos (actualização
dos escalões do IRS abaixo da inflação, manutenção
da taxa de 19% do IVA, manutenção da sobrecarga fiscal nas micro,
pequenas e médias empresas; se procede a fortes restrições
de consumo pelo recurso a uma retracção da massa salarial e à
subida de preços de bens e serviços essenciais, enquanto consumos
de luxo esgotam stocks de produtos de topo de gama; extinguem-se os créditos
bonificados aos jovens e às famílias mais carenciadas para compra
de casa própria; reduzem-se os subsídios por doença; aumentam
as taxas moderadoras na Saúde e as propinas).

Assim se acentuam as desigualdades sociais e as assimetrias regionais presentes
na sociedade portuguesa. Assim se fortalece a concentração de
riqueza e a acumulação de capital.

Num quadro em que as principais responsabilidades recaem fundamentalmente
sobre o Governo de direita e as suas opções políticas (sem
branquear as opções da União Europeia), os trabalhadores
reunidos em torno da CGTP-IN têm reagido de forma notável, sacudindo
o conformismo, rejeitando as chamadas “inevitabilidades” e desenvolvendo
a luta em defesa dos seus direitos, contra o desemprego e por melhores salários.

Não regateando nenhum esforço na mobilização dos
trabalhadores portugueses em defesa da paz e contra a guerra, em convergência
com outros sectores, forças políticas e movimento sociais, o PCP
empenha-se em todos os espaços da vida nacional, inclusive para fazer
face ao clima económico recessivo internacional e europeu, batendo-se
por uma distribuição mais justa da riqueza criada, assumindo a
revalorização do trabalho, o emprego com direitos e o aumento
dos salários e do nível de vida dos trabalhadores e outras camadas
sociais.