Intervenção de António Filipe na Assembleia de República

Crimes de violação e coação sexual no Código Penal

Sr. Presidente,
Srs. Deputados:
Não é a primeira vez que o Bloco de Esquerda apresenta iniciativas sobre esta matéria, mas a culpa não é sua, de facto. Na última Sessão Legislativa, esta matéria esteve em discussão durante todo o tempo e não se concluiu. É pena! Fazemos votos para que, nesta Legislatura, a discussão prossiga naturalmente, pois foi reiniciada e deve ser aprofundado aquilo que tenha de o ser, mas para se concluir alguma coisa. Creio que não devemos arrastar indefinidamente este processo sem que haja uma conclusão acerca do aprofundamento do debate que é necessário realizar, mas que se conclua alguma coisa e que se progrida, fundamentalmente que se progrida.
Na anterior Sessão Legislativa, o PCP manifestou abertura relativamente à discussão desta matéria, reconheceu o mérito da iniciativa. Suscitou também dúvidas, que, aliás, já foram refletidas neste debate, designadamente quanto à questão da consideração do crime de violação como crime público.
Indo por partes: consideramos que, no que se refere à alteração da previsão legal dos crimes de violação e de coação sexual, as propostas apresentadas são muito válidas. De facto, reconhecemos que, ainda que se proponha um conceito cuja determinação concreta terá de ser feita por via jurisprudencial — o que, aliás, não é nenhuma novidade em matéria de Direito Penal —, também concordamos que a previsão atual tem defeitos que devem ser corrigidos, designadamente a exigência da violência quando esta é imanente ao próprio crime de violação. Não há crime de violação sem violência.
Designadamente, no que se refere à questão da resistência ativa por parte da vítima, também nos parece que esse é um elemento que conduz a situações de impunidade injustificadas e que, portanto, também aí deve haver uma reflexão séria sobre a desnecessidade desse elemento da qualificação do tipo de crime.
Há aqui, sem dúvida, matéria para aperfeiçoar e essa discussão deve concluir-se.
Relativamente à questão do crime público, nós também já tivemos oportunidade de compartilhar as reservas que têm sido suscitadas neste sentido: a não qualificação como crime público não representa um juízo sobre o caráter menos hediondo do crime de violação, não é isso que está em causa. De facto, o que está em causa é a eventual dupla vitimização, que, do nosso ponto de vista, não é nenhum disparate e, do ponto de vista da melhor defesa da vítima, é uma questão que não pode deixar de ser considerada e refletida.
Portanto, nós mantemos também as dúvidas que suscitámos, sendo certo que, como já aqui foi dito, é possível haver alguma evolução, sem que passe apenas pela consideração taxativa como crime público, o que poderia, de facto, ter consequências negativas para as vítimas. Não nos preocupa nada os infratores, preocupa-nos, sim, a salvaguarda das vítimas. Queremos que os infratores sejam efetivamente punidos, mas que a integridade física e psicológica das vítimas seja também defendida.
Creio que o que interessa fazer — e devemos fazê-lo na próxima Legislatura — é concluir este processo, procurando encontrar as melhores soluções de punibilidade para este crime hediondo, que é o crime de violação e de coação sexual.
Os nossos votos e o nosso empenhamento é para que este processo se conclua com a celeridade possível.

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