Projecto de Lei

Crime de enriquecimento ilícito

 

Cria o tipo de crime de enriquecimento ilícito

Para pesquisar a situação: clique aqui

(Preâmbulo)

Apesar do intenso debate que promoveu na presente legislatura sobre os meios de prevenir e punir o fenómeno da corrupção, a legislação que Assembleia da República aprovou sobre essa matéria ficou muitíssimo aquém do que era esperado, desejável e necessário.

O PCP, desde há muito que tem vindo a manifestar a sua preocupação com o fenómeno da corrupção e a apresentar iniciativas legislativas e parlamentares visando o seu combate. Importa recordar, a título de exemplo, que o Grupo Parlamentar do PCP suscitou um debate de urgência sobre a corrupção no Plenário da Assembleia da República em Novembro de 1994 e tomou iniciativa semelhante em 7 de Julho de 2006. Para além disso, contribuiu ao longo dos anos, com a apresentação de diversas iniciativas legislativas visando aperfeiçoar os mecanismos legislativos de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira.

No âmbito do chamado "pacote de combate à corrupção", o PCP apresentou um Projecto de Resolução visando a Aprovação para Ratificação pelo Estado Português, da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (também conhecida por Convenção de Mérida) e entregou projectos de lei visando adoptar medidas concretas de combate à corrupção e à criminalidade económica e financeira.

Uma das medidas já então propostas consistia em aditar ao Código Penal o tipo de crime de enriquecimento ilícito, ou injustificado. Essa proposta recebeu diversas objecções e foi rejeitada por maioria. Porém, não só essas objecções foram refutadas por diversos especialistas em matéria penal, como é hoje manifesto que a criação desse tipo criminal reveste uma importância decisiva para o sucesso do combate à corrupção.

Na verdade, não há nesta proposta qualquer inversão do ónus da prova em matéria penal. Os rendimentos licitamente obtidos por um titular de cargo público são perfeitamente escrutináveis. A verificar-se a existência de património e rendimentos anormalmente superiores aos que são licitamente obtidos tendo em conta os cargos exercidos e as remunerações recebidas ficará preenchido o tipo de crime se tal desproporção for provada. A demonstração de que o património e os rendimentos anormalmente superiores aos que seriam esperáveis foram obtidos por meios lícitos excluirá obviamente a ilicitude.

Aliás, ao Ratificar a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, através da Resolução da Assembleia da República n.º 47/2007 e do Decreto do Presidente da República n.º 97/2007, de 21 de Setembro, o Estado Português assumiu o dever de introduzir o crime do enriquecimento ilícito no seu ordenamento jurídico. Com efeito, dispõe o artigo 20.º da Convenção que sem prejuízo da sua Constituição e dos princípios fundamentais do seu sistema jurídico, cada Estado Parte deverá considerar a adopção de medidas legislativas e de outras que se revelem necessárias para classificar como infracção penal, quando praticado intencionalmente, o enriquecimento ilícito, isto é o aumento significativo do património de um agente público para o qual ele não consegue apresentar uma justificação razoável face ao seu rendimento legítimo.

Entende o PCP que esta disposição da Convenção das Nações Unidas não pode permanecer letra morta em Portugal. Por isso, o Grupo Parlamentar do PCP propõe que os cidadãos que, nos termos da lei, sejam obrigados a efectuar declarações de património e rendimentos tendo em conta os cargos públicos que exercem, sejam obrigados a demonstrar a origem lícita do património e rendimentos que possuem, caso estes se revelem anormalmente superiores aos que constam das declarações efectuadas ou aos que decorreriam das remunerações correspondentes aos cargos públicos e às actividades profissionais exercidas.

Nestes termos, os Deputados do Grupo Parlamentar do PCP apresentam o seguinte projecto de lei:

Artigo único

(Aditamento ao Código Penal)

É aditado ao Código Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 3 de Setembro, com as alterações que lhe foram posteriormente introduzidas, um novo artigo na secção I (Da corrupção) do capítulo IV (Dos crimes cometidos no exercício de funções públicas) com o n.º 374.º - A, com a seguinte redacção:

«Artigo 374.º-A

Enriquecimento ilícito

1 - Os cidadãos abrangidos pela obrigação de declaração de rendimentos e património prevista na Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 38/83, de 25 de Outubro e n.º 25/95, de 18 de Agosto que, por si ou por interposta pessoa, estejam na posse de património e rendimentos anormalmente superiores aos indicados nas declarações anteriormente prestadas e não justifiquem, concretamente, como e quando vieram à sua posse ou não demonstrem satisfatoriamente a sua origem lícita, são punidos com pena de prisão até três anos e multa até 360 dias.

2 - O disposto no número anterior á aplicável a todos os cidadãos relativamente a quem se verifique, no âmbito de um procedimento tributário que, por si ou por interposta pessoa, estejam na posse de património e rendimentos anormalmente superiores aos indicados nas declarações anteriormente prestadas e não justifiquem, concretamente, como e quando vieram à sua posse ou não demonstrem satisfatoriamente a sua origem lícita.

3 - O disposto no n.º 1 é ainda aplicável aos cidadãos cujas declarações efectuadas nos termos da lei revelem a obtenção, no decurso do exercício dos cargos a que as declarações se referem, de património e rendimentos anormalmente superiores aos que decorreriam das remunerações correspondentes aos cargos públicos e às actividades profissionais exercidas.

4 - O património ou rendimentos cuja posse ou origem não haja sido justificada nos termos dos números anteriores, pode, em decisão judicial condenatória, ser apreendido e declarado perdido a favor do Estado.

5 - A Administração Fiscal comunica ao Ministério Público os indícios da existência do crime de enriquecimento injustificado de que tenha conhecimento no âmbito dos seus procedimentos de inspecção da situação dos contribuintes.»

Assembleia da República, em 8 de Abril de 2009

 

  • Assembleia da República
  • Projectos de Lei