Intervenção de Bruno Dias na Assembleia de República

Criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais (Ordem dos Despachantes Oficiais, da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas e Ordem dos Contabilistas Certificados)

Transforma a Câmara dos Despachantes Oficiais em Ordem dos Despachantes Oficiais e altera o respetivo Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 173/98, de 26 de junho, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais
Aprova o novo Estatuto da Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais
Transforma a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas em Ordem dos Contabilistas Certificados e altera o respetivo Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de novembro, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro, que estabelece o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais.
(propostas de lei n.os 291/XII/4.ª, 292/XII/4.ª e 293/XII/4.ª)

Sr.ª Presidente,
Sr. Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais,
Gostava de colocar duas questões muito concretas.
Uma, tem a ver com o envolvimento e a participação das próprias associações profissionais neste processo legislativo. O Sr. Secretário de Estado informa-nos que estas propostas merecem o acordo de princípio das respetivas associações. Ficámos a saber disso agora, porque não é isso que vem escrito nas declarações enviadas pelo Governo na instrução do processo legislativo.
Queria perguntar-lhe se há mais alguma coisa, do ponto de vista da participação e do envolvimento destas entidades, para além destas lacónicas declarações de três linhas que dizem apenas que foi concedido o direito de audição prévia, o que foi feito. Para além disto, que outros contributos existem, que outras participações existem? Sabemos que, no caso dos revisores oficiais de contas, há propostas concretas, mas gostávamos de perceber o que é que existe de envolvimento e de participação. Aliás, no caso dos técnicos oficiais de contas, nem a questão do regime de justo impedimento, que é enunciado no segundo parágrafo do documento, é contemplado pelo Governo na proposta de lei que é apresentada.
Em segundo lugar, relativamente à questão de fundo sobre o papel destas associações profissionais, o Estado reconhece a especificidade destas profissões e a importância da sua independência técnica e autorregulação, de tal modo que considera a plena justificação das associações profissionais com autonomia e descentralização administrativa e daí a existência destas ordens e a criação da ordem dos despachantes oficiais.
Mas as propostas de lei apresentadas enquadram o exercício destas profissões de tal maneira que o mesmo é possível por sociedades de profissionais que podem ser compostas por pessoas que não pertençam a esta profissão, mesmo num quadro que pode ser propício a relações de dependência económica e outras circunstâncias que levantam dúvidas.
Essas dúvidas podem, inclusivamente, ser levantadas sobre a questão do cumprimento pleno e efetivo da tal autorregulação que, depois, a ordem vai ter a incumbência de desenvolver, em nome do Estado.
Por isso, a pergunta que deixamos, Sr. Secretário de Estado, é como é que enquadra esta opção de permitir sociedades de profissionais — seja de contabilistas certificados, seja de revisores oficiais de contas, seja de despachantes oficiais — em que outras profissões, de outros interesses, de outras realidades podem estar no limite de percentagem da participação dessas associações. Como é que as enquadra nesse eventual, potencial, quadro de outras inter-relações e até de dependências económicas em que podem surgir outros interesses e podem prevalecer outras questões?
(…)
Sr.ª Presidente,
Srs. Membros do Governo,
Sr.as e Srs. Deputados:
Uma palavra, por parte do PCP, de saudação a todos os homens e mulheres profissionais destes ramos de atividade que estão aqui em discussão — despachantes oficiais, revisores oficiais de contas, contabilistas certificados.
Da parte do PCP, queríamos convidar o Sr. Deputado Artur Rêgo a dizer o resto daquilo que não disse. É porque não basta dizer que o PCP avisou em relação à situação que ia ser criada, e que está criada, com desfasamentos legais e estatutários pelo atraso que foi gerado.
O PCP apresentou propostas de alteração que foram rejeitadas, com votos contra do CDS, do PSD e do PS e que evitariam a situação que está criada.
Esta proposta de lei, como o Sr. Deputado do PS, tão entusiasticamente, lembrou, é, de facto, «filha» do Memorando de Entendimento do ponto de vista da precarização e da sujeição à diretiva de serviços e às orientações comunitárias que, nessa medida, estão colocadas. Portanto, há aqui um parentesco inegável que coloca esta precarização, como dizemos, do ponto de vista comunitário, relativamente a esse quadro.
Mas há outras matérias, algumas das quais já abordámos na pergunta inicial, a que o Sr. Secretário de Estado não respondeu cabalmente, que têm a ver com o problema das sociedades de profissionais. É que nós não estamos na situação de haver algumas sociedades multidisciplinares, enquadradas como tal, estamos, sim, no caso inverso, ou seja, no caso de todas as sociedades profissionais serem potencialmente ditas multidisciplinares, mas que, na verdade, o que são é sociedades em que alguém pode deter uma parte importante do capital com relações de dependência económica e outras inter-relações que podem colocar problemas sérios, inclusive do ponto de vista deontológico, quando uma parte importante do poder de decisão estiver colocada nas mãos de alguém que não responde perante a respetiva ordem. É disso que estamos a falar, Sr. Secretário de Estado!
Já nos respondeu: «Isto acontece noutros países da Europa e corresponde à diretiva de serviços».
Mas isso não responde àquilo que questionamos. A nossa questão é a de saber que implicações é que esse caso pode ter do ponto de vista da própria autorregulação que se exige a estas profissões. Portanto, a questão continua por responder.
Há aqui matérias que, da parte do PCP, mereceram o nosso alerta e a nossa reserva no âmbito da lei-quadro. Estamos a falar, para além desta questão das sociedades profissionais — da sua propriedade, gestão e administração —, também do problema dos estagiários e dos estágios.
Estamos perante uma situação nacional, em que os jovens enfrentam, cada vez mais, o desemprego e a precariedade e, depois, são presa fácil para situações condenáveis, do ponto de vista não apenas profissional, laboral, mas até deontológico, problemas que resultam, principalmente, de uma situação de exploração em que os jovens são colocados, porque a remuneração dos estágios passa ao lado desta discussão e nós entendemos que assim não devia ser.
O mesmo se diga em relação a um problema que tem a ver com o exame final de estágio, igualmente uma questão decisiva para os jovens e para quem vai aceder à profissão, na medida em que é ao Governo que compete a decisão de homologação de cursos de ensino superior e é ao Governo que deve competir a avaliação da formação ministrada, bem como a manutenção dos respetivos cursos.
Portanto, há aqui matéria que carecia de outra ponderação já desde a lei-quadro e o problema mantém-se.
Nesse sentido, Sr.ª Presidente, para terminar, deixando estas reservas e estas preocupações que já vêm de trás e registando que há, objetivamente, matérias que não foram cabalmente esclarecidas pelo Governo, devo dizer que temos um longo trabalho e um longo caminho a percorrer numa discussão que ainda vai ser a tal maratona que temos pela frente. Só não sei quanto tempo temos para isso!

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